31/10/2014

Deus não te arranca do teu ambiente

Deus não te arranca do teu ambiente, não te tira do mundo, nem do teu estado, nem das tuas ambições humanas nobres, nem do teu trabalho profissional... mas, aí, quer-te santo! (Forja, 362)


Convencei-vos de que a vocação profissional é parte essencial e inseparável da nossa condição de cristãos. O Senhor quer que sejais santos no lugar onde estais e no trabalho que haveis escolhido pelas razões que vos aprouveram: pela minha parte, todos me parecem bons e nobres – desde que não se oponham à lei divina – e capazes de ser elevados ao plano sobrenatural, isto é, enxertados nessa corrente de Amor que define a vida de um filho de Deus. (...).


Temos de evitar o erro de considerar que o apostolado se reduz ao testemunho de algumas práticas piedosas. Tu e eu somos cristãos, mas, ao mesmo tempo e sem solução de continuidade, cidadãos e trabalhadores, com obrigações bem nítidas que temos de cumprir exemplarmente, se deveras queremos santificar-nos. É Jesus Cristo que nos estimula: Vós sois a luz do mundo. (Amigos de Deus,  60–61)

Evangelho diário, coment., leit. espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXX Semana

Evangelho: Lc 14 1-6
1 Entrando Jesus, um sábado, em casa de um dos principais fariseus, para comer, eles estavam a observá-l'O. 2 Encontrava-se diante d'Ele um homem hidrópico. 3 Jesus, dirigindo a palavra aos doutores da lei e aos fariseus, disse-lhes: «É lícito ou não fazer curas ao sábado?». 4 Eles ficaram calados. Então Jesus, pegando no homem pela mão, curou-o e mandou-o embora. 5 Dirigindo-se depois a eles, disse: «Qual de vós, se o seu filho ou seu boi cair num poço, não o tirará imediatamente ainda que seja em dia de sábado?». 6 Eles não sabiam que replicar a isto.
Comentário

Não há dias, momentos ou circunstâncias como, igualmente não existem quaisquer desculpas que justifiquem não se praticarem boas obras, fazer o bem.
No que respeita ao próprio ou, principalmente, no que se refere ao próximo.
O que possa aduzir-se em contrário não passa de arrazoado sem sentido ou critério.
Em todos os momentos da nossa vida somos sempre filhos de Deus e teremos de agir como tal.
(ama, comentário sobre Lc 14 1-6, 2014.09.08)

Leitura espiritual



HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte II

…/4


Esqueci mais alguns detalhes da minha infância antes do meu ingresso no Carmelo. Não vos falei do meu gosto pelas estampas e pela leitura... No entanto, minha querida Madre, às belas estampas que me mostráveis, como recompensa, devo uma das mais doces alegrias e uma das mais vivas impressões que me incitavam à prática da virtude... Ficava horas esquecidas a contemplá-las. A Florzinha do Divino Prisioneiro, por exemplo, falava-me de tantas cousas, que me deixavam embevecida. Vendo o nome de Paulina escrito na parte de baixo da florzinha, queria que o de Teresa também o fosse, e oferecia-me a Jesus para ser sua florzinha...

Se não sabia brincar, gostava muito de ler, e nisso levaria minha vida. Por sorte, para me guiarem, havia anjos da terra, que para mim seleccionavam livros que me distraíssem e ao mesmo tempo me alimentassem o espírito e o coração. Depois só devia aplicar certo tempo na leitura, o que me impunha grandes sacrifícios, interrompendo às vezes minha leitura no meio do trecho mais empolgante... O atractivo pela leitura durou até minha entrada para o Carmelo. Não poderia indicar o número de livros que me passaram pelas mãos. Mas, o Bom Deus nunca permitiu que lesse um só deles, capaz de me prejudicar.

Verdade é, na leitura de certas histórias de cavalaria, nem sempre apanhava desde logo o lado autêntico da vida. O Bom Deus, porém, de pronto me fazia intuir que a verdadeira glória é a que dura eternamente, não havendo, para sua consecução, necessidade de realizar obras aparatosas, mas de esconder-se e praticar a virtude, de molde a não saber a mão esquerda o que faz a direitas... Foi assim que, lendo a narração dos feitos patrióticos de heroínas francesas, mormente da Venerável JOANA D'ARC,sentia grande desejo de imitá-las. Perecia verificar em mim o mesmo ardor, de que estavam animadas, a mesma inspiração celestial.

Recebi, então, uma graça que sempre tomei como uma das maiores de minha vida, pois nessa idade não recebia, como agora, as luzes em que estou imersa. Cuidava que nascera para a glória, e como procurasse um meio de alcançá-la, o Bom Deus inspirou-me os sentimentos que acabo de descrever. Fez-me, outrossim, compreender que minha glória característica não apareceria aos olhos dos mortais, consistiria em tornar-me grande Santa!!!... Poderia tal desejo parecer temeridade, tomando-se em consideração quanto era fraca e imperfeita, e quanto ainda o sou, depois de passar sete anos em religião. Muito embora, sinto sempre a mesma audaciosa confiança de tornar-me grande Santa, pois não conto com meus méritos, por não ter nenhum, mas espero em Aquele que é a Virtude, a própria Santidade. Só Ele é que, cingindo-se aos meus débeis esforços, me elevará a Si próprio, e, cobrindo-me com seus méritos infinitos, fará de mim uma Santa. Não calculava, então, que seria preciso sofrer muito para chegar à santidade. O Bom Deus não tardou em mo demonstrar, quando enviou as provações que mais acima relatei... Agora retomarei minha exposição, desde o ponto em que a tinha largado. Três meses após minha cura, Papai levou-nos em viagem a Alençon. Era a primeira vez que para lá voltava. Bem grande foi minha alegria rever os lugares onde vivera minha infância, e de poder principalmente rezar junto à sepultura de Mamãe, pedindo-lhe que sempre me proteja...

O Bom Deus concedeu-me a graça de conhecer o mundo na medida suficientemente exata para o desprezar, e dele me conservar afastada. Poderia afirmar ter sido na minha permanência em Alençon que fiz minha primeira entrada no mundo. Em redor de mim, tudo era gozo e felicidade. Tornava-me alvo de festas, de mimos e admirações. Numa palavra, dentro de quinze dias, tive uma vida semeada só de flores... Não nego que tal vida tinha encantos para mim. Muita razão tem a Sabedoria em ponderar: "Porque a fascinação das frivolidades seduz até o espírito arredado do mal"'. Na idade de dez anos, o coração deixa-se facilmente embelezar. Por isso, considero como grande graça não ter ficado em Alençon. Os amigos que ali tínhamos eram muito dados ao mundo, sabiam aliar demais as alegrias da terra com o serviço de Deus. Não pensavam bastante na morte, e no entanto veio a morte visitar grande número de pessoas, minhas conhecidas, jovens, ricas e felizes!!! Gosto de volver em pensamento aos lugares encantados, onde elas viveram, e de perguntar a mim mesma onde estão, o que usufruem dos castelos e dos parques, donde as vi gozarem as comodidades da vida?... E vejo que debaixo do Sol tudo é vaidade e aflição de espírito. . . que o único bem consiste em amar a Deus de todo o coração e ser pobre de espírito aqui na terra...

