29/05/2014

Amemos a direcção espiritual!

Abriste sinceramente o teu coração ao teu Director, falando na presença de Deus... E foi maravilhoso verificar como tu sozinho ias encontrando resposta adequada às tuas próprias tentativas de evasão. Amemos a direcção espiritual! (Sulco, 152)

Conhecem muito bem as obrigações do vosso caminho de cristãos, que os hão-de levar sem parar e com calma à santidade; também estão precavidos contra as dificuldades, praticamente contra todas, porque já se vislumbram desde o princípio do caminho. Agora insisto em que se deixem ajudar e guiar por um director de almas, a quem confiem todos os entusiasmos santos, os problemas diários que afectarem a vida interior, as derrotas que sofrerem e as vitórias.

Nessa direcção espiritual mostrem-se sempre muito sinceros: não deixem nada por dizer, abram completamente a alma, sem medo e sem vergonha. Olhem que, se não, esse caminho tão plano e tão fácil de andar complica-se e o que ao princípio não era nada acaba por se converter num nó que sufoca.


(...) Lembram-se da história do cigano que se foi confessar? Não passa de uma história, de uma historieta, porque da confissão nunca se fala e, além disso, estimo muito os ciganos. Coitadinho! Estava realmente arrependido: Senhor Padre, acuso-me de ter roubado uma arreata...– pouca coisa, não é? – e atrás vinha uma burra...; e depois outra arreata...; e outra burra... e assim até vinte. Meus filhos, o mesmo acontece no nosso comportamento: quando cedemos na arreata, depois vem o resto, a seguir vem uma série de más inclinações, de misérias que aviltam e envergonham; e acontece o mesmo na convivência: começa-se com uma pequena falta de delicadeza e acaba-se a viver de costas uns para os outros, no meio da indiferença mais gelada. (Amigos de Deus, 15)

Tratado da lei 07

Questão 91: Da diversidade das leis.

Art. 3 — Se há uma lei humana.

(Infra, q. 95, a. 1).

O terceiro discute-se assim. — Parece que não há nenhuma lei humana.

1. — Pois, a lei natural é uma participação da lei eterna, como já se disse (a. 2). Ora, pela lei eterna, todas as coisas são ordenadíssimas, como diz Agostinho. Logo, a lei natural basta para ordenar todas as coisas humanas, e portanto, não há necessidade de nenhuma lei humana.

2. Demais. — A lei é essencialmente medida, como se disse (q. 90, a. 1). Ora, a razão humana não é a medida das coisas, mas antes inversamente, como diz Aristóteles. Logo, nenhuma lei pode proceder da razão humana.

3. Demais. — A medida deve ser certíssima, como está em Aristóteles. Ora, o ditame da razão humana, no concernente à direcção das coisas, é incerto, conforme a Escritura (Sb 9, 14): Os pensamentos dos mortais são tímidos, e incertas as nossas providências. Logo, nenhuma lei pode proceder da razão humana.

Mas, em contrário, Agostinho ensina que há duas leis: uma eterna, e outra temporal, a que chama humana.

