04/03/2014

Publicações de hoje

Evangelho do dia e comentário

Tempo Comum Semana VIII
Evangelho: Mc 10, 28-31

28 Pedro começou a dizer-lhe: «Eis que deixámos tudo e Te seguimos». 29 Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: Ninguém há que tenha deixado a casa, os irmãos, as irmãs, o pai, a mãe, os filhos, ou as terras, por causa de Mim e do Evangelho, 30 que não receba o cêntuplo, mesmo nesta vida, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos, e terras, juntamente com as perseguições, e no tempo futuro a vida eterna. 31 Porém, muitos dos primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros».

Comentário:

Eis um dos temas mais difíceis da vida cristã: o desprendimento.

A atenção de uma grande maioria de pessoas pode focar-se numa realidade comum: não se aplica a nós que temos pouco e, nalguns casos, até o essencial nos falta.

É uma visão errada porque desprendimento é uma atitude do  espírito que conduz a um comportamento.

Não é nem miserabilismo nem filantropia, mas é equilíbrio, critério, justiça, parcimónia, temperança.
Por isso mesmo, o ter pouco ou muito não tem que ver com desprendimento.

(ama, comentário sobre Mc 10, 28—31. 2013.05.28)


Leitura espiritual para Mar 04

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)

Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.

Evangelho: Lc 3, 21-38; 4, 1-13

21 Ora aconteceu que, recebendo o baptismo todo o povo, foi baptizado também Jesus, e estando em oração, abriu-se o céu 22 e desceu sobre Ele o Espírito Santo em forma corpórea como uma pomba. E ouviu-se do céu esta voz: «Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti pus as Minhas complacências». 23 Jesus, quando começou o Seu ministério, tinha cerca de trinta anos, sendo filho, como se julgava, de José, filho de Heli, filho de Matã, 24 filho de Levi, filho de Melqui, filho de Jane, filho de José, 25 filho de Matatias, filho de Amós, filho de Naum, filho de Hesli, filho de Nagé, 26 filho de Maat, filho de Matatias, filho de Semei, filho de Josech, filho de Jodá, 27 filho de Joanão, filho de Resa, filho de Zorobabel, filho de Salatiel, filho de Neri, 28 filho de Melqui, filho de Adi, filho de Cosão, filho de Elmadão, filho de Er, 29 filho de Jesus, filho de Eliezer, filho de Jorim, filho de Matã, filho de Levi, 30 filho de Simeão, filho de Judá, filho de José, filho de Jonão, filho de Eliacim, 31 filho de Meleá, filho de Mená, filho de Matatão, filho de Natão, filho de David, 32 filho de Jessé, filho de Obed, filho de Booz, filho de Salá, filho de Naasson, 33 filho de Aminadab, filho de Admin, filho de Arni, filho de Esron, filho de Farés, filho de Judá, 34 filho de Jacob, filho de Isaac, filho de Abraão, filho de Taré, filho de Nacor, 35 filho de Seruch, filho de Ragau, filho de Falec, filho de Eber, filho de Salá, 36 filho de Cainão, filho de Arfaxad, filho de Sem, filho de Noé, filho de Lamech, 37 filho de Matusalém, filho de Henoch, filho de Jared, filho de Maleleel, filho de Cainão, 38 filho de Enós, filho de Set, filho de Adão, filho de Deus.
4 1 Jesus, cheio do Espírito Santo, partiu do Jordão e foi conduzido pelo Espírito ao deserto, 2 onde esteve quarenta dias, e foi tentado pelo demónio. Não comeu nada nestes dias; passados eles, teve fome. 3 Então o demónio disse-Lhe: «Se és filho de Deus, diz a esta pedra que se converta em pão». 4 Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: “Nem só de pão vive o homem”». 5 O demónio conduziu-O então a um alto monte, mostrou-Lhe, num momento, todos os reinos da terra, 6 e disse-Lhe: «Dar-Te-ei o poder de tudo isto, e a glória destes reinos, porque eles foram-me dados, e eu dou-os a quem quiser. 7 Portanto, se Tu me adorares, todos eles serão Teus». 8 Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás”». 9 Levou-O também a Jerusalém, pô-l'O sobre o pináculo do templo, e disse-Lhe: «Se és filho de Deus, lança-Te daqui abaixo; 10 porque está escrito que “Deus mandou aos Seus anjos que Te guardem, 11 e que Te sustenham em suas mãos, para não magoares o Teu pé em nenhuma pedra”». 12 Jesus respondeu-lhe: «Também foi dito: “Não tentarás o Senhor teu Deus”». 13 Terminada toda esta espécie de tentação, o demónio retirou-se d'Ele até outra ocasião.



EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL


Capítulo I

A TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA

IV. A missão que se encarna nas limitações humanas

40. A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a «amadurecer o juízo da Igreja». 42 Embora de modo diferente, fazem-no também as outras ciências. Referindo-se às ciências sociais, por exemplo, João Paulo II disse que a Igreja presta atenção às suas contribuições «para obter indicações concretas que a ajudem no cumprimento da sua missão de Magistério». 43 Além disso, dentro da Igreja, há inúmeras questões à volta das quais se indaga e reflecte com grande liberdade. As diversas linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, se se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem fazer crescer a Igreja, enquanto ajudam a explicitar melhor o tesouro riquíssimo da Palavra. A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho. 44

41. Ao mesmo tempo, as enormes e rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante atenção ao tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua permanente novidade; é que, no depósito da doutrina cristã, «uma coisa é a substância (...) e outra é a formulação que a reveste». 45 Por vezes, mesmo ouvindo uma linguagem totalmente ortodoxa, aquilo que os fiéis recebem, devido à linguagem que eles mesmos utilizam e compreendem, é algo que não corresponde ao verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Com a santa intenção de lhes comunicar a verdade sobre Deus e o ser humano, nalgumas ocasiões, damos-lhes um falso deus ou um ideal humano que não é verdadeiramente cristão. Deste modo, somos fiéis a uma formulação, mas não transmitimos a substância. Este é o risco mais grave. Lembremo-nos de que «a expressão da verdade pode ser multiforme. E a renovação das formas de expressão torna-se necessária para transmitir ao homem de hoje a mensagem evangélica no seu significado imutável». 46

42. Isto possui uma grande relevância no anúncio do Evangelho, se temos verdadeiramente a peito fazer perceber melhor a sua beleza e fazê-la acolher por todos. Em todo o caso, não poderemos jamais tornar os ensinamentos da Igreja uma realidade facilmente compreensível e felizmente apreciada por todos; a fé conserva sempre um aspecto de cruz, certa obscuridade que não tira firmeza à sua adesão. Há coisas que se compreendem e apreciam só a partir desta adesão que é irmã do amor, para além da clareza com que se possam compreender as razões e os argumentos. Por isso, é preciso recordar-se de que cada ensinamento da doutrina deve situar-se na atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o testemunho.

43. No seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente não é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida. São Tomás de Aquino sublinhava que os preceitos dados por Cristo e pelos Apóstolos ao povo de Deus «são pouquíssimos». 47 E, citando Santo Agostinho, observava que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja se devem exigir com moderação, «para não tornar pesada a vida aos fiéis» nem transformar a nossa religião numa escravidão, quando «a misericórdia de Deus quis que fosse livre». 48 Esta advertência, feita há vários séculos, tem uma actualidade tremenda. Deveria ser um dos critérios a considerar, quando se pensa numa reforma da Igreja e da sua pregação que permita realmente chegar a todos.

44. Aliás, tanto os Pastores como todos os fiéis que acompanham os seus irmãos na fé ou num caminho de abertura a Deus não podem esquecer aquilo que ensina, com muita clareza, o Catecismo da Igreja Católica: «A imputabilidade e responsabilidade dum acto podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros factores psíquicos ou sociais». 49

Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. 5 Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas.