Jesus quis, talvez, mostrar-me o mundo antes da primeira visita que estava para me fazer, a fim de que eu com mais liberdade escolhesse o caminho que lhe prometeria seguir. A época de minha Primeira Comunhão ficou gravada no coração como uma lembrança sem penumbras. Parece-me, não podia estar mais bem disposta do que estava. Além do mais, meus sofrimentos espirituais deixaram-me em sossego durante quase um ano. Queria Jesus fazer-me gozar de uma alegria tão perfeita, quanto possível neste vale de lágrimas...

Lembrai-vos, minha querida Madre, do maravilhoso livrinho que fizestes para mim, três meses antes da minha Primeira Comunhão?... Foi o que me ajudou a preparar o coração de uma maneira contínua e rápida. Pois, se desde muito já o vinha preparando, era bem necessário dar-lhe novo impulso, enchê-lo de novas flores, para que nele pudesse Jesus repousar com alegria... Praticava diariamente grande número de piedosos exercícios, que constituíam outras tantas flores. Fazia número maior ainda de jaculatórias, que escrevestes para cada dia em meu livrinho, e tais actos de amor formavam os botões das flores...

Toda semana, escrevíeis-me uma linda cartinha, que me enchia a alma de profundos pensamentos e me ajudava a praticar a virtude. Era um consolo para vossa pobre filhinha, que fazia tão grande sacrifício em se conformar com não ser, todas as tardes, preparada em vossos joelhos, como o fora sua querida Celina... No meu caso, era Maria que fazia as vezes de Paulina. Eu sentava nos joelhos dela, e nessa posição escutava com avidez o que me dizia. Parecia-me que todo o seu coração, tão grande, tão generoso, se transferia para dentro de mim. - Como guerreiros famosos ensinam aos filhos o traquejo das armas, assim também ela me falava dos combates da vida, do laurel outorgado aos vitoriosos... Maria falava-me ainda das imorredouras riquezas que são fáceis de juntar todos os dias, da infelicidade de passar ao largo, sem querer dar-se ao trabalho de estender a mão para as agarrar. Depois, mostrava-me o meio de ser santa pela fidelidade nas mínimas coisas. Deu-me o folheto "Sobre a renúncia", que eu meditava com toda a delícia ...

Oh! como era eloqüente minha querida madrinha! Quisera que não fosse a única a ouvir-lhe os profundos ensinamentos. Sentia-me tão atingida, que em minha ingenuidade acreditava que os maiores pecadores teriam sido atingidos como eu, deixariam então suas riquezas caducas, e já não quereriam ganhar outras senão as provenientes do Céu... Nessa época, ninguém ainda me ensinara o modo de fazer oração, apesar da grande vontade que tinha de aprendê-lo. Como, porém, me achasse bastante piedosa, Maria só me deixava fazer minhas preces. Um dia, uma das minhas mestras da Abadia me perguntou o que fazia nos dias de folga, quando estava sozinha. Respondi-lhe que me punha atrás de minha cama num vão que ali havia, fácil para mim de fechar com o cortinado, e nesse lugar ficava a "pensar". Mas, em que pensáveis? perguntou-me. - Penso no Bom Deus, na vida... na ETERNIDADE, enfim, penso!... Muito se divertiu a boa religiosa à minha custa. Mais tarde, gostava de lembrar o tempo em que pensava, e perguntava-me se ainda me punha a pensar... Compreendo agora que, sem o saber fazia oração, e que o Bom Deus já me instruía em segredo.


Manuscrito "A" - Parte III

Depressa se passaram os três meses de preparação. Tive logo de entrar em retiro, e de ficar interna para esse fim, pernoitando na Abadia. Não consigo exteriorizar em palavras a suave recordação que o retiro me deixou. Francamente, se sofri muito como interna, fui amplamente recompensada pela felicidade inefável desses poucos dias passados à espera de Jesus... Não creio que se possa fruir tal alegria noutro lugar senão em comunidades de religiosas. Sendo restrito o número de crianças, fácil se tornava dar atenção a cada uma delas em particular, e na ocasião tiveram, realmente, nossas mestras maternais cuidados para connosco. De mim se ocupavam mais que de outras. Todas as noites, vinha a mestra directora, com a lanterninha, abraçar-me na cama, dando-me sinais de grande afeição. Comovida com sua bondade, disse-lhe uma noite que lhe confiaria um segredo. Depois de tirar, com ar misterioso, meu precioso livrinho que estava debaixo do travesseiro, mostrei-lho com olhos radiantes de alegria... De manhã, achava muito bonito ver como as alunas se levantavam da cama, ao toque da campainha, e queria fazer como elas, mas não estava habituada a aprontar-me sozinha. Não estava ali Maria para me arrumar o cabelo. Por isso, tive de apresentar, timidamente, meu pente à supervisora do vestiário, a qual se riu ao ver uma menina crescida, de 11 anos, que não sabia cuidar de si mesma. No entanto, ela penteava-me, não de modo tão delicado, como Maria, mas nem por isso me atrevia a gritar, segundo meu costume de todos os dias, quando me submetia à leve mão da madrinha... No retiro, averiguei que era uma criança cercada de mimos e atenções, como poucas o serão na terra, antes de tudo entre crianças órfãs de mãe... Diariamente, vinham Maria e Leônia visitar-me, em companhia de Papai que me cumulava de agradinhos de sorte que não sofri com a privação de estar longe da família, e nada ofuscou o lindo Céu azul do meu retiro.

Escutava com muita atenção as instruções que o Sr. Padre Domin nos dava, e delas fiz até um resumo. Quanto aos meus próprios pensamentos, não quis anotar nenhum, alegando que os conservaria bem de memória, o que foi verdade ... Para mim era grande satisfação acompanhar as religiosas a todos os ofícios. No meio de minhas companheiras, atraía a atenção por causa de um grande Crucifixo que Leônia me tinha dado, e que eu metia na cintura à guisa dos missionários. O Crucifixo despertava a inveja das religiosas. Cuidavam que, andando com ele, queria imitar minha irmã carmelita... Oh! realmente era para ela que se dirigiam meus pensamentos. Sabia que minha Paulina estava em retiro como eu, não para que Jesus se desse a ela, mas para ela se dar a Jesus. Por conseguinte, a solidão que passei em expectativa, era-me duplamente querida...