Como já dissemos (q. 90, a. 1 ad 2), a lei é um ditame da razão prática. Ora, acontece que o modo de proceder da razão prática é semelhante ao da especulativa, pois ambas procedem de certos princípios para certas conclusões, como antes ficou estabelecido. Por onde devemos concluir que, assim como a razão especulativa, de princípios indemonstráveis e evidentes tira as conclusões das diversas ciências, cujo conhecimento não existe em nós naturalmente, mas são descobertos por indústria da razão; assim também, dos preceitos da lei natural, como de princípios gerais e indemonstráveis, necessariamente a razão humana há de proceder a certas disposições mais particulares. E estas disposições particulares, descobertas pela razão humana, observadas as outras condições pertencentes à essência da lei, chamam-se leis humanas como já dissemos (q. 90, a. 2, a. 3, a. 4). E por isso, Túlio, na sua Retórica, diz que a origem do direito está na natureza; daí, em razão da utilidade, nasceram certas disposições costumeiras; depois, o medo e a religião sancionaram essas disposições oriundas da natureza e aprovadas pelo costume.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A razão humana não pode participar plenamente do ditame da razão divina; mas pode-o a seu modo e imperfeitamente. Donde, pela razão especulativa, por uma participação natural da sabedoria divina, temos o conhecimento de certos princípios comuns, mas não o conhecimento próprio de qualquer verdade, como a contém a sabedoria divina. Assim também, pela razão prática, o homem naturalmente participa da lei eterna relativamente a certos princípios comuns, mas não quanto a direcções particulares de determinados actos, que contudo estão contidos na lei eterna. Donde, é necessário, ulteriormente, que a razão humana proceda a certas disposições particulares das leis.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A razão humana, em si mesma, não é a regra das coisas; mas os princípios, que lhe são naturalmente inerentes, são certas regras gerais, e medidas de tudo o que o homem deve fazer; do que a razão natural é a regra e a medida, embora não seja a medida do que é natural.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão prática versa sobre os actos, que são particulares e contingentes; não porém, sobre o que é necessário, como a razão especulativa. Donde, as leis humanas não podem ter aquela infalibilidade que têm as conclusões demonstrativas das ciências. Nem é necessário que toda a medida seja absolutamente infalível e certa, mas deve sê-lo enquanto isso lhe é genericamente possível.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


As sete palavras de Cristo na Cruz 29

Capítulo 5: O primeiro fruto que se há-de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz. 1

Podemos colher alguns frutos, tirados da segunda palavra dita na Cruz. O primeiro fruto é a consideração da imensa misericórdia e liberalidade do Cristo, e de como é bom e útil servi-lo. As muitas dores que Ele, Nosso Senhor, sofria, poderiam ser alegadas como escusa para não escutar a petição do ladrão; mas, em Sua caridade divina, preferiu olvidar as Suas próprias atrozes dores a não escutar a oração de um pobre pecador penitente. Esse mesmo Senhor não respondeu nada às maldições e imprecações dos sacerdotes e soldados, mas ante o clamor de um pecador a se confessar, Sua caridade proibira-lhe permanecer em silêncio. Quando é ultrajado não abre a boca, porque é paciente; quando um pecador confessa sua culpa, fala, porque é bondoso. Que dizer, pois, de Sua liberalidade? Os que servem a um chefe temporal com frequência obtêm uma magra recompensa por muitos labores. Entre esses não raro vemos os que terão gasto os melhores anos de sua vida ao serviço de príncipes, e se retiram em idade avançada com mirrado salário. Mas o Cristo é um Príncipe verdadeiramente liberal, um Amo verdadeiramente magnânimo. Das mãos do bom ladrão não recebe nenhum serviço, excepto algumas palavras bondosas e o desejo cordial de o assistir, e, como galardão, com que grande prémio o retribui! Nesse mesmo dia, todos os pecados que cometera durante sua vida são perdoados; é igualado aos principais de seu povo, a saber, os patriarcas e os profetas; e, finalmente, o Cristo o eleva para partilhar de sua mesa, de sua dignidade, de sua glória e de todos os seus bens. “Hoje”, disse, “estarás comigo no Paraíso”. O que Deus diz, faz. Tampouco difere essa recompensa para algum dia longínquo, mas, àquele mesmo dia, derrama em seu seio “uma medida boa, cheia, recalcada, transbordante" 1.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).

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Notas:
1. Lc 6,38.


Pequena agenda do cristão


Quinta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Participar na Santa Missa.

Senhor, vendo-me tal como sou, nada, absolutamente, tenho esta percepção da grandeza que me está reservada dentro de momentos: Receber o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade do Rei e Senhor do Universo.
O meu coração palpita de alegria, confiança e amor. Alegria por ser convidado, confiança em que saberei esforçar-me por merecer o convite e amor sem limites pela caridade que me fazes. Aqui me tens, tal como sou e não como gostaria e deveria ser.
Não sou digno, não sou digno, não sou digno! Sei porém, que a uma palavra Tua a minha dignidade de filho e irmão me dará o direito a receber-te tal como Tu mesmo quiseste que fosse. Aqui me tens, Senhor. Convidaste-me e eu vim.

