20/05/2014

O perigo é a rotina

"Nonne cor nostrum ardens erat in nobis, dum loqueretur in via?". – Não é verdade que sentíamos abrasar-se-nos o coração, quando nos falava caminho? Se és apóstolo, estas palavras dos discípulos de Emaús deviam sair espontaneamente dos lábios dos teus companheiros de profissão, depois de te encontrarem a ti no caminho da vida. (Caminho, 917)

Agrada-me falar de caminho, porque somos caminhantes, dirigimo-nos para a casa do Céu, para a nossa Pátria. Mas reparemos que um caminho, mesmo que um ou outro trecho apresente dificuldades especiais, mesmo que alguma vez nos obrigue a passar a vau um rio ou a atravessar um pequeno bosque quase impenetrável, habitualmente é simples, sem surpresas. O perigo é a rotina: supor que nisto, no que temos de fazer em cada instante, não está Deus, porque é tão simples, tão vulgar!

Iam os dois discípulos para Emaús. O seu caminhar era normal, como o de tantas outras pessoas que transitavam por aquelas paragens. E aí, com naturalidade, aparece-lhes Jesus e vai com eles, com uma conversa que diminui a fadiga. Imagi-no a cena: já bem adiantada a tarde. Sopra uma brisa suave. De um lado e de outro, campos semeados de trigo já crescido e as velhas oliveiras com os ramos prateados pela luz indecisa...

Jesus, no caminho! Senhor, que grande és Tu sempre! Mas comoves-me quando te rebaixas para nos acompanhares, para nos procurares na nossa lida diária. Senhor, concede-nos a ingenuidade de espírito, o olhar limpo, a mente clara, que permitem entender-Te, quando vens sem nenhum sinal externo da Tua glória.


Termina o trajecto ao chegar à aldeia e aqueles dois que – sem o saberem – tinham sido feridos no fundo do coração pela palavra e pelo amor do Deus feito homem, têm pena de que Ele se vá embora. Porque Jesus despede-se como quem vai para mais longe. Nosso Senhor nunca se impõe. Quer que O chamemos livremente, desde que entrevimos a pureza do Amor que nos meteu na alma. (Amigos de Deus, nn. 313–314)

As sete palavras de Cristo na Cruz 20

Capítulo 4: Explicação textual da segunda palavra: “Amém, Eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso. 2

Não obstante, a opinião dos que sustentam que um dos ladrões blasfemadores se converteu pela oração do Senhor — “Pai, Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” — contradiz manifestamente a narração evangélica, uma vez que São Lucas diz que o ladrão começou a blasfemar contra o Cristo tão logo Ele fizesse essa oração; daí estarmos inclinados a adotar a opinião de Santo Agostinho e de Santo Ambrósio, que dizem que um só dos ladrões o vituperou, enquanto o outro o glorificou e defendeu. Conforme essa narração, o bom ladrão exprobrou o blasfemador: “nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício?” 4. O ladrão fora feliz por sua solidariedade ao Cristo na Cruz. Os raios da Luz Divina que logravam penetrar na obscuridade da alma o levaram a exprobrar no companheiro a maldade e a convertê-lo a uma vida melhor; este é o sentido pleno de sua exprobação: “tu, pois, queres imitar a blasfémia dos judeus, que ainda não aprenderam a temer os juízos de Deus, porquanto se ufanam da vitória que creem ter alcançado ao pregar o Cristo numa cruz. Reputam-se por livres e seguros, e não receiam castigo. Mas acaso tu, que fostes crucificado por tuas enormidades, não temes a justiça vingadora de Deus? Por que cumulas pecado sobre pecado?”. Logo, galgando de virtude em virtude, auxiliado pela crescente graça de Deus, confessa seus pecados e proclama que Cristo é inocente. “Nós”, diz, fomos condenados “com razão” à morte de cruz, “porque a merecemos por nossos feitos; mas este não fez mal nenhum” 5. Finalmente, à luz crescente da graça em sua alma, acrescenta: “Jesus, lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino” 6. Admirável a graça do Espírito Santo que se derramou no coração do bom ladrão! O apóstolo Pedro negou seu Mestre, o ladrão o confessou quando Ele estava pendurado na Cruz. Os discípulos que iam a Emaús disseram: “esperávamos que seria Ele a libertar Israel” 7. O ladrão pede com confiança: “lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino”. O apóstolo São Tomé declara que não creria na Ressurreição até que visse ao Cristo; o ladrão, contemplando o Cristo — Que vira subjugado no patíbulo — não duvida de que Ele será Rei após sua morte.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).