Tenho recordação de que uma manhã me passaram para a enfermaria, porque estava tossindo muito (desde minha doença, as mestras tinham grande cuidado comigo; por ligeira dor de cabeça, ou quando me vissem mais pálida do que de costume, mandavam-me respirar ao ar livre ou repousar na enfermaria). Vi entrar minha querida Celina que, não obstante o retiro, obtivera permissão de visitar-me, para me oferecer um santinho que me causou grande prazer. Era a "Florzinha do Divino Prisioneiro". Oh! como me foi grato receber tal lembrança das mãos de Celina!... Quantos pensamentos de amor não tive por causa dela!...

Na véspera do grande dia, recebi a absolvição sacramental pela segunda vez. A confissão geral deixou-me grande paz na alma, e o Bom Deus não permitiu que a mais leve dúvida a perturbasse. No correr da tarde, pedi perdão a todos da família que vieram visitar-me, mas não conseguia falar senão através de minhas lágrimas. Estava por demais comovida... Paulina não estava presente, mas pelo coração senti que se mantinha junto a mim. Enviara-me por Maria uma bela estampa, que não me cansava de admirar e fazer admirar por toda a gente! ... Escrevera ao bom Padre Pichon para me recomendar às suas orações, dissera-lhe também que logo me tornaria carmelita, e então seria ele meu diretor. (Com efeito, foi o que aconteceu quatro anos mais tarde, pois no Carmelo lhe abri minha alma...). Maria entregou-me uma carta dele. Na verdade, senti-me sobremaneira feliz!... Chegavam-me, simultaneamente, todas as felicidades. O que mais me regozijou na carta dele, foi esta frase: "Amanhã, subirei ao Sagrado Altar, e a intenção será por vós e por vossa Paulina!" No dia 8 de maio, Paulina e Teresa se uniram cada vez mais, pois Jesus parecia tomá-las juntas, quando as inundou de suas graças ...

Raiou, enfim, o "mais belo de todos os dias". Quão inefáveis não são as recordações que na alma me deixaram as mínimas circunstâncias dessa data do Céu! ... A alegre alvorada, os respeitosos e afectuosos ósculos das mestras e das colegas maiores ... O salão nobre, repleto de flocos de neve, com os quais cada criança se via adornada por sua vez... Acima de tudo, a entrada na Capela e a entoação matinal do lindo cântico: "Ó Santo Altar, que de Anjos sois rodeado!"

Não quero, contudo, descer a pormenores. Há coisas que perdem a fragrância, quando expostas ao ar. Existem pensamentos da alma que se não podem traduzir em linguagem terrena, sem perderem o sentido autêntico e celestial. São como a "pedrinha branca que se dará ao vencedor, sobre a qual está escrito um nome, que ninguém CONHECE, senão QUEM a recebe". Ah! como foi doce o primeiro beijo de Jesus à minha alma! ...

Foi um beijo de amor. Sentia-me amada, e de minha parte dizia: "Amo-vos, entrego-me a Vós para sempre". Não houve pedidos, nem lutas, nem sacrifícios. Desde muito, Jesus e a pobre Teresinha se tinham olhado e compreendido. Naquele dia, porém, já não era um olhar, era uma fusão. Já não eram dois, Teresa desvanecera, como a gota de água que se dilui no bojo do oceano. Ficava só Jesus, era Ele o Senhor, o Rei. Teresa pedira-lhe tirasse sua liberdade, pois sua liberdade lhe fazia medo., Sentia-se tão fraca, tão frágil, que desejava permanecer para sempre unida à Força Divina! ... Sua alegria era grande demais, era profunda demais, para que a pudesse represar. Não tardou em debulhar-se em deliciosas lágrimas, com grande espanto das colegas que, mais tarde, diziam entre si: "Por que será que chorou? Sentiria algo que a acabrunhasse?... Não será, antes, por não ver junto a si a própria mãe ou a irmã, que é carmelita, a quem tanto ama?" - Não compreendiam que, ao descer a um coração toda a alegria do Céu, não a pode suportar um coração banido, sem derramar lágrimas... Oh! não! A ausência de Mamãe não me contristava no dia de minha Primeira Comunhão. Não estava o Céu dentro de mim, e nele não tinha Mamãe desde muito tomado lugar? Desta forma, quando recebi a visita de Jesus, recebi também a de minha querida Mãe, que me abençoava e se regozijava com minha felicidade... Não chorava, outrossim, a ausência de Paulina. Sem dúvida alguma, ficaria contente, se a visse ao meu lado, mas desde muito meu sacrifício estava aceito. Nessa data, meu coração se encheu só de alegria. Uni-me a ela, que irrevogavelmente se dava Aquele que tão amorosamente se dava a mim! ...

Na parte da tarde, fui eu quem pronunciou o ato de consagração à Santíssima Virgem. Era muito justo que, em nome de minhas companheiras, falasse à minha Mãe do Céu, eu que tão cedo me privara de minha Mãe da terra... De todo o coração me pus a falar-lhe, a consagrar-me a ela, como filha que se lança aos braços da Mãe, e lhe pede olhe por ela. Parece-me que a Santíssima Virgem terá olhado para sua florzinha e ter-lhe-á sorrido, pois não foi ela quem a curara com visível sorriso?... Não foi ela que no cálice de sua florzinha depositara seu Jesus, a Flor dos Campos, o Lírio do Vale?...

À tarde do belo dia, estive novamente com minha família terrena. Pela manhã, já tinha abraçado Papai e todos os meus queridos parentes. Agora, porém, se estabelecia a verdadeira reunião, quando Papai tomou pela mão sua rainhazinha e se dirigiu ao Carmelo... Vi então minha Paulina, que se tornara esposa de Jesus. Divisei-a com seu véu, branco, como o meu, e com sua coroa de rosas... Oh! minha alegria não comportava amargura. Esperava estar em breve novamente com ela, e com ela esperar pelo Céu!

Não fiquei insensível à festa de família, que se realizou na tarde da minha primeira Comunhão. Grande prazer me causou o lindo relógio que o meu Rei me deu, mas minha alegria era tranquila, e nada chegou a perturbar minha paz interior.

Maria levou-me consigo na noite imediata ao grande dia, pois os dias mais radiosos são seguidos de escuridões. Sem ocaso será só o dia da primeira e única, da eterna Comunhão do Céu...
(cont.) 