Lembrar-me: Comunhões espirituais.

Senhor, eu quisera receber-vos com aquela pureza, humildade e devoção com que Vos recebeu Vossa Santíssima Mãe, com o espírito e fervor dos Santos.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?

Temas para meditar 129

Alegria

Alegria não porque o mundo possa preencher todas as nossas aspirações, mas sim ao contrário. Não estamos onde devemos permanecer: estamos em caminho. Tínhamos perdido a direcção e Alguém nos veio buscar e nos levou de volta ao lar paterno. É alegria não porque tudo o que nos sucede esteja bem - não é assim -, mas porque Alguém sabe aproveitá-lo para nosso bem. A alegria cristã é consequência de saber enfrentar-se com o único facto realmente triste da vida, que é o pecado: e de saber contrapô-lo com um facto gozoso ainda mais real e mais forte que o pecado: o amor e a misericórdia de Deus.


(c. burkeAutoridad y Libertad en La Iglesia, nr. 223, trad ama)

Evangelho diário, comentário, Leitura espiritual (Enc Mater et Magistra 3ª parte 165-198)


Tempo de Páscoa
VI Semana

Evangelho: Jo 16,16-20 

16 «Um pouco, e já não Me vereis; outra vez um pouco, e ver-Me-eis, porque vou para o Pai». 17 Disseram então entre si alguns dos Seus discípulos: «Que é isto que Ele nos diz: Um pouco, e já não Me vereis, e outra vez um pouco, e ver-Me-eis? Que significa também: Porque vou para o Pai?». 18 Diziam pois: «Que é isto que Ele diz: Um pouco? Não sabemos o que Ele quer dizer». 19 Jesus, conhecendo que queriam interrogá-l'O, disse-lhes: «Vós perguntais uns aos outros porque é que Eu disse: Um pouco, e já não Me vereis, e outra vez um pouco, e ver-Me-eis. 20 Em verdade, em verdade vos digo que haveis de chorar e gemer, e o mundo se há-de alegrar; haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria. 

Comentário: 

Continua o discurso de despedida. As palavras de Jesus devem ter calado de maneira particular no espírito dos que o seguiam. 

Não entendiam nem o verdadeiro alcance das mesmas mas sentiriam no seu íntimo que a situação era delicada se não grave.
 

Trata-se de facto de uma confirmação na fé feita por antecipação. Quando tudo isso acontecer mesmo no torvelinho das, emoções e desamparo hão-de lembrar-se destas palavras e então a sua fé em Jesus Cristo sairá reforçada.
 

(ama, comentário sobre Jo 16, 16-20, 2013.05.09)

Leitura espiritual
Doc. do Conc. Vatic. II

CARTA ENCÍCLICA
MATER ET MAGISTRA
DE SUA SANTIDADE JOÃO XXIII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR, EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA, BEM COMO A TODO O CLERO E FIÉIS DO ORBE CATÓLICO

SOBRE A RECENTE EVOLUÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL À LUZ DA DOUTRINA CRISTÃ

TERCEIRA PARTE

NOVOS ASPECTOS DA QUESTÃO SOCIAL

EXIGÊNCIAS DE JUSTIÇA NAS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES DE DIFERENTE PROGRESSO ECONÓMICO

O problema da época moderna

Evitar os erros do passado

165. A este propósito, julgamos oportunas algumas considerações e advertências.

166. A prudência aconselha que os países, que se encontram num estado inicial ou pouco avançado no campo económico, tenham presentes as experiências por que passaram as nações já desenvolvidas.

167. Produzir mais e melhor corresponde a uma exigência da razão, e é também necessidade imprescindível. Não é porém menos necessário, nem menos conforme à justiça, repartir-se equitativamente a riqueza produzida, entre todos os membros da comunidade política: por isso, deve procurar-se que o desenvolvimento económico e o progresso social se sujeitem a um mesmo ritmo. O que exige que esse desenvolvimento e esse progresso sejam realizados, na medida possível, gradual e harmonicamente, em todos os sectores da produção: agricultura, indústria e serviços.