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Notas:
4. Lc 23,40.
5. Lc 23,41.
6. Lc 23,42.
7. Lc 24,21.


Pequena agenda do cristão



Terça-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me: Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?


Temas para meditar 120

Santíssima Virgem


Que terão a voz e as palavras de Maria que geram uma felicidade sempre nova? São como uma música divina que penetra até ao mais fundo da alma enchendo-a de paz e de amor. Quantas vezes rezamos o Santo Rosário a chamamos Causa da Nossa Alegria. E é-o porque é portadora de Deus. Filha de Deus Pai, é portadora da ternura infinita de Deus Pai. Mãe de Deus Filho, é portadora do Amor até à morte de Deus Filho. Esposa de Deus Espírito Santo, é portadora do fogo e do gozo do Espírito Santo. À sua passagem o ambiente transforma-se: a tristeza dissipa-se; as trevas cedem lugar à luz; a esperança e o amor acendem-se... Não é o mesmo estar com a Virgem que sem Ela! Não é o mesmo, não, rezar o Rosário que não o rezar...

(a. orozcoMirar a Maria, nr. 239-240, trad. ama

Evangelho diário, comentário e Leitura espiritual (Meditações sobre a Ressurreição 2)

Tempo de Páscoa

V Semana 

Evangelho: Jo 14, 27-31

27 «Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis. 30 Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo. Ele não pode nada contra Mim, 31 mas é preciso que o mundo conheça que amo o Pai e que faço como Ele Me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

Comentário:

«O Pai é maior que Eu». Esta expressão de Jesus pode levantar uma questão: Deus não é um só?

Então como explicar?

Penso que a Pessoa do Pai reúne em Si toda a Santíssima Trindade e, por isso mesmo - e falando em termos exclusivamente humanos - o todo é maior que a unidade.

Sendo Deus um só embora constituído por três pessoas distintas na verdade não existe uma gradação de importâncias ou uma “escala de poderes”. Resulta difícil para nós compreender tal coisa por isso mesmo é um mistério.
Para melhor compreendermos talvez pudéssemos dizer: Quem nos criou foi Deus na Pessoa do Pai;

Quem nos salvou foi Deus na Pessoa do Filho; Quem nos mantém é Deus na Pessoa do Espírito Santo.

Adoramos o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Temos a contemplação da face do Pai - a Santíssima Trindade -, como objectivo último, mas o caminho para lá chegar é seguir Cristo guiados pelo Espírito Santo.

(ama, comentário sobre Jo 14, 27-31, 2013.04.30)


Leitura espiritual
Temas


Meditações sobre a Ressurreição


2. EMAÚS: A DECEPÇÃO E A ESPERANÇA

Dois homens tristes no entardecer

O Evangelho de São Lucas, no seu capítulo 24 (13-35), faz-nos contemplar de perto, de uma maneira muito viva, dois homens que – na tarde do próprio dia da Ressurreição de Jesus – estão voltando para casa, cabisbaixos e decepcionados: os discípulos de Emaús.

Nesse mesmo dia – diz São Lucas -, dois discípulos caminhavam para uma aldeia, chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios – cerca de doze quilómetros. Iam falando um com o outro sobre tudo o que se tinha passado. Aquilo que se tinha passado era, nada mais, nada menos, a paixão e a morte de Jesus, a “derrota” estrondosa de Cristo às mãos dos seus inimigos, enquanto as multidões, que cinco dias antes, no Domingo de Ramos, O haviam aclamado entusiasmadas, vociferavam com ódio: Crucifica-o! Crucifica-o!

Podemos imaginar, por isso, qual era o seu estado de ânimo. Perdidos, deprimidos, desnorteados, conversavam como quem não acaba de acreditar que tivesse sido possível aquele afundamento dos seus sonhos. Assim andavam quando Jesus se aproximou e caminhava com eles; mas os olhos estavam-lhes como que vendados e não o reconheceram.