30/10/2014

Ajuda-os sem que o notem

O pensamento da morte ajudar-te-á a cultivar a virtude da caridade, porque talvez esse instante concreto de convivência seja o último em que estás com este ou com aquele... Eles, ou tu, ou eu, podemos faltar em qualquer momento. (Sulco, 895)

Dir-me-ás talvez: e porque havia eu de me esforçar? Não sou eu quem te responde, mas S. Paulo: o amor de Cristo urge-nos. Todo o espaço de uma existência é pouco para alargar as fronteiras da tua caridade. Desde os primeiríssimos começos do Opus Dei, manifestei o meu grande empenho em repetir sem cessar, para as almas generosas que se decidam a traduzi-lo em obras, aquele grito de Cristo: nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros. Conhecer-nos-ão precisamente por isso, porque a caridade é o ponto de arranque de qualquer actividade de um cristão. (…)


Queria fazer-vos notar que, após vinte séculos, ainda aparece com toda a pujança de novidade o Mandato do Mestre, que é uma espécie de carta de apresentação do verdadeiro filho de Deus. Ao longo da minha vida sacerdotal, tenho pregado com muitíssima frequência que, desgraçadamente para muitos, continua a ser novo, porque nunca ou quase nunca se esforçaram por praticá-lo. É triste, mas é assim. E não há dúvida nenhuma de que a afirmação do Messias ressalta de modo terminante: nisto vos conhecerão, que vos amais uns aos outros! Por isso, sinto a necessidade de recordar constantemente essas palavras do Senhor. S. Paulo acrescenta: levai os fardos uns dos outros e, desta maneira, cumprireis a lei de Cristo. Momentos perdidos, talvez com a falsa desculpa de que te sobra tempo... Se há tantos irmãos, amigos teus, sobrecarregados de trabalho! Com delicadeza, com cortesia, com um sorriso nos lábios, ajuda-os, de tal maneira que se torne quase impossível que o notem; e que nem se possam mostrar agradecidos, porque a discreta finura da tua caridade fez com que ela passasse inadvertida. (Amigos de Deus, 43–44)

Temas para meditar - 257


Cristianização

A Igreja de hoje prepara-se para uma nova cristianização, que se apresenta aos seus olhos como um desafio, ao qual deverá responder adequadamente como em tempos passados.






(São joão paulo ii Disc. em Santiago de Compostela 1989.08.19)

Tratado do verbo encarnado 15

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 9 — Se a união das duas naturezas em Cristo é a máxima das uniões.

O nono discute-se assim. — Parece que a união das duas naturezas em Cristo não é a máxima das uniões.

1. — Pois, o unido é inferior, em razão da unidade, ao que é uno, porque o unido o é por participação, e o uno, por essência. Ora, nas coisas criadas uma coisa é dita, absolutamente, una, como principalmente o demonstra a própria unidade, que é o princípio do número. Logo, a união de que falamos, não implica a máxima unidade.

2. Demais. — Quanto mais distam as coisas unidas tanto menor é a união. Ora, a natureza divina e a humana, unidas pela união de que tratamos, distam entre si em máximo grau, porque distam infinitamente. Logo, tal união é mínima.

3. Demais. — Da união resulta a unidade. Ora, da união da alma e do corpo em nós resulta a unidade da pessoa e da natureza, ao passo que da união da natureza divina com a humana resulta só a unidade da pessoa. Logo, maior é a união da alma com o corpo do que da natureza divina com a humana, e assim, a união de que agora tratamos não implica a máxima unidade.

Mas em contrário, diz Agostinho, que antes está o homem no Filho de Deus, que o Filho no Padre. Ora, o Filho está no Padre pela unidade de essência, ao passo que o homem está no Filho pela união da Encarnação. Logo, maior é a união da Encarnação que a unidade da essência divina. A qual porém é a máxima das unidades. E assim, por consequência, a união da Encarnação implica a máxima unidade.

A união implica a conjunção de dois seres num só ser. Donde, a união da Encarnação pode ser considerada a dupla luz: relativamente aos elementos unidos e relativamente àquele em que se unem. E, por este lado, a referida união tem a preeminência sobre as outras uniões, pois, a unidade da pessoa divina, em que se unem ias duas naturezas, é máxima. Portanto, não tem a preeminência relativamente aos elementos unidos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A unidade da pessoa divina é maior que a unidade numérica, isto é, que é o princípio do número. Pois, a unidade da pessoa divina é uma unidade por si subsistente, não recebida em outro ser por participação. E também é em si mesma completa, encerrando em si tudo o que compreende a noção de unidade. Por isso não lhe convém ser parte, como à unidade numeral, que é parte do número e é participada pelas coisas numeradas. E assim, a este respeito, a união da Encarnação tem preeminência sobre a unidade numeral, isto é, em razão da unidade de pessoa. Não porém em razão da natureza humana, que não é a unidade própria da pessoa divina, mas a esta está unida.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe quanto aos elementos conjuntos, não, quanto à pessoa em que se fez a união.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A unidade da pessoa divina é uma unidade maior que a da pessoa e da natureza, em nós. Por isso, a união da Encarnação é maior que a da alma e do corpo em nós. Quanto a objecção em contrário, ela supõe uma falsidade, a saber, que maior é a união da Encarnação que a unidade das pessoas divinas, na essência. E então devemos responder, quanto à autoridade de Agostinho, que a natureza humana não existe, mais, no Filho de Deus, que o Filho de Deus, no Pai, mas, muito menos. Mas, o próprio homem está, de certo modo, mais no Filho, que o Filho no Pai, isto é, quando digo — homem, tomando-o por Cristo, e quando digo — Filho de Deus, o suposto é o mesmo, mas não é o mesmo o suposto do Pai e do Filho.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Jesus Cristo e a Igreja - 40

Como se explica a ressurreição de Jesus?

A ressurreição de Cristo é um acontecimento real que teve manifestações historicamente comprovadas.
Os Apóstolos deram testemunho do que tinham visto e ouvido. Pelo ano 57 São Paulo escreve aos Coríntios:
“Porque, antes de tudo, ensinei-vos o que eu mesmo recebi: Que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as mesmas Escrituras; que foi visto por Cefas e depois pelos onze” (1 Co 15, 3-5).
Quando alguém actualmente se aproxima desses factos para buscar, do modo mais objectivo possível, a verdade sobre o que sucedeu, pode surgir uma pergunta: donde procede a afirmação de que Jesus ressuscitou? É uma manipulação da realidade que teve um eco extraordinário na história humana, ou é um facto real, que continua a ser tão surpreendente e inesperado como foi naquela altura para os seus aturdidos discípulos?
Para essas questões só é possível encontrar uma solução razoável procurando estudar quais podiam ser as crenças daqueles homens sobre a vida depois da morte, para avaliar se a ideia de uma ressurreição como a que descreviam era uma ocorrência lógica para os seus esquemas mentais.

