10/06/2014

Que eu não volte a voar pegado à terra

– Meu Senhor Jesus: faz com que sinta, que secunde de tal modo a tua graça, que esvazie o meu coração..., para que o enchas Tu, meu Amigo, meu Irmão, meu Rei, meu Deus, meu Amor! (Forja, 913)

Vejo-me como um pobre passarinho que, acostumado a voar apenas de árvore em árvore ou, quando muito, até à varanda de um terceiro andar..., um dia, na sua vida, meteu-se em brios para chegar até ao telhado de certa casa modesta, que não era propriamente um arranha-céus...

Mas eis que o nosso pássaro é arrebatado por uma águia – que o julgou erradamente uma cria da sua raça – e, entre as suas garras poderosas, o passarinho sobe, sobe muito alto, por cima das montanhas da terra e dos cumes nevados, por cima das nuvens brancas e azuis e cor-de-rosa, mais acima ainda, até olhar o sol de frente... E então a águia, soltando o passarinho, diz-lhe: anda, voa!...

– Senhor, que eu não volte a voar pegado à terra, que esteja sempre iluminado pelos raios do divino Sol – Cristo – na Eucaristia, que o meu voo não se interrompa até encontrar o descanso do teu Coração! (Forja, 39)


Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira





(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Temas para meditar 141

Amor

O princípio do amor é duplo, pois pode-se amar tanto com o sentimento como pelo que nos diz a razão. Com o sentimento, quando o homem não sabe viver sem aquilo que ama. Pela força da razão, quando ama o que o entendimento lhe diz. E nós devemos amar a Deus de ambos os modos: também com o nosso coração humano, com o afecto que queremos às criaturas da terra.


(S. tomás de aquinoComent. ao Evangelho de S. Mateus 22 4)

Bento XVI – Pensamentos espirituais 2

Desertos espirituais


Existem muitas espécies de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, os do abandono, da solidão, do amor destruído. Existe o deserto da obscuridade de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do Homem. Os desertos exteriores vão alastrando no mundo porque os desertos interiores se tornaram tão vastos.


(BENTO XVI, Homilia da Missa Inaugural do Pontificado,2005.04.24)

Oh, vem Espírito Santo!

Em frente do sacrário, coloco-me de joelhos, junto as mãos, baixo a cabeça, fecho os olhos e penso: Que vou eu dizer a Deus?
Deixo-me estar assim durante um tempo e … nada!
O cérebro não me dá uma ideia, uma frase, um pensamento, nada, rigorosamente nada!
Em silêncio, penso como é possível não ter nada para dizer a Deus.
Algo dentro de mim me diz para começar tudo de novo, ou seja, não me preocupar tanto com a pose em que estou, abandonar-me ao momento, não procurar pensamentos mais ou menos profundos, deixar que o coração fale as palavras que dele querem brotar.

Mansamente, serenamente, os meus lábios abrem-se e de dentro do coração surgem as primeiras palavras: Oh Jesus, eu amo-te!

Parece que se abriu a comporta de um rio e a frase torna-se repetitiva, quase um respirar, compassado, sincopado, repetindo: Oh Jesus, eu amo-te!

À minha volta deixam de estar coisas, deixa de se perceber qualquer movimento, tudo parece concentrar-se agora, apenas e só nesta frase: Oh Jesus, eu amo-te!

Sinto-me envolvido numa imensa paz, abandonado ao cântico mais suave, despojado de tudo, até de mim mesmo, e repito sem cessar: Oh Jesus, eu amo-te!

De dentro de mim vem essa certeza inabalável que me diz ao coração, a todo o meu ser: Que precisas tu de dizer mais a Deus, se não, oh Jesus, eu amo-te!

Parece que uma brisa suave, um tépido calor, um esvoaçar de asas de pomba, um silêncio envolvente, um abraço de amor, me enche e preenche tanto, que eu apenas abro o coração e a boca, e clamo: Obrigado, Espírito Santo!


Marinha Grande, 7 de Junho de 2014
Joaquim Mexia Alves
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Tratado da lei 19

Questão 95: Da Lei humana

Em seguida devemos tratar da lei humana.

