18/03/2014

Tratado dos vícios e pecados 32

Questão 76: Das causas do pecado em especial.

Art. 4 ― Se a ignorância diminui o pecado.

(Supra, q. 73, a. 6 ; IIª-IªIª, q. 59, a. 4, ad 1 ; II Sent., dist. XXII, q. 2, a. 2; De Malo, q. 3, a. 8 ; De Div. Nom., cap. IV, lect. XXII ; V Ethic., lect. XIII).

O quarto discute-se assim. ― Parece que a ignorância não diminui o pecado.

1. ― Pois, o comum a todo pecado não o diminui. Ora, a ignorância é comum a todo pecado, porquanto, como diz o Filósofo, todo mau é ignorante 1. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

2. Demais. ― Um pecado acrescentado a outro torna-o maior. Ora, a ignorância em si mesma já é pecado, como já se disse (a. 2). Logo, não diminui o pecado.

3. Demais. ― O que agrava o pecado não pode também diminuí-lo. Ora, a ignorância agrava-o, pois, como diz o Apóstolo (Rm 2, 4)― Ignoras que a benignidade de Deus te convida à penitência ―diz Ambrósio: Pecas gravissimamente se ignoras. Logo a ignorância não diminui o pecado.

4. Demais. ― Se alguma ignorância diminui o pecado, essa há-de ser principalmente a que priva totalmente do uso da razão. Ora, essa não o diminui, mas ao contrário, aumenta-o, pois, como diz o Filósofo, o ébrio merece duplos castigos 2. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

Mas, em contrário. ― Toda causa de remissão do pecado o atenua. Ora, tal é a ignorância, conforme a Escritura (1 Tm 1, 13): alcancei a misericórdia, porque o fiz por ignorância. Logo, a ignorância diminui ou atenua o pecado.

Sendo todo pecado voluntário, a ignorância pode diminuir o pecado, na medida em que diminuir o voluntário, se porém não diminuir este, de nenhum modo diminuirá aquele. Ora, como é manifesto, a ignorância, que isenta totalmente do pecado, por privar totalmente do voluntário, não diminui o pecado, mas aumenta-o de modo absoluto. A ignorância porém, que não causa o pecado, mas existe concomitantemente com ele, nem o diminui nem o aumenta. Logo, só pode diminuir o pecado a ignorância que o causa, e contudo, ela não o isenta totalmente.

Pois, às vezes acontece que essa ignorância é voluntária, directamente e em si mesma, como quando de propósito ignoramos para pecarmos mais livremente. E tal ignorância aumenta o voluntário e o pecado, pois, da intensidade da vontade no pecar provém o querermos sofrer o dano da ignorância com o fito na liberdade de pecar. Outras vezes, porém, a ignorância, causa do pecado, não é directamente voluntária, mas indirecta ou acidentalmente. Assim, como quando não queremos o labor do estudo, donde resulta o sermos ignorantes, ou como quando queremos beber vinho imoderadamente, donde o ficarmos ébrios e privados do juízo. E tal ignorância diminui o voluntário, e por consequência o pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A ignorância, que torna todo homem mau ignorante, não é causa do pecado, mas algo consequente a ela, i. é, à paixão ou ao hábito que inclina ao pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Um pecado adicionado a outro produz vários pecados, mas nem sempre torna o pecado maior pois talvez ambos não constituam um só pecado, senão vários. E pode acontecer, se diminuir o segundo, que ambos juntos não tenham tão grande gravidade, como a teria um só. Assim, o homicídio é pecado mais grave cometido por um homem sóbrio do que por um homem ébrio, embora haja neste último caso dois pecados, porque a embriaguez diminui o pecado consequente, na sua essência, mais do que lhe constitui a gravidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A posição de Ambrósio pode ser entendida da ignorância simplesmente afectada. Ou pode ser compreendida no género do pecado de ingratidão, cujo grau sumo está em o homem não reconhecer nem os benefícios. Ou pode ser referido à ignorância de infidelidade, que subverte o fundamento do edifício espiritual.

RESPOSTA À QUARTA. ― O ébrio merece por certo duplo castigo, por causa de dois pecados que comete, a saber: a embriaguez e outro pecado que se lhe segue. Contudo, a embriaguez, em razão da ignorância adjunta, diminui o pecado consequente, e talvez mais do que a gravidade dela própria, como dissemos. ― Ou pode dizer-se que o lugar aduzido se funda na ordenação de um certo Pítaco, legislador, que estatuía: se os ébrios ferirem alguém, devem ser punidos mais amplamente, levando-se em conta, não a vénia de que sobretudo são credores, mas a utilidade, porque os ébrios ofendem mais frequentemente que os sóbrios, como está claro no Filósofo 3.


Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. III Ethic. (lect. III).
2. III Ethic. (lect. XI).
3. Polit. (lect. XVII).





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