São Josemaria Escrivá oferece-nos uma descrição cálida da aparição de Jesus ressuscitado a esses discípulos: “Caminhavam aqueles dois discípulos – escreve – em direcção a Emaús. Andavam a passo normal, como tantos outros que transitavam por aquelas paragens. E ali, com naturalidade, aparece-lhes Jesus e caminha com eles, numa conversa que diminui a fadiga. Imagino a cena, bem ao cair da tarde. Sopra uma brisa suave. Em redor, campos semeados de trigo já crescido, e as oliveiras velhas, com os ramos prateados à luz tíbia”. São palavras poéticas que nos ajudam a fazer meditação, sentindo-nos dentro da cena, participando dela “como mais um personagem”. i

Ouçamos, pois – enquanto os acompanhamos –, as primeiras palavras que o Senhor lhes dirige: De que vínheis falando pelo caminho, e por que estais tristes? O diálogo que se travou é digno de ser meditado. Primeiro, como pessoas frustradas, os discípulos respondem de mau humor, num tom ríspido: Um deles, chamado Cléofas, respondeu-lhe: “És tu acaso o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que nela aconteceu nestes dias?”… É como se dissesse, meio admirado e meio irritado: “Todo a gente sabe. Onde é que você vive? Só você está o ignora?”

Que ironia! Dirigem-se rudemente a Jesus, lançando-lhe em rosto a sua ignorância a respeito da tragédia… do próprio Jesus! Tudo isto chegaria a ser cómico, se não fosse dramático. Mas Nosso Senhor, como em todas as cenas da Ressurreição, mostra-se especialmente afável e bem-humorado para com eles. Ousaria dizer que é até propositadamente divertido. Fazendo-se de ingénuo, pergunta-lhes “Que foi? Que houve?…“ Assim quer ajudá-los a abrir o coração, como, aliás, Ele deseja fazer connosco sempre que nos vê desanimados ou tristes: “Eu estou aqui – diz-nos -. Fala comigo”.

E eles abriram-se mesmo. Despejaram o vinagre da sua decepção. Falaram ao caminhante desconhecido sobre um tal Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo, comentando os acontecimentos trágicos da quinta e da sexta-feira santas, e contaram-lhe como tinha acabado pregado na Cruz. Depois, confessaram a sua tremenda frustração: Nós esperávamos que fosse ele quem havia de restaurar Israel, e agora, além de tudo isso, já é o terceiro dia que estas coisas aconteceram.

Um erro de esperança

Esse era o mal que lhes corroía a alma: Nós esperávamos. Tinham colocado toda a sua esperança no Senhor. Tinham apostado nele. Por isso o haviam seguido, por isso tinham abandonado os seus planos pessoais, o aconchego do lar, tudo, jogando a vida numa só carta: a esperança de que Jesus fosse o poderoso Rei-Messias anunciado pelos Profetas, que triunfaria sobre todos os inimigos e se assentaria no trono do Reino de Israel, restabelecendo-o para sempre. Ninguém lhes tinha contado ainda que, em plena Paixão, Jesus declarara inequivocamente a Pilatos: O meu Reino não é deste mundo…

No entanto, eles, quase com certeza, já lhe tinham ouvido dizer: O Reino de Deus está dentro de vós… E também tinham escutado muitas das parábolas do Reino, que falavam, por meio de expressivos simbolismos, não de um reino terreno, político, mas de um Reino de graça, de paz e de amor que cresce dentro dos corações, nas famílias, nas sociedades, como o trigo que germina de noite e de dia; como o grão de mostarda que é pequenino e se torna árvore alta; como o fermento invisível que a mulher põe na massa de farinha e acaba fermentando-a toda… Ou como um Pai que perdoa o filho fugitivo, e um Pastor que procura a ovelha perdida e que é, ao mesmo tempo, o Rei-Deus que nos convida a participar do seu banquete de amor eterno…

Poderíamos definir com exactidão o engano dos discípulos de Emaús – igual ao de muitos actuais discípulos de Cristo – como um grande “erro de esperança”. Aí esteve a sua falha. Tinham esperança, sim, mas era uma “esperança equivocada”, não era a virtude cristã da esperança. Em consequência, estavam irremediavelmente fadados à decepção e ao fracasso, como quem dispara uma flecha para o alvo errado, ou dirige um veículo fora da estrada, que, quanto mais rápido vai, mais perto está do desastre.

Assim são muitas mulheres e muitos homens de hoje. O seu mal é a visão deturpada da esperança: esperam o que não devem, e esperam mal. Os exemplos são inúmeros: falsas esperanças amorosas, falsas esperanças profissionais, falsas esperanças de glória e triunfo, falsa confiança nas riquezas…

Onde está o erro? A resposta é simples. Espera mal quem espera qualquer coisa diferente da Vontade de Deus a seu respeito, qualquer coisa – por grande e empolgante que seja – que esteja fora dos planos que Deus preparou e deseja para ele. Então, acontece a essas pessoas o que Jesus dizia aos fariseus: Frustraram o desígnio de Deus a seu respeito (Lc 10,30). A vida deles tornou-se um plano divino traído, frustrado, que Deus não pode reconhecer como seu, e tem que lhes dizer: Não vos conheço (Mt 25,12).