E primeiro, da lei humana em si mesma. Segundo, do seu poder. Terceiro, da sua mutabilidade.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se é útil terem os homens estabelecido leis.
Art. 2 — Se toda lei feita pelos homens é derivada da lei natural.
Art. 3 — Se Isidoro expõe convenientemente a qualidade da lei positiva.
Art. 4 — Se Isidoro estabelece convenientemente a divisão das leis humanas ou do direito humano.

Art. 1 — Se é útil terem os homens estabelecido leis.

(Supra, q. 91, a. 3; X Ethic., lect XIV).

O primeiro discute-se assim. — Parece que não é útil os homens terem estabelecido leis.

1. — Pois, a intenção de qualquer lei é tornar os homens bons, como já se disse (q. 92, a. 1). Ora, eles são levados melhor ao bem, voluntariamente, por advertências, do que coagidos por leis. Logo, não é necessário estabelecê-las.

2. Demais. — O Filósofo diz: Os homens buscam o juiz, como sendo a justiça animada. Ora, a justiça animada é melhor que a inanimada, contida nas leis. Logo, melhor seria cometer a execução da justiça ao arbítrio dos juízes, do que legislar a esse respeito.

3. Demais. — Toda lei é directiva dos actos humanos, como do sobredito resulta (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, como os actos humanos versam sobre situações particulares, que são infinitas, o que respeita à direcção dos actos humanos não pode ser levado em conta suficientemente, senão por alguém que tenha a ciência dos particulares. Logo, é melhor serem os actos humanos dirigidos pelo arbítrio dos prudentes, do que fazer leis para eles. Portanto, não é necessário estabelecer leis humanas.

Mas, em contrário, Isidoro diz: As leis foram feitas para que, por medo delas, seja coibida a audácia humana, a inocência defendida contra os maus e dos próprios maus refreada a faculdade de fazer mal, pelo temor do suplício. Ora, tudo isto é em máximo grau necessário ao género humano. Logo, é necessário que se tenham estabelecido leis humanas.

Como do sobredito resulta (q. 63, a. 1; q. 94, a. 3), o homem tem aptidão natural para a virtude; mas a própria perfeição da virtude é forçoso adquiri-la por meio da disciplina. Assim, vemos que é por alguma indústria, que satisfaz às suas necessidades, p. ex., as do comer e do vestir-se. Dessa indústria já a natureza lhe forneceu o início, a saber, a razão e as mãos; não porém o complemento, como o fez para os outros animais, a que deu a cobertura dos pêlos e alimentação suficiente. Ora, para a disciplina em questão, o homem não se basta facilmente a si próprio. Pois, a perfeição da virtude consiste principalmente em retraí-lo dos prazeres proibidos, a que sobretudo é inclinado, e, por excelência, os jovens, para os quais a disciplina é mais eficaz. Logo, é necessário que essa disciplina, pela qual consegue a virtude, o homem a tenha recebido de outrem. Assim, para os jovens naturalmente inclinados aos actos de virtude, por dom divino, basta a disciplina paterna, que procede por advertências. Certos, porém, são protervos, inclinados aos vícios e não se deixam facilmente mover por palavras. Por isso é necessário que sejam coibidos do mal pela força e pelo medo, para que ao menos assim, desistindo de fazer mal, e deixando a tranquilidade aos outros, também eles próprios pelo costume sejam levados a fazer voluntariamente o que antes faziam por medo, e deste modo se tornem virtuosos. Ora, essa disciplina, que coíbe pelo temor da pena, é a disciplina das leis. Donde é necessário, para a paz dos homens e para a virtude, que se estabeleçam leis. Pois, como diz o Filósofo, o homem se, aperfeiçoado pela virtude, é o melhor dos animais, afastado da lei e da justiça, é o pior de todos. Porque tem as armas da razão, para satisfazer as suas paixões e crueldades, que os outros animais não têm.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os homens bem dispostos são melhor induzidos à virtude por advertências, que voluntariamente aceitam, do que pela coacção. Alguns, porém, mal dispostos, não se deixam levar à virtude, senão coagidos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz o Filósofo, é melhor que tudo seja regulado por lei, do que entregue ao arbítrio de juízes. E isto por três razões. — Primeiro, por ser mais fácil encontrar uns poucos homens prudentes, suficientes para fazer leis rectas, do que muitos que seriam necessários, para julgar bem de cada caso particular. — Segundo, porque os legisladores, com muita precedência consideram sobre o que é preciso legislar; ao contrário, os juízos sobre factos particulares procedem de casos nascidos subitamente. Ora, mais facilmente pode o homem ver o que é recto, depois de ter refletido muito, do que apoiado só num único facto. — Terceiro, porque os legisladores julgam em geral e para o futuro; ao passo que os homens, que presidem ao juízo, julgam do presente, apaixonados pelo amor ou pelo ódio, ou por qualquer cobiça; o que lhes deprava o juízo. — Portanto, como, a justiça animada do juiz não se encontra em muitos e é flexível, é necessário, sempre que for possível, que seja determinado por lei como se deva julgar, deixando pouquíssima margem ao arbítrio humano.