Para começar, no mundo grego há referências a uma vida após a morte, mas com características singulares. O Hades, motivo recorrente já desde os poemas homéricos, é o domicílio da morte, um mundo de sombras que é como uma vaga recordação da morada dos vivos. Mas Homero jamais imaginou que na realidade fosse possível um regresso do Hades. Platão, com uma perspectiva diferente tinha especulado acerca da reencarnação, mas não imaginou como algo real a possibilidade de revitalização do próprio corpo, depois de morto. Isto significa que, embora se falasse por vezes na vida após a morte, nunca passava pela cabeça a ideia de ressurreição isto é, que algum indivíduo pudesse regressar à vida corporal no mundo presente.
No judaísmo a situação é em parte diferente e em parte semelhante. O sheol de que falam o Antigo Testamento e outros textos judeus antigos não é muito diferente do Hades homérico, onde as pessoas estão como adormecidas. Mas, em contraste com a concepção grega, há portas abertas à esperança. O Senhor é o único Deus, quer dos vivos quer dos mortos, com poder tanto no mundo de cima como no sheol. É possível um triunfo sobre a morte. Na tradição judaica, manifesta-se alguma crença numa ressurreição. E espera-se também a chegada do Messias, mas ambos os acontecimentos não aparecem ligados. Para qualquer judeu contemporâneo de Jesus trata-se, pelo menos à partida, de duas questões teológicas que dizem respeito a âmbitos muito diferentes.
Espera-se que o Messias derrote os inimigos do Senhor, restabeleça em todo o seu esplendor e pureza o culto do templo, estabeleça o domínio do Senhor sobre o mundo, mas nunca se imagina que ressuscitará depois da sua morte: é algo que não passava habitualmente pela cabeça de um judeu piedoso e instruído.
Roubar o seu corpo e difundir a ideia de que tinha ressuscitado com esse corpo, como argumento para mostrar que era o Messias, é impensável. No dia de Pentecostes, segundo referem os Actos dos Apóstolos, Pedro afirma que “Deus O ressuscitou desfazendo as ligaduras da morte”, e por consequência conclui: “Saiba, pois, toda a casa de Israel com absoluta certeza que Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus, a quem vós crucificastes” (Act 2, 36).
A explicação dessas afirmações é que os Apóstolos tinham contemplado algo que jamais tinham imaginado e viam-se no dever de dar testemunho, apesar da sua perplexidade e das troças que supunham, com razão, que iam suscitar.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Reflectindo - 44

Julgar os outros


Julgar os outros é muitas vezes, quase sempre, espelhar os nossos próprios defeitos, e ver o argueiro no olho do vizinho sem reparar que o nosso está obstruído por uma trave.
Não me refiro só ao julgamento público, os comentários ou avaliações que fazemos dos outros, sobretudo quando não estão presentes, mas também aquele julgamento que muitas vezes, permitimos que exista no segredo do nosso coração.

(AMA, Palestras sobre os Evangelhos, Minho Fevereiro de 1991, (Ref. Mc 5 21-43))


Evangelho diário, coment., leit. espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXX Semana

Evangelho: Lc 13 31-35

31 No mesmo dia alguns dos fariseus foram dizer-Lhe: «Sai e vai-Te daqui porque Herodes quer matar-Te». 32 Ele respondeu-lhes: «Ide dizer a essa raposa: Eis que Eu expulso os demónios e faço curas hoje e amanhã, e ao terceiro dia atinjo o Meu termo.33 Importa, contudo, que Eu caminhe ainda hoje, amanhã e no dia seguinte; porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém. 34 «Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis juntar os teus filhos como a galinha recolhe os seus pintainhos debaixo das asas, e tu não quiseste! 35 Eis que a vossa casa vos será deixada deserta. Digo-vos que não Me vereis, até que venha o dia em que digais: “Bendito O que vem em nome do Senhor”».

Comentário:

De facto repetimos esta frase “bendito o que vem em nome do Senhor” sempre que recebemos na Hóstia Consagrada o próprio Corpo, Sangue, Alma e Divindade do mesmo Jesus Cristo que a pronunciou como consta neste Evangelho.

Não O veremos fisicamente mas sim com os olhos da nossa alma e, quanto melhores sejam as disposições com que O recebemos melhor O veremos.

(ama, comentário sobre Lc 13, 31-35, 2013.10.31)
 

Leitura espiritual


HISTÓRIA DE UMA ALMA


Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte II

…/3

Pensais, talvez, minha querida Madre, que exagero a aflição que estava sentindo?... Levo em conta que não podia ser lá muito grande, pois tinha a esperança de encontrar-vos novamente no Carmelo, mas é que minha alma estava LONGE da maturidade. Por muitos crisóis devia eu passar até atingir o termo que tanto almejava...

Dois de outubro era o dia fixado para a reabertura de aulas na Abadia. Por isso precisei ir para lá, não obstante minha tristeza... Pela tarde veio Titia buscar-nos para irmos ao Carmelo, e vi minha querida Paulina atrás das grades... Oh! como sofri nessa visita ao Carmelo! Já que escrevo a história de minha alma, tenho a obrigação de dizer tudo à minha querida Mãe. Confesso que os sofrimentos anteriores à sua entrada não eram nada em comparação com os que lhe sucederam... Cada quinta-feira, íamos toda a família ao Carmelo, e eu, habituada que era a entreter-me com Paulina, de coração a coração, conseguia a muito custo dois ou três minutos ao terminar a visita. Entende-se que os passasse a chorar, e me fosse embora como o coração em frangalhos... Não percebia que, por atenção à Titia, preferíeis dirigir a palavra à Joana e à Maria, em vez de falar com vossas filhinhas... Não o percebia, e no fundo do coração punha-me a dizer: "Paulina está perdida para mim!!!" Surpreende ver como meu espírito se abriu no meio do sofrimento. Abriu-se a tal ponto que não tardei em cair doente.

A doença que me atingira, provinha certamente do demónio. Furioso com vossa entrada no Carmelo, quis desforrar-se contra mim do grande dano que nossa família lhe infligiria para o futuro, mas não sabia que a carinhosa Rainha do Céu velava por sua débil florzinha e lhe sorria do alto de seu trono, dispondo-se a deter a tempestade no momento que sua flor poderia quebrar irremediavelmente...