É importante perceber que as pessoas não ficam frustradas “principalmente” por não terem alcançado os seus desejos, os seus sonhos. Na realidade, muitas das piores frustrações são as daqueles que alcançaram mesmo esses desejos e sonhos (‘Já estou na faculdade, já tenho emprego, já me casei, já sou rico’), mas depois percebem que nada disso os preenche, não lhes traz a felicidade. Homens e mulheres ficam frustrados “principalmente” porque – sem sequer darem por isso – não atingem o ideal para o qual foram criadas por Deus, ou seja, por não terem sido fiéis à sua vocação de filhos de Deus, e por isso – desculpem a expressão rude – a vida delas, em vez de alcançar o desenvolvimento e maturidade de um filho que cresce, foi como um aborto. Fora do que Deus espera de nós, tudo é um triste aborto provocado… por nós!

Pensemos, por exemplo, nos casamentos fracassados. A maioria deles afundou-se porque marido e mulher “esperaram mal”. O que é que espera a maioria dos noivos, quando vão para o casamento? Sem dúvida, amar e ser felizes. Mas amar, como? Serem felizes, como? Muitos só pensam em “receber” do outro muito carinho, paciência, compreensão, todo o aconchego para se “sentirem bem” realizando os seus próprios gostos e caprichos, os seus prazeres, e até as suas manias. Poucos pensam em dar e dar-se generosamente para o bem do outro e dos filhos, em construir uma família com abnegação generosa e desprendimento alegre, felizes por fazerem felizes os demais. Ou seja, não pensam no verdadeiro amor, no autêntico amor-doação, no único que pode trazer a felicidade.

Por isso, quando chega a hora da verdade e aparecem as dificuldades inevitáveis – essas com as quais Deus conta para nos purificar e amadurecer –, não compreendem que essas dificuldades são apelos para se darem mais, para amarem mais, para dialogarem mais, e não para irritações, más caras, resmungos e gritos; que é a hora da compreensão, e não a da imposição; que é a hora de escutar com humildade, e não de “ter razão”…. Infelizmente, não entendem nada disso. E, então, tudo vai por “água abaixo”. Não foram ao casamento preparados para o verdadeiro amor, mas para “consumir” satisfações (como “consomem” os outros prazeres da vida). É natural que acabem dizendo, como os discípulos de Emaús: “Nós esperávamos outra coisa”…

É preciso abrir os olhos da alma, com a ajuda de Deus, e compreender que a vida não é uma laranja para chupar e cuspir, que os outros não são cana-de-açúcar para tirar o caldo e jogar fora o bagaço, que Deus não é um “seguro protector de egoísmos”, e que os outros não são “bens desfrutáveis”. Viver e ser feliz é coisa infinitamente maior do que “usufruir”!

A virtude da esperança

Qual é, então, a verdadeira esperança cristã? É a confiança firme, nascida da fé viva que nos diz que viveremos envoltos no amor de Deus aqui na terra – em todas as circunstâncias e vicissitudes de cada dia – e, depois, eternamente no Céu. Tudo o que conduz a isso é bom. Tudo o que afasta disso é mau. Tudo o que conduz a isso acaba em felicidade – já aqui na terra -, e tudo o que afasta disso acaba em tristeza, e até – Deus não o permita – pode acabar em tormento eterno.

É muito claro o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre a esperança: “A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não nas nossas próprias forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo… A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de todos os homens; assume as esperanças que inspiram as actividades dos homens; purifica-as para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo o esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade do amor” (nn. 1817 e 1818). São textos preciosos, que daria para meditar durante horas.

A grande lição dos discípulos de Emaús

Voltando à cena dos discípulos de Emaús, vale a pena prestar atenção ao que Cristo lhes disse, quando terminaram o seu desabafo de desiludidos. Nosso Senhor começou a falar-lhes de modo claro, incisivo, sem rebuços, com palavras que tiveram o efeito de lancetar-lhes o tumor de cepticismo que lhes corroía o coração: Ó gente insensata e lenta de coração para acreditar em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que o Cristo sofresse estas coisas e assim entrasse na Sua glória?” E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito em todas as Escrituras”, ou seja, as inúmeras profecias que falavam da Sua Paixão. Jesus desvendou-lhes, assim, com um jacto de luz divina, o plano da Trindade para a salvação do mundo, uma salvação que havia de ser realizada pelo máximo acto de Amor imaginável: a entrega do Filho de Deus na Cruz para a redenção dos nossos pecados.