45. Vemos assim que o compromisso evangelizador se move por entre as limitações da linguagem e das circunstâncias. Procura comunicar cada vez melhor a verdade do Evangelho num contexto determinado, sem renunciar à verdade, ao bem e à luz que pode dar quando a perfeição não é possível. Um coração missionário está consciente destas limitações, fazendo-se «fraco com os fracos (...) e tudo para todos» (1 Cor 9, 22). Nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto-defensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada.

V. Uma mãe de coração aberto

46. A Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direcção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direcção nem sentido. Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho. Às vezes, é como o pai do filho pródigo, que continua com as portas abertas para, quando este voltar, poder entrar sem dificuldade.

47. A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas. Assim, se alguém quiser seguir uma moção do Espírito e se aproximar à procura de Deus, não esbarrará com a frieza duma porta fechada. Mas há outras portas que também não se devem fechar: todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a «porta»: o Baptismo. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos. 51 Estas convicções têm também consequências pastorais, que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa.

48. Se a Igreja inteira assume este dinamismo missionário, há-de chegar a todos, sem excepção. Mas, a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, «àqueles que não têm com que te retribuir» (Lc 14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho», 52 e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!

49. Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa protecção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37).

Capítulo II

NA CRISE DO COMPROMISSO COMUNITÁRIO

50. Antes de falar de algumas questões fundamentais relativas à acção evangelizadora, convém recordar brevemente o contexto em que temos de viver e agir. É habitual hoje falar-se dum «excesso de diagnóstico», que nem sempre é acompanhado por propostas resolutivas e realmente aplicáveis. Por outro lado, também não nos seria de grande proveito um olhar puramente sociológico, que tivesse a pretensão, com a sua metodologia, de abraçar toda a realidade de maneira supostamente neutra e asséptica. O que quero oferecer situa-se mais na linha dum discernimento evangélico. É o olhar do discípulo missionário que «se nutre da luz e da força do Espírito Santo». 53

51. Não é função do Papa oferecer uma análise detalhada e completa da realidade contemporânea, mas animo todas as comunidades a «uma capacidade sempre vigilante de estudar os sinais dos tempos». 54 Trata-se duma responsabilidade grave, pois algumas realidades hodiernas, se não encontrarem boas soluções, podem desencadear processos de desumanização tais que será difícil depois retroceder. É preciso esclarecer o que pode ser um fruto do Reino e também o que atenta contra o projecto de Deus. Isto implica não só reconhecer e interpretar as moções do espírito bom e do espírito mau, mas também – e aqui está o ponto decisivo – escolher as do espírito bom e rejeitar as do espírito mau. Pressuponho as várias análises que ofereceram os outros documentos do Magistério universal, bem como as propostas pelos episcopados regionais e nacionais. Nesta Exortação, pretendo debruçar-me, brevemente e numa perspectiva pastoral, apenas sobre alguns aspectos da realidade que podem deter ou enfraquecer os dinamismos de renovação missionária da Igreja, seja porque afectam a vida e a dignidade do povo de Deus, seja porque incidem sobre os sujeitos que mais directamente participam nas instituições eclesiais e nas tarefas de evangelização.

I. Alguns desafios do mundo actual

52. A humanidade vive, neste momento, uma viragem histórica, que podemos constatar nos progressos que se verificam em vários campos. São louváveis os sucessos que contribuem para o bem-estar das pessoas, por exemplo, no âmbito da saúde, da educação e da comunicação. Todavia não podemos esquecer que a maior parte dos homens e mulheres do nosso tempo vive o seu dia a dia precariamente, com funestas consequências. Aumentam algumas doenças. O medo e o desespero apoderam-se do coração de inúmeras pessoas, mesmo nos chamados países ricos. A alegria de viver frequentemente se desvanece; crescem a falta de respeito e a violência, a desigualdade social torna-se cada vez mais patente. É preciso lutar para viver, e muitas vezes viver com pouca dignidade. Esta mudança de época foi causada pelos enormes saltos qualitativos, quantitativos, velozes e acumulados que se verificam no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da vida. Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas dum poder muitas vezes anónimo.