Pelo fim do ano, fui acometida de contínua dor de cabeça, que quase não me fazia sofrer. Estava em condições de continuar os estudos, e ninguém se preocupava por minha causa. Assim ficou a situação até a Páscoa de 1883. Tendo Papai ido a Paris com Maria e Leónia, Titia levou-me com Celina para sua casa. Certa noite, Titio que ficara comigo, falou-me de Mamãe, de recordações antigas, de uma maneira tão bondosa, que profundamente me comoveu e fez chorar. Disse-me, então, que eu tinha um coração demasiado sensível e necessitava de muita distração. E, com Titia, resolveu proporcionar-nos folguedos nos feriados de Páscoa. Naquela noite, devíamos ir ao Círculo Católico. Achando, porém, que estava muito cansada, Titia fez-me deitar. Ao trocar de roupa, fui sacudida por estranho tremor. Crendo que eu estava com frio, Titia rodeou-me de cobertores e botijas com água quente. Nada, entretanto, fazia reduzir minha agitação, que durou quase a noite inteira. Ao regressar do Círculo Católico, com minhas primas e Celina, Titio ficou muito surpreso de encontrar-me em tal estado. Tinha-o por muito grave, mas não o quis declarar, para que Titia se não sobressaltasse. No dia seguinte, mandou chamar o Dr. Notta que achou, como Titio, estar eu com doença muito grave, da qual nunca fora atingida criança tão nova. Todo o mundo ficou consternado. Minha Tia viu-se obrigada a deixar-me na casa, e cuidou de mim com um desvelo verdadeiramente maternal. Quando Papai voltou de Paris com minhas irmãs maiores, Aimée recebeu-os com um ar tão desconsolado, que Maria me supôs já morta... A doença, porém, não era ainda para morrer. Era, antes, como a de Lázaro, para que Deus fosse glorificado.. De fato, Ele o foi, graças à admirável resignação do meu pobre Paizinho, cuja idéia era que "sua filhinha ficaria louca, ou então morreria". Ele o foi, outrossim, graças à resignação de Maria! ... Oh! quanto não sofreu por minha causa... Como lhe sou reconhecida pelos cuidados que com tão grande desprendimento me prodigalizou... O coração ditava-lhe o que me era necessário. Na verdade, o coração de mãe é muito mais sagaz do que o de um médico. Sabe adivinhar o que convém na doença da filha...

A coitada da Maria teve de acomodar-se em casa do meu Tio, por não haver então possibilidade de me transportarem aos Buissonnets. Aproximava-se, entretanto, a tomada de hábito de Paulina. Diante de mim, evitavam de falar a respeito, sabendo do desgosto que teria em não poder assistir, mas era eu quem muitas vezes tocava no assunto, quando dizia que estaria bastante melhor para visitar minha querida Paulina. Realmente, o Bom Deus não quis privar-me dessa consolação. Quis antes consolar sua querida Desposada, que tanto sofrera com a doença de sua filhinha... Notei que, no dia do noivado, Jesus não quer submeter suas filhas a provações. Deve a festa correr sem contratempos, como ante-gozo das alegrias do Paraíso. Disso, não deu Ele prova já cinco vezes? Pude, por conseguinte, abraçar minha Mãe querida, sentar-me em seus joelhos, e cobri-la de afagos... Pude contemplá-la, tão encantadora, em seu branco ornato de noiva... Oh! foi um dia radiante, de permeio em minha sombria provação, mas o dia passou com presteza... Tive logo de tomar a carruagem que dali me levou, bem longe de Paulina... bem longe do meu amado Carmelo. Depois de chegarmos aos Buissonnets, fizeram-me deitar, a contragosto meu, pois afiançava estar perfeitamente curada e já não precisar de tratamento. Ainda mal, não me encontrava senão no começo de minha provação!. .. No dia seguinte, tive uma recaída, e a doença agravou-se de tal maneira, que, por cálculos humanos, eu já não podia sarar... Não sei como descrever doença tão estranha. Persuadi-me agora de ser obra do demónio. Mas, bastante tempo depois da cura, acreditava ter ficado doente por acinte, o que constituía verdadeiro martírio para minha alma...
Falei disso com Maria que me tranquilizou o mais que podia, com sua bondade de sempre. Falei disso também em confissão, e meu confessor tentou acalmar-me, alegando que não era possível fingir estado de doença ao ponto em que ficara. O Bom Deus que indubitavelmente queria purificar-me, e antes de tudo humilhar-me, deixou comigo tal martírio íntimo até minha entrada para o Carmelo, onde o Pai de nossas almas me tirou, como que com a mão, todas as minhas dúvidas, e desde então ando perfeitamente tranquila.

Não é de surpreender que receasse ter-me fingido de doente, sem o ser na realidade? Pois, dizia e fazia cousas em que nem pensava, quase sempre parecia estar em delírio, a proferir palavras incoerentes. Apesar disso, tenho a certeza de não ter ficado, um instante sequer, privada do uso da razão... Muitas vezes parecia estar desfalecida, e não fazia o mínimo movimento. Então, deixaria praticar comigo o que quisessem, até que me matassem. Não obstante, escutava tudo o que se dizia em redor de mim, e ainda estou lembrada de tudo... Certa vez, aconteceu-me ficar sem poder abrir os olhos por mais tempo, nem abri-los por um instante, quando estava sozinha...

Creio que o demónio recebera um poder exterior sobre mim, mas não podia acercar-se de minha alma nem de meu espírito, senão para me inspirar enormes receios de certas cousas, por exemplo, de remédios muito simples, que em vão se esforçavam por me fazer tomar. No entanto, se o Bom Deus permitia ao demónio achegar-se a mim, também me enviava anjos visíveis... Maria ficava sempre junto à minha cama, cuidava de mim e consolava-me com a afeição de mãe. Jamais demonstrou o menor enfado, e eu, todavia, lhe dava muito incómodo, não admitindo que se arredasse de mim. No entanto, ela tinha a justa necessidade de ir tomar refeição com Papai, mas eu não parava de chamar por ela todo o tempo de sua ausência. Vitória que me fazia guarda, era bastantes vezes obrigada a ir chamar minha querida "Mamãe", como eu lhe chamava. Quisesse Maria sair, havia de ser para ir à missa, ou então para visitar Paulina. Então, eu não falava nada...

Meu Tio e minha Tia eram igualmente muito bons para comigo. Minha boa querida Titia vinha visitar-me todos os dias, e trazia-me uma infinidade de agrados. Vinham também visitar-me outras pessoas, amigas da família. Eu, porém, suplicava à Maria lhes dissesse que não queria receber visitas. Não me era agradável "ver, em redor de minha cama, pessoas sentadas, ENFILEIRADAS, a olharem para mim como se fosse um bicho raro". A única visita que me dava prazer era a do Titio e da Titia.

Depois da doença, não poderia precisar quanto minha afeição por eles subiu de ponto. Mais do que nunca, compreendi melhor que, para nós, não se tratava de parentes comuns. Oh! o pobre de nosso Paizinho tinha muita razão em nos repetir, de vez em quando, as palavras que acabo de escrever. Mais tarde, teve prova de que não se enganara, e agora deve por certo proteger e bendizer os que lhe tributaram tão abnegadas atenções... Quanto a mim, como estou ainda no exílio, e não posso demonstrar meu reconhecimento, só disponho de um único meio para aliviar meu coração: rezar pelos parentes que estremeço, e que foram e ainda são tão bondosos para comigo!