Foi na Cruz, com efeito, onde o Filho de Deus – Deus feito Homem, encarnado por nós – atingiu o limite máximo do Amor, e com esse amor ilimitado, envolveu, compensou, purificou e superou todos os nossos desamores, todos os nossos pecados. Como fruto deste Seu sacrifício, derramou sobre nós a graça do Espírito Santo – o fogo do Amor divino em pessoa –, e abriu-nos de par em par  as portas do Céu.

Quer dizer que o que Cléofas e o companheiro lamentavam como uma desgraça (a paixão e morte de Cristo), foi, na realidade, a maior maravilha de toda a história da humanidade, o maior bem do mundo, o maior motivo de alegria de todos os séculos! Insensatos! disse-lhes Jesus. Sim, insensatos os que não veem isso e vão atrás de sombras e aparências falsas!

Enquanto Jesus ia falando pelo caminho, os corações dos dois caminhantes foram mudando. Um calor novo os invadiu, uma faísca de esperança se acendeu neles. Aproximaram-se da aldeia para onde iam, e Jesus fez como se quisesse passar adiante. Mas eles forçaram-no a parar: “Fica connosco, já é tarde e o dia declina”.

É uma bela oração para nós fazermos, quando começarmos a sentir a proximidade de Jesus: “Fica connosco! Não nos deixes, queremos estar contigo, queremos ter-te como amigo, queremos abrir-te a alma. Fica!” E, além do mais, bem que percebemos que já se nos faz tarde, que a vida passa, que a vida acaba, sim, já é tarde e o dia declina. Olha, Senhor, que gastamos boa parte deste “dia”, que é a vida, entre falsas esperanças e verdadeiras frustrações. Precisamos de Ti. Por favor, fica, que só em Ti se acha a esperança…

Com Cristo, o coração arde

Então – continua a contar São Lucas –, entrou com eles, e aconteceu que, estando sentados à mesa, ele tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e serviu-lho. Então se lhes abriram os olhos e o reconheceram…, mas ele desapareceu. Diziam então um ao outro: “Não é verdade que o nosso coração ardia dentro de nós enquanto ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”

Tudo, nessa belíssima cena dos discípulos de Emaús, é espelho e modelo para nós. Bem dizia São Josemaría Escrivá: “Caminho de Emaús, caminho da vida”… Quando nos entristecer a falta de sentido de tantas coisas, e sobretudo, quando nos acabrunharem as decepções que parecem amontoar-se e afogar a esperança, façamos como os discípulos de Emaús:

Primeiro, abramos a alma a Deus (às vezes, a melhor maneira de abri-la é fazer uma confissão muito sincera).

Depois, escutemos as suas palavras, meditemos a Sagrada Escritura – especialmente os Evangelhos – com calma, com carinho, deixando que as Palavras de Deus penetrem na alma como a chuva na terra. Elas nos mostrarão que o que nos parece ruim muitas vezes é bom, que a Cruz – que julgamos ser uma porta que se nos fecha e nos deixa num beco sem saída – na realidade é uma porta que se abre, para que entremos num mundo melhor, de mais amor, de mais bondade, de mais pureza, de mais virtude.

Em terceiro lugar, acolhamos Jesus em casa, na casa da nossa alma, recebendo-o sempre dignamente na Eucaristia, na Comunhão, que é a união com Deus mais íntima que a criatura humana pode ter nesta terra: Jesus em nós, Jesus nosso alimento, Jesus sangue do nosso sangue e vida da nossa vida!

E por fim, a alegria. O coração desanimado, que estiolava e murchava, agora arde dentro de nós, e inflama-nos com uma nova esperança. Vemos um novo sentido para a vida, iluminada pela fé e o amor de Cristo, e temos necessidade de correr ao encontro dos outros, para contagiá-los com a nossa esperança, como fizeram os discípulos de Emaús depois que Jesus os deixou.