Respeito às características próprias de cada comunidade

168. As nações em fase de desenvolvimento económico costumam apresentar uma individualidade própria, inconfundível: pelos recursos e características do próprio ambiente natural, pelas tradições muitas vezes ricas de valores humanos e pelas qualidades típicas dos seus membros.

169. As nações economicamente desenvolvidas, ao ajudá-las, devem reconhecer e respeitar essa individualidade, e vencer a tentação de projectar a própria imagem, através daquela obra, sobre as comunidades em vias de desenvolvimento.

Obras desinteressadas

170. Mas a tentação maior, para as comunidades políticas economicamente avançadas, é a de se aproveitarem da cooperação técnica e financeira que prestam, para influírem na situação política das comunidades em fase de desenvolvimento económico, a fim de levarem a cabo planos de predomínio.

171. Onde quer que isto se verifique, deve-se declarar explicitamente que estamos diante de nova forma de colonialismo, a qual, por mais habilmente que se disfarce, não deixará de ser menos dominadora do que a antiga, que muitos povos deixaram recentemente. E essa nova forma prejudicaria as relações internacionais, constituindo ameaça e perigo para a paz mundial.

172. É, portanto, indispensável e justo que a mencionada cooperação técnica e financeira se preste com o mais sincero desinteresse político. Deve ter apenas em vista colocar essas comunidades, que pretendem desenvolver-se, em condições de realizarem por si mesmas a própria elevação económica e social.

173. Deste modo oferece-se uma preciosa contribuição para formar uma comunidade mundial, em que todos os membros serão sujeitos conscientes dos próprios deveres e dos próprios direitos, e trabalharão em plano de igualdade, pela consecução do bem comum universal.

Respeito pela hierarquia dos valores

174. Os progressos científicos e técnicos, o desenvolvimento económico, as melhorias nas condições de vida, constituem sem dúvida elementos positivos de uma civilização. Mas devemos lembrar-nos de que não são, nem podem ser, valores supremos; em comparação destes, revestem essencialmente um carácter instrumental.

175. Observamos com amargura que, nos países economicamente desenvolvidos, existem não poucos homens em que se foi extinguindo e se apagou, ou se inverteu, a consciência da hierarquia dos valores. Os valores do espírito descuram-se, esquecem-se ou negam-se; ao passo que os progressos das ciências e das técnicas, o desenvolvimento económico e o bem-estar material se apregoam e defendem como bens superiores a tudo e são até exaltados à categoria de razão única da vida. Esta mentalidade constitui um dos mais deletérios dissolventes na cooperação que os povos economicamente desenvolvidos prestam aos povos em fase evolutiva: estes, por antiga tradição, não raras vezes conservam ainda viva e operante a consciência de alguns dos mais importantes valores humanos.

176. É essencialmente imoral atentar contra esta consciência: deve ser respeitada e, quanto possível, iluminada e aperfeiçoada, para continuar a ser o que é: fundamento da verdadeira civilização.

Contribuição da Igreja

177. A Igreja, por direito divino, é universal. E também o é de facto, por estar presente, ou tender a estar presente, a todos os povos.

178. O facto de a Igreja ser estabelecida no meio de um povo tem sempre consequências positivas no campo económico e social, como o provam a história e a experiência. Os homens, fazendo-se cristãos, não podem deixar de sentir a obrigação de melhorar as estruturas e as condições da ordem temporal, por respeito à dignidade humana, e para se eliminarem ou reduzirem os obstáculos à difusão do bem e aumentarem os incentivos e os convites que levam a ele.

179. E, além disso, a Igreja, ao penetrar na vida dos povos, não é nem pode considerar-se nunca uma instituição imposta de fora, porque a sua presença coincide com o renascimento ou a ressurreição de cada homem em Cristo; e quem renasce ou ressuscita em Cristo, nunca é vítima de coacção externa: pelo contrário, sente-se livre no mais íntimo do próprio ser, para se encaminhar para Deus; e tudo quando nele representa um valor, de qualquer natureza que seja, se consolida e enobrece.