RESPOSTA À TERCEIRA. — É necessário cometer a juízes certos casos particulares, que a lei não pode abranger, conforme o Filósofo o diz, no mesmo lugar; p. ex., saber se um facto se deu ou não, ou coisas semelhantes.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Const. Past. Gaudium et spes)


Tempo comum X Semana

Santo Anjo de Portugal

Evangelho: Lc 2, 8-14

8 Naquela mesma região, havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho. 9 Apareceu-lhes um anjo do Senhor e a glória do Senhor os envolveu com a sua luz e tiveram grande temor. 10 Porém, o anjo disse-lhes: «Não temais, porque vos anuncio uma boa nova, que será de grande alegria para todo o povo: 11 Nasceu-vos hoje na cidade de David um Salvador, que é o Cristo, o Senhor. 12 Eis o que vos servirá de sinal: Encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura». 13 E subitamente apareceu com o anjo uma multidão da milícia celeste louvando a Deus e dizendo: 14 «Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens, objecto da boa vontade de Deus».

Comentário:

Os Anjos são os Mensageiros de Deus e, como tal, dão as notícias que os homens têm absoluta necessidade de conhecer e que não podem ter acesso de outro modo.
Mas, além desta missão extraordinariamente importante são também os mensageiros dos homens, encarregando-se de levar ao Criador as aspirações, os desejos e necessidades das criaturas.
Criaturas perfeitíssimas estão em condições únicas de, servindo-nos de guias seguros pelos caminhos certos, apresentarem perante Aquele cuja Face contemplam constantemente, o que pode servir-nos de melhor ajuda a conseguirmos o que nos insinuam.

Confiemos nos nossos Anjos da Guarda como os “defensores” e “intercessores” representando-nos como bons advogados junto daquele que nos há-de julgar.

(ama, comentário sobre Lc 2, 8-14, 2013.06.10)

Leitura espiritual



Documentos do Concílio Vaticano II

CONSTITUIÇÃO PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL

II PARTE

ALGUNS PROBLEMAS MAIS URGENTES

CAPÍTULO I

A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO E DA FAMÍLIA

O amor conjugal

49. A Palavra de Deus convida repetidas vezes os noivos a alimentar e robustecer o seu noivado com um amor casto, e os esposos a sua união com um amor indiviso 10. E também muitos dos nossos contemporâneos têm em grande apreço o verdadeiro amor entre marido e mulher, manifestado de diversas maneiras, de acordo com os honestos costumes dos povos e dos tempos. Esse amor, dado que é eminentemente humano - pois vai de pessoa a pessoa com um afecto voluntário - compreende o bem de toda a pessoa e, por conseguinte, pode conferir especial dignidade às manifestações do corpo e do espírito, enobrecendo-as como elementos e sinais peculiares do amor conjugal. E o Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de graça e caridade. Unindo o humano e o divino, esse amor leva os esposos ao livre e recíproco dom de si mesmos, que se manifesta com a ternura do afecto e, com as obras, e penetra toda a sua vida 11; e