Leônia também usava de muita bondade para comigo. Tentava distrair-me do melhor modo ao seu alcance. Eu é que algumas vezes a magoava, pois ela bem se capacitava de que, junto a mim, Maria era insubstituível... E que não fazia minha querida Celina por sua Teresa?... Em dia de domingo, em vez de sair a passeio, vinha fechar-se horas inteiras dentro de casa, ao pé de uma pobre menininha que tinha a aparência de idiota. Realmente, precisava haver amor para que se não esquivassem de mim... Ah! minhas queridas maninhas, quanto não vos fiz padecer! Ninguém, mais do que eu, vos causou tanto sofrimento, e ninguém recebeu tanto amor, quanto vós me prodigalizastes... Por sorte, terei o Céu para me desforrar. Muito rico é meu Esposo, e de seus tesouros de amor tirarei para vos retribuir, ao cêntuplo, tudo quanto sofrestes por minha causa...

Na doença, meu maior consolo, era receber carta de Paulina... Eu a lia, tornava a ler, até sabê-la de cor... Certa vez, minha querida Mãe, enviastes-me uma ampulheta e uma das minhas bonecas vestida de carmelita. Dar uma ideia de minha alegria é algo de impossível... Titio não ficou satisfeito, dizendo que, em vez de me fazerem lembrar do Carmelo, seria preciso mantê-lo longe do meu espírito. Mas, eu sentia pelo contrário, que a esperança de ser um dia carmelita, me alentava viver... Meu gosto era trabalhar para Paulina. Fazia-lhe pequenos artefactos de cartolina, e minha maior ocupação era tecer grinaldas de boninas e miosótis para a Santíssima Virgem. Estávamos no belo mês de maio. Toda a natureza se guarnecia de flores e trescalava de alegria. Só a "florzinha" é que se finava, e parecia murchar para sempre...

Sem embargo, tinha junto a si um Sol. Esse Sol era a Estátua milagrosa da Santíssima Virgem que, por duas vezes, tinha falado à Mamãe. Amiúde, sim, bem amiúde, a florzinha pendia sua corola em direção do Astro bendito... Certo dia, vi quando Papai entrou no quarto de Maria, onde eu estava acamada. Deu-lhe, com expressão de grande tristeza, várias moedas de ouro, dizendo-lhe escrevesse para Paris, mandando celebrar missas em honra de Nossa Senhora das Vitórias, para curar sua pobre filhinha. Oh! 3O como me comoveu ver a fé e o amor do meu querido Rei! Queria poder dizer-lhe que estava curada, mas já eram demais as falsas alegrias que lhe tinha preparado. Não eram, pois, meus desejos que poderiam produzir milagre, e para minha cura se fazia mister um milagre... Havia mister um milagre, e foi Nossa Senhora das Vitórias que o praticou. Num domingo (durante a novena de missas), Maria saiu para o jardim, e deixou-me com Leônia, que lia perto da janela. Ao cabo de alguns minutos, pus-me a chamar quase que à surdina: "Mamã... Mamã". Habituada a ouvir-me sempre chamar assim, Leônia não me deu atenção. Isso durou muito tempo. Então chamei mais forte, e por fim Maria voltou. Vi perfeitamente quando entrou, mas não conseguia dizer que a reconhecia, continuando a chamar cada vez mais forte: "Mamã..." Padecia muito com a luta violenta e inexplicável, e Maria talvez sofresse mais do que eu. Após baldados esforços para me mostrar que estava junto a mim, pôs-se de joelhos perto de minha cama, com Leônia e Celina. Voltando-se depois para a Santíssima Virgem, e rezando-lhe com o fervor de uma mãe que pede pela vida de sua filha, Maria alcançou o que desejava...

Por não encontrar nenhuma ajuda na terra, a coitada da Teresinha também se voltara para sua Mãe do Céu, suplicando-lhe de todo o coração, tivesse enfim piedade dela... De repente, a Santíssima Virgem me pareceu bela, tão bela, como nunca tinha visto nada tão formoso. O rosto irradiava inefável bondade e ternura, mas o que me calou no fundo da alma foi o "empolgante sorriso da Santíssima Virgem". Nesta altura, desvaneceram-se todos os meus sofrimentos. Das pálpebras me saltaram duas grossas lágrimas e deslizaram silenciosas sobre as faces. Eram lágrimas de uma alegria sem inquietação... Oh! pensei comigo, a Santíssima Virgem sorriu para mim, como sou feliz... Mas, nunca jamais o contarei a ninguém, porque então desapareceria minha felicidade. Sem nenhum esforço, baixei os olhos e enxerguei Maria que olhava para mim com amor. Parecia emocionada e dava impressão de suspeitar o valimento que a Santíssima Virgem me concedera... Oh! era exactamente a ela, às suas edificantes orações que devia a graça do sorriso da Rainha dos Céus. Quando viu meu olhar fito na Santíssima Virgem, disse de si para si: "Teresa está curada!" Sim, a florzinha ia renascer para a vida, o Raio luminoso que a reanimara, não pararia suas beneficências. Não actuou de uma só vez, mas de modo manso e agradável foi levantando e revigorando sua flor, de tal sorte que cinco anos depois ela desabrocharia na montanha do Carmelo.

Como o disse, Maria adivinhara que a Santíssima Virgem me tinha outorgado alguma graça oculta. Por isso, logo que fiquei a sós com ela, como perguntasse o que vira, não pude resistir às suas indagações, tão carinhosas e insistentes. Admirada de ver meu segredo descoberto, sem que o tivesse revelado, confiei-o em toda a sua extensão à minha querida Maria... Mas, infelizmente, como o tinha pressentido, minha felicidade ia desaparecer e redundar em amargura. Por quatro anos, a lembrança da inefável graça recebida foi para mim verdadeiro tormento espiritual. Não recuperaria minha felicidade senão aos pés de Nossa Senhora das Vitórias, quando então me foi devolvida em toda a sua plenitude... Mais tarde, tornarei a falar desta segunda graça da Santíssima Virgem.

Tenho agora que vos contar, minha Mãe querida, como minha alegria se converteu em tristeza. Depois de ter ouvido o relato ingénuo e sincero da "minha graça", Maria pediu-me autorização de comunicá-la no Carmelo, e por mim não podia dizer que não... Por ocasião de minha primeira visita ao querido Carmelo, fiquei inundada de alegria, quando vi minha Paulina com o hábito da Santíssima Virgem. Foi para nós duas, um momento muito venturoso... Havia tanta cousa por dizer, que não pude absolutamente falar nada. O coração estava cheio demais... A bondosa Madre Maria de Gonzaga ali estava também, e dava-me mil demonstrações de afecto.

Vi ainda outras freiras, diante das quais me inquiriram a respeito da graça que recebera, e quiseram saber de mim, se a Santíssima Virgem trazia ao colo o Menino Jesus, ou também se havia muita luminosidade etc. Todas essas perguntas me conturbaram e atormentaram. Só podia declarar uma cousa: "A Santíssima Virgem pareceu-me muito linda... e eu a vi sorrir para mim". Foi a sua simples figura que me impressionara, razão por que me parecia ter mentido (meus tormentos espirituais acerca de minha doença já tinham começado), ao verificar que em seu íntimo as carmelitas imaginavam cousa muito diferente...