Não a uma economia da exclusão

53. Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», mas resíduos, «sobras».

54. Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante. Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma.

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Notas:
42 Conc. Ecum. Vat.II,Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 12.
43 Motu proprio Socialium Scientiarum (1 de Janeiro de 1994): AAS 86 (1994), 209.
44 São Tomás de Aquino sublinhava que a multiplicidade e a distinção «provêm da intenção do primeiro agente», d’Aquele que quis que, «aquilo que faltasse a cada coisa para representar a bondade divina, fosse compensado pelas outras», porque a sua bondade «não poderia ser representada convenientemente por uma só criatura» (Summa theologiae I, q. 47, a. 1). Por isso, precisamos de captar a variedade das coisas nas suas múltiplas relações (cf. ibid. I, q. 47, a. 2, ad 1; q. 47, a. 3). Por análogas razões, temos necessidade de ouvir-nos uns aos outros e completar-nos na nossa recepção parcial da realidade e do Evangelho.
45 João XXIII, Discurso na inauguração do Concílio Vaticano II (11 de Outubro de 1962), VI, 5: AAS 54 (1962), 792: «Est enim aliud ipsum depositum Fidei, seu veritates, quae veneranda doctrina nostra continentur, aliud modus, quo eaedem enuntiantur».
46 João Paulo II, Carta enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), 19: AAS 87 (1995), 933.
47 Summa theologiae I-II, q. 107, a. 4.
48 Ibidem.
49 N.º 1735.
50 Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 34: AAS 74 (1982), 123-125.
51 «Devo recebê-lo sempre, para que sempre perdoe os meus pecados. Se peco continuamente, devo ter sempre um remédio» (Santo Ambrósio, De Sacramentis, IV, 6, 28: PL 16, 464). «Aquele que comeu o maná, morreu; aquele que come deste corpo, obterá o perdão dos seus pecados» (Ibid., IV, 5, 24: o. c., 463). «Examinei a mim mesmo e reconheci-me indigno. Àqueles que assim falam, eu digo: E quando sereis dignos? Então quando vos apresentareis diante de Cristo? E, se os vossos pecados impedem de vos aproximar e se nunca parais de cair – quem conhece os seus delitos?: diz o salmo – ficareis sem tomar parte na santificação que vivifica para a eternidade?» (São Cirilo de Alexandria, In Johannis evangelium, IV, 2: PG 73, 584-585).
52 Bento XVI, Discurso durante o encontro com o Episcopado Brasileiro (Catedral de São Paulo – Brasil, 11 de Maio de 2007), 3: AAS 99 (2007), 428.
53 João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 10: AAS 84 (1992), 673.


Tratado dos vícios e pecados 26

Questão 74: Do sujeito dos pecados.

Art. 4 ― Se na sensualidade pode haver pecado mortal.

(II Sent., dist. XXIV; q. 3, a. 2, ad 3; De Verit., q. 25, a. 5; De Malo, q. 7, a. 6; Quodl. IV, q. 11, a. 1)

O quarto discute-se assim. ― Parece que na sensualidade pode haver pecado mortal.

1. ― Pois, o acto é conhecido pelo seu objecto. Ora, podemos pecar mortalmente em relação aos objectos da sensualidade, assim, relativamente aos prazeres da carne. Logo, um acto da sensualidade pode ser pecado mortal, que portanto, pode existir na sensualidade.

2. Demais. ― O pecado mortal é contrário à virtude. Ora, esta pode existir na sensualidade, pois, a temperança e a fortaleza são virtudes das partes irracionais, como diz o Filósofo 1. Logo, na sensualidade pode haver pecado mortal, pois é natural dos contrários coexistirem no mesmo sujeito.