Lição de fé, lição de amor, lição de esperança. Vêm a calhar palavras com que São Josemaria começava uma homilia sobre a esperança: “Há já bastantes anos, com a força de uma convicção que crescia de dia para dia, escrevi: Espera tudo de Jesus; tu nada tens, nada vales, nada podes. Ele agirá, se nele te abandonares. Passou o tempo, e essa minha convicção tornou-se ainda mais vigorosa, mais funda. Tenho visto, em muitas vidas, que a esperança em Deus acende maravilhosas fogueiras de amor, com um fogo que mantém palpitante o coração, sem desânimos, sem decaimentos, embora ao longo do caminho se sofra, e às vezes se sofra deveras” ii

Isto foi o que aconteceu com os discípulos de Emaús. Com o coração inflamado pela esperança, desfizeram o caminho dos desertores, voltaram a reunir-se com os Apóstolos e as santas mulheres no Cenáculo e participaram da alegria que – no meio ainda de sombras e hesitações – começava a alastrar entre eles e que anunciava, mesmo que muitos ainda não o percebessem plenamente e estivessem ainda atingidos pelo temor, um futuro de esperança pelos séculos dos séculos, até ao fim do mundo: “O Senhor ressuscitou verdadeiramente!…” Esta é a grande verdade! A esperança cristã acabava de nascer com a ressurreição de Cristo, e já não morreria nunca mais.

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Notas:
i São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, n. 313
i] Amigos de Deus, n. 205



Tratado dos vícios e pecados 95

Questão 89: Do pecado venial em si mesmo.

Art. 4 — Se um anjo bom ou mau pode pecar venialmente.

(De Malo, q. 7, a. 9).

O quarto discute-se assim. — Parece que um anjo bom ou mau pode pecar venialmente.

1. — Pois, o homem tem de comum com o anjo a parte superior da alma, chamada inteligência, conforme e Gregório: O homem intelige, como os anjos. Ora, pela parte superior da alma o homem pode pecar venialmente. Logo, também o anjo

2. Demais. — Quem pode o mais pode o menos. Ora, o anjo podia amar o bem criado, mais que a Deus; e isso fê-lo, pecando mortalmente. Logo, também podia amar o bem criado, desordenadamente, embora menos que a Deus, pecando venialmente.

3. Demais. — Os anjos maus podem cometer alguns pecados, genericamente veniais provocando o riso dos homens, e fazendo leviandades semelhantes. Ora, como se disse (a. 3), a circunstância pessoal não torna mortal o pecado venial, a menos de uma proibição especial sobreveniente, o que não se dá no caso vertente. Logo, o anjo pode pecar venialmente.

Mas, em contrário, maior era a perfeição do anjo que a do homem, no estado primitivo. Ora, neste estado, o homem não podia pecar venialmente. Logo, com maior razão nem o anjo.

Como já dissemos na Primeira parte (q. 58, a. 3; q. 79, a. 8), o intelecto do anjo não é discursivo, de modo a proceder dos princípios para as conclusões, inteligindo aqueles e estas, separadamente, como nós. Donde, sempre que consideram as conclusões, necessariamente as consideram como incluídas nos princípios. Ora, na ordem do nosso desejo, como já muitas vezes dissemos (q. 8, a. 2; q. 10, a. 1; q. 72, a. 5), os fins são como que os princípios, e os meios, as conclusões. Donde, a mente angélica não escolhe os meios, senão enquanto compreendidos na ordem do fim. Por isso e por natureza, não pode haver nos anjos desordem relativa aos meios, sem haver simultaneamente a relativa ao fim, o que se dá pelo pecado mortal. Ora, os bons anjos não buscam os meios senão em ordem ao fim devido, que é Deus; e por isso, todos os seus actos são actos de caridade, e portanto, não pode haver neles pecado venial. Ao contrário, os anjos maus a nada se movem senão em ordem ao fim do pecado da própria soberba. Por isso, em tudo o que fazem por vontade própria pecam mortalmente. Mas o mesmo não se dá com o desejo do bem natural, que neles existe, como demonstramos na Primeira Parte (q. 63, a. 4; q. 64, a. 2 ad 5).

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O homem tem algo de comum com os anjos a mente ou intelecto; mas difere deles no modo de inteligir, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O anjo não podia amar a criatura menos que a Deus, senão simultaneamente referindo-a a Deus como ao último fim; ou a algum fim desordenado, pela razão já dada.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Todos esses pecados considerados como veniais os demónios provocam-nos para atrair os homens à sua familiaridade, e assim fazê-los cair em pecado mortal. Por isso, sempre que provocam a tais pecados pecam mortalmente, por causa da intenção final.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.