180. A Igreja de Cristo, observa acertadamente o nosso predecessor Pio XII, "fidelíssima depositária da educadora sabedoria divina, não pode pensar nem pensa em alterar ou menosprezar as características particulares, que cada povo, com zelo e piedade, e também com compreensível ufania guarda e considera como precioso património. O seu fim é a unidade sobrenatural no amor universal, conhecido e praticado; não a uniformidade exclusivamente externa e superficial, por isso mesmo debilitante. A Igreja saúda, com alegria e acompanha com solicitude maternal todas as directrizes e medidas, que levam, a um prudente e ordenado desenvolvimento de forças e tendências particulares, apoiadas nas raízes mais profundas de cada raça, contanto que elas se não oponham aos deveres que derivam, para o gênero humano, da sua unidade de origem e do destino comum". [36]

181. Vemos com profunda satisfação como hoje os cidadãos católicos, das comunidades em fase de desenvolvimento económico, ordinariamente não ficam atrás de ninguém ao tratar-se de participar no esforço que elas realizam no sentido do progresso e da elevação no campo económico e social.

182. Por outro lado, os cidadãos católicos das comunidades economicamente adiantadas multiplicam as suas iniciativas no sentido de se favorecer e melhorar a ajuda prestada às comunidades ainda em fase de desenvolvimento económico. Digna de especial consideração é a multiforme assistência que eles prestam, em proporções cada vez maiores, aos estudantes da África e da Ásia espalhados pelas universidades da Europa e da América, e ainda a preparação de pessoas dispostas a irem para as nações subdesenvolvidas com o fim de lá exercerem actividades técnicas e profissionais.

183. A estes nossos queridos filhos, que em todos os continentes manifestam a perene vitalidade da Igreja, promotora do progresso genuíno e vivificadora das civilizações, queremos que chegue a nossa palavra paternalmente afectuosa de aplauso e de alento.

INCREMENTOS DEMOGRÁFICOS E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Desequilíbrio entre a população e os meios de subsistência

184. Nestes últimos tempos, surge a cada passo o problema da relação entre os aumentos demográficos, o progresso económico e a disponibilidade de meios de subsistência, tanto no plano mundial, como nas comunidades políticas em vias de desenvolvimento económico.

185. No plano mundial, observam alguns que, segundo cálculos estatísticos considerados sérios, a família humana, dentro de poucos decnios, chegará a números muito elevados, ao passo que o desenvolvimento económico prosseguirá com ritmo menos acelerado. Daqui concluem que a desproporção entre o povoamento e os meios de subsistência, num futuro não longínquo, se fará sentir de maneira aguda, se não se tratar devidamente de limitar o aumento demográfico.

186. Nas comunidades políticas em fase de desenvolvimento económico, observa-se com base nas estatísticas, que a rápida difusão de medidas higiénicas e de cuidados sanitários reduz muito a mortalidade, sobretudo infantil; ao mesmo tempo que a percentagem da natalidade, que nessas comunidades costuma ser elevada, tende a permanecer constante, ou quase constante, pelo menos durante um período considerável de anos. Cresce pois notavelmente o excesso dos nascimentos sobre os óbitos, não aumentando na mesma proporção a eficiência produtiva dos respectivos sistemas económicos. Torna-se impossível que nas comunidades em fase de desenvolvimento económico melhore o nível de vida; antes, é inevitável que piore. Por isso, e a fim de impedir que se chegue a situações de mal-estar extremo, há quem julgue indispensável recorrer a medidas drásticas para evitar ou diminuir a natalidade.

Os termos do problema

187. A verdade é que, situado o problema no plano mundial, não parece que a relação entre o incremento demográfico, por um lado, e o desenvolvimento económico e a disponibilidade dos meios de subsistência, por outro, venham a criar dificuldades ao menos por agora ou num futuro próximo. De todos os modos, são demasiado incertos e oscilantes os elementos de que dispomos para podermos chegar a conclusões seguras.

188. Além disso, Deus, na sua bondade e sabedoria, espalhou pela natureza recursos inesgotáveis e deu aos homens inteligência e génio capazes de inventar os instrumentos aptos para com eles se poderem encontrar os bens necessários à vida. Por isso, a solução fundamental do problema não deve procurar-se em expedientes que ofendem a ordem moral estabelecida por Deus e atacam os próprios mananciais da vida humana, mas num renovado esforço científico e técnico, por parte do homem, no sentido de aperfeiçoar e estender cada vez mais o seu domínio sobre a natureza. Os progressos já realizados pelas ciências e técnicas abrem, nesta direcção, horizontes ilimitados.