3. Demais. ― O pecado venial é uma disposição para o mortal. Ora, a disposição e o hábito coexistem no mesmo sujeito. Mas, existindo o pecado venial na sensualidade, como já se disse, nela também pode existir o mortal.

Mas, em contrário, diz Agostinho 2, e está na Glosa da Escritura, o movimento desordenado da concupiscência, i. é, o pecado da sensualidade, pode existir também nos que estão em graça 3, nos quais, entretanto, não existe pecado mortal. Logo, o movimento desordenado da sensualidade não é pecado mortal.

Assim como a desordem corruptora do princípio da vida corpórea causa a morte do corpo, assim a que corrompe o princípio da vida espiritual, que é o fim último, causa a morte espiritual do pecado mortal, como já dissemos (q. 72, a. 5). Ora, ordenar alguma coisa para o fim não pertence à sensualidade, mas só à razão. Por outro lado, o afastar-se do fim também só pertence a quem pode ordenar para ele. Logo, o pecado mortal não pode existir na sensualidade, mas, só na razão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O acto da sensualidade pode concorrer para o pecado mortal, mas o acto deste não é mortal pelo que há nele de sensualidade, senão pelo que tem de racional, pois, à razão compete ordenar para o fim. Donde, o pecado mortal não se atribui à sensualidade mas à razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O acto virtuoso não o é completamente só pelo que há nele de sensualidade, mas antes, pelo que contém de razão e de virtude, à qual é próprio o escolher, pois, o acto da virtude moral não existe sem a eleição. Donde e sempre, esse acto, moralmente virtuoso, que aperfeiçoa a potência apetitiva, é acompanhado do acto da prudência, que aperfeiçoa a potência racional. E o mesmo se dá também com o pecado mortal, como já dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A disposição mantém tríplice relação com o sujeito disposto. Às vezes, ambos se identificam e coexistem no mesmo sujeito, assim, dizemos que a ciência incoada é a disposição para a ciência perfeita. Outras vezes, coexistem no mesmo sujeito, mas não se identificam, assim, o calor é a disposição para a forma ígnea. Outras vezes enfim nem se identificam, nem coexistem no mesmo sujeito, como se dá com coisas que se ordenam umas para as outras, de modo a ser um meio para se chegar à outra, assim, a bondade da imaginação é uma disposição para a ciência, existente no intelecto. Ora, deste modo, o pecado venial, existente na sensualidade, pode ser uma disposição para o pecado mortal, residente na razão.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. III Ethic. (lect. XIX).
2. I Retract. (cap. XXIII).
3. Rm 7, 14.






Servir Nosso Senhor e os homens

Qualquer actividade – quer seja ou não humanamente muito importante – tem de converter-se para ti num meio de servir Nosso Senhor e os homens: aí está a verdadeira dimensão da sua importância. (Forja, 684)

Não me afasto da mais rigorosa verdade se vos digo que Jesus continua agora a buscar pousada no nosso coração. Temos de Lhe pedir perdão pela nossa cegueira pessoal, pela nossa ingratidão. Temos de Lhe pedir a graça de nunca mais Lhe fechar a porta das nossas almas.

O Senhor não nos oculta que a obediência rendida à vontade de Deus exige renúncia e entrega porque o amor não pede direitos: quer servir. Ele percorreu primeiro o caminho. Jesus, como obedecestes Tu? Usque ad mortem, mortem autem crucis, até à morte e morte de Cruz. É preciso sair de nós mesmos, complicar a vida, perdê-la por amor de Deus e das almas... Tu querias viver e que nada te acontecesse; mas Deus quis outra coisa... Existem duas vontades: a tua vontade deve ser corrigida para se identificar com a vontade de Deus, e não torcida a de Deus para se acomodar à tua.