Não padece dúvida, tivesse guardado meu segredo, teria também guardado minha felicidade, mas a Santíssima Virgem permitiu tal tormento para o bem de minha alma. Sem ele, teria talvez algum pensamento de vaidade. Quando, pelo contrário, a humilhação se tornou minha partilha, não podia considerar a mim mesma senão com sentimento de profunda aversão... Oh! só no Céu poderei revelar o quanto sofri! ...

Por falar em visitas às carmelitas, lembro-me da primeira, pouco após a entrada de Paulina. Esqueceu-me falar disto, mas trata-se de um detalhe que não posso deixar de lado. Na manhã do dia em que devia dirigir-me ao parlatório, estando a refletir sozinha na cama (pois ali fazia minhas orações mais recolhidas, e sempre encontrava meu Bem-Amado, ao contrário do que acontecia à esposa dos Cantares), perguntava-me qual seria meu nome no Carmelo. Sabia que lá existia uma Irmã Teresa de Jesus. Apesar disso, meu belo nome de Teresa não me podia ser tirado. De repente, pensei no Menino Jesus a quem tanto amava e disse para mim mesma: "Oh! Como seria feliz em ser chamada de Teresa do Menino Jesus!" Nada disse no parlatório do sonho que tivera acordada, mas essa boa Madre M. de Gonzaga, perguntando para as irmãs qual o nome que deveria usar, veio-lhe à mente chamar-me pelo nome que eu tinha sonhado... Minha alegria foi grande e esse feliz encontro de pensamento pareceu-me uma delicadeza do meu Bem-Amado Menino Jesus.

(cont.) 





29/10/2014

Terceiro mistério luminoso: o anúncio do Reino de Deus

Textos do fundador do Opus Dei sobre o terceiro mistério da luz do Santo Rosário. 

Quando Cristo inicia a sua pregação na Terra, não oferece um programa político, mas diz: fazei penitência, porque está perto o reino dos Céus. Encarrega os seus discípulos de anunciar esta boa nova e ensina a pedir, na oração, a chegada do reino, isto é o reino dos Céus e a sua justiça, uma vida santa, aquilo que temos de procurar em primeiro lugar, a única coisa verdadeiramente necessária.

A salvação pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo é um convite dirigido a todos: o reino dos céus é semelhante a um rei, que fez as núpcias de seu filho. E mandou os seus servos chamar convidados para as núpcias. Por isso, o Senhor revela que o reino dos Céus está no meio de vós.

Ninguém se encontra excluído da salvação se adere livremente às exigências amorosas de Cristo: nascer de novo fazer-se como menino, na simplicidade de espírito; afastar o coração de tudo aquilo que aparte de Deus. Jesus quer factos; não só palavras; e um esforço, denodado, porque apenas aqueles que lutam serão merecedores da herança eterna.

A perfeição do reino – o juízo definitivo de salvação ou de condenação – não se dará na Terra. Agora o reino é como uma semente, como o crescimento do grão de mostarda. O seu fim será como a rede que apanhava toda a espécie de peixes, donde – depois de trazida para a areia – serão extraídos, para destinos diferentes, os que praticaram a justiça e os que fizeram a iniquidade. Mas, enquanto aqui vivemos, o reino assemelha-se à levedura que uma mulher tomou e misturou com três medidas de farinha, até que toda a massa ficou fermentada.

Quem compreender o reino que Cristo propõe, reconhece que vale a pena jogar tudo para o conseguir: é a pérola que o mercador adquire à custa de vender tudo o que possui, é o tesoiro encontrado no campo. O reino dos céus é uma conquista difícil e ninguém tem a certeza de o alcançar, embora o clamor humilde do homem arrependido consiga que se abram as suas portas de par em par. Um dos ladrões que foram crucificados com Jesus suplica-Lhe: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E Jesus disse-lhe: Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso. (Cristo que passa, 180)

O reino dos céus alcança-se com violência, e os violentos arrebatam-no. Essa força não se manifesta na violência contra os outros; é fortaleza para combater as próprias debilidades e misérias, valentia para não mascarar as nossas infidelidades, audácia para confessar a fé, mesmo quando o ambiente é contrário. (Cristo que passa, 82)

No meio das ocupações de cada jornada, no momento de vencer a tendência para o egoísmo, ao sentir a alegria da amizade com os outros homens, em todos esses instantes o cristão deve reencontrar Deus. Por Cristo e no Espírito Santo, o cristão tem acesso à intimidade de Deus Pai, e percorre o seu caminho buscando esse reino, que não é deste mundo, mas que neste mundo se inicia e prepara. (Cristo que passa, 116)

Enquanto esperamos o regresso do Senhor que voltará a tomar posse plena do seu Reino, não podemos estar de braços cruzados. A extensão do Reino de Deus não é só tarefa oficial dos membros da Igreja que representam Cristo, por d'Ele terem recebido os poderes sagrados. Vos autem estis corpus Christi, vós também sois Corpo de Cristo, ensina-nos o Apóstolo, com o mandato concreto de negociar até ao fim. (Cristo que passa, 121)

Desde a nossa primeira decisão consciente de viver integralmente a doutrina de Cristo, é certo que avançámos muito pelo caminho da fidelidade à sua Palavra. Mas não é verdade que restam ainda tantas coisas por fazer? Não é verdade que resta, sobretudo, tanta soberba? É precisa, sem dúvida, uma outra mudança, uma lealdade maior, uma humildade mais profunda, de modo, que, diminuindo o nosso egoísmo, cresça em nós Cristo, pois illum oportet crescere, me autem minui, é preciso que Ele cresça e que eu diminua.

Não é possível deixar-se ficar imóvel. É necessário avançar para a meta que S. Paulo apontava: não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim. A ambição é alta e nobilíssima: a identificação com Cristo, a santidade. Mas não há outro caminho, se se deseja ser coerente com a vida divina que, pelo Baptismo, Deus fez nascer nas nossas almas. O avanço é o progresso na santidade; o retrocesso é negar-se ao desenvolvimento normal da vida cristã. Porque o fogo do amor de Deus precisa de ser alimentado, de aumentar todos os dias arreigando-se na alma; e o fogo mantém-se vivo queimando novas coisas. Por isso, se não aumenta, está a caminho de se extinguir.

Recordai as palavras de Santo Agostinho: Se disseres basta, estás perdido. Procura sempre mais, caminha sempre, progride sempre. Não permaneças no mesmo sítio, não retrocedas, não te desvies.


A Quaresma coloca-nos agora perante estas perguntas fundamentais: Avanço na minha fidelidade a Cristo? Em desejos de santidade? Em generosidade apostólica na minha vida diária, no meu trabalho quotidiano entre os meus companheiros de profissão? (Cristo que passa, 58)