189. Sabemos que, em determinadas áreas e em certos países em fase de desenvolvimento económico, se apresentam realmente dificuldades graves, devidas à existência de uma organização económica e social deficiente que não oferece meios de vida proporcionais ao índice do incremento demográfico e também à insuficiência da solidariedade entre os povos.

190. Todavia, mesmo em tais casos, devemos afirmar claramente desde já que estes problemas não se podem encarar, nem estas dificuldades se podem vencer, recorrendo a métodos e meios que são indignos de um ser racional e só encontram explicação num conceito puramente materialista do homem e da vida.

191.A solução acertada encontra-se apenas num progresso económico e social que respeite e fomente os genuínos valores humanos, individuais e sociais, em conformidade com a moral, com a dignidade e o imenso valor da vida humana, e, juntamente, numa colaboração em escala mundial que permita e fomente a circulação ordenada e fecunda de conhecimentos úteis, de capitais e pessoas.

Respeito pelas leis da vida

192. Temos de proclamar solenemente que a vida humana deve ser transmitida por meio da família, fundada no matrimónio uno e indissolúvel, elevado para os cristãos à dignidade de sacramento. A transmissão da vida humana foi confiada pela natureza a um acto pessoal e consciente, sujeito, como tal, às leis sapientíssimas de Deus: leis invioláveis e imutáveis, que é preciso acatar e observar. Por isso, não se podem usar aqui meios, nem seguir métodos, que serão lícitos quando se tratar da transmissão da vida nas plantas e nos animais.

193. A vida humana é sagrada: mesmo a partir da sua origem, exige a intervenção directa da acção criadora de Deus. Quem viola as leis da vida, ofende a Divina Majestade, degrada-se a si e ao género humano, e enfraquece a comunidade de que é membro.

Educação ao sentimento de responsabilidade

194. É de suma importância que as gerações novas recebam, com a formação cultural e religiosa adequada que é dever e direito dos pais lhes proporcionarem, também uma educação sólida do sentimento de responsabilidade em todas as manifestações da existência, particularmente no que diz respeito à fundação da família, à transmissão da vida e à educação dos alhos. Deve inculcar-se-lhes uma fé viva, e profunda confiança na Divina Providência, para se disporem a arrostar fadigas e sacrifícios no cumprimento de tão nobre missão, muitas vezes difícil, qual é a de colaborar com Deus em transmitir a vida humana e educar a prole. Para educar, nenhuma instituição dispõe de recursos tão eficazes como a Igreja, que, também por este motivo, possui o direito de exercer a sua missão com plena liberdade.

Ao serviço da vida

195. No Génesis lembra-se como Deus impôs aos primeiros seres humanos dois mandamentos: o de transmitir a vida: "Crescei e multiplicai-vos" (Gn 1,28) e o de dominar a natureza: "Enchei a terra e submetei-a" (Gn 1,28): mandamentos que se completam mutuamente.

196. Sem dúvida o mandamento divino de dominar a natureza não é imposto com uns destrutivos, mas sim para serviço da vida.

197. Notamos com tristeza que uma das contradições que mais perturbam e atormentam a nossa época é a seguinte: enquanto, por um lado, se salientam as situações de mal-estar, e se apresenta o espectro da miséria e da fome; por outro, utilizam-se, muitas vezes em grande escala, as descobertas da ciência, as realizações da técnica e os recursos económicos, para criar terríveis instrumentos de ruína e de morte.

198. A providência de Deus concede ao género humano meios suficientes para resolver dignamente os múltiplos e delicados problemas da transmissão da vida; mas estes problemas podem tornar-se difíceis ou até insolúveis porque os homens, desencaminhados na inteligência ou pervertidos na vontade, se valem desses meios contra a razão, isto é, para fins que não correspondem à sua própria natureza social nem aos planos da Providência.