Com alegria, tenho visto muitas almas que jogaram a vida – como Tu, Senhor, "usque ad mortem"! – para cumprir o que a vontade de Deus lhes pedia, dedicando os seus esforços e o seu trabalho profissional ao serviço da Igreja, pelo bem de todos os homens.


Aprendamos a obedecer, aprendamos a servir. Não há maior fidalguia do que entregar-se voluntariamente ao serviço dos outros. Quando sentimos o orgulho que referve dentro de nós, a soberba que nos leva a pensar que somos super-homens, é o momento de dizer que não, de dizer que o nosso único triunfo há-de ser o da humildade. Assim nos identificaremos com Cristo na Cruz, não aborrecidos ou inquietos, nem com mau humor, mas alegres, porque essa alegria, o esquecimento de nós mesmos, é a melhor prova de amor. (Cristo que passa, 19)

Pequena agenda do cristão

Temas para meditar 32

Amor de Deus

Não nos amou só até aqui, Quem nos ama 

sempre e sem fim. Não se pode pensar que a

 morte tenha posto fim ao amor daquele que

 não Se extinguiu com a morte.



(santo agostinhoTratado sobre o Evangelho de S. João, 55, 2)

Vidas de Santos

S. CASIMIRO 

Nota Histórica 
   
Filho do rei da Polónia, nasceu no ano 1458. Praticou de modo excelente as virtudes cristãs, especialmente a castidade e a bondade para com os pobres. Teve um grande zelo pela promoção da fé e uma singular devoção à Sagrada Eucaristia e a Nossa Senhora. Morreu vítima de tuberculose em 1484.


Dispõe dos seus tesouros segundo os preceitos do Altíssimo

Uma caridade quase inacreditável, não fingida mas sincera, inflamava o coração de Casimiro no amor de Deus pela acção do Espírito divino; e de tal modo transbordava espontaneamente no amor do próximo, que nada era para ele alegria maior, nada lhe era mais agradável, do que dar o que lhe pertencia e dar-se a si próprio aos pobres de Cristo, aos peregrinos, aos doentes, aos prisioneiros e aos atribulados.
Para as viúvas, os órfãos e os oprimidos, não era apenas tutor e defensor: era pai, filho e irmão.
E seria necessário escrever uma longa história, se quiséssemos referir cada uma das grandes obras com que demonstrou o seu amor para com Deus e para com os homens.
Dificilmente se pode descrever ou imaginar o seu amor pela justiça, a sua temperança, a sua prudência, a sua constância e fortaleza de ânimo, precisamente naquela idade mais inconsiderada em que os homens costumam ser mais impetuosos e inclinados para o mal.
Todos os dias persuadia o pai a governar com justiça o reino e os povos que lhe estavam submetidos. E se às vezes acontecia, ou por inércia ou pela fraqueza humana, que alguma coisa vinha negligenciada no governo, nunca deixava de repreender o rei com delicadeza.
Abraçava e defendia como suas as causas dos pobres e dos infelizes, e por isso o povo lhe chamava defensor dos pobres. E, apesar de ser filho do rei e de nobre ascendência, nunca se mostrava orgulhoso a tratar ou conversar com qualquer pessoa, por mais humilde que fosse de condição.
Preferiu sempre ser contado entre os humildes e pobres de espírito, dos quais é o reino dos Céus, a ser considerado entre os ilustres e poderosos deste século. Nunca ambicionou o poder; e quando o pai lho ofereceu não o quis aceitar, temendo que o seu ânimo fosse ferido pelo aguilhão das riquezas, a que Nosso Senhor Jesus Cristo chamou espinhos, ou pudesse ser manchado pelo contágio das coisas terrenas.
Todos os da sua casa, os seus camareiros e secretários, dos quais alguns ainda vivem, homens insignes e bons que o conheciam profundamente, asseguram e testemunham que ele viveu em virgindade até ao fim dos seus dias.

(Da Vida de São Casimiro, escrita por um autor quase contemporâneo, Cap. 2-3. Acta Sanctorum Martii, 1, 347-348)


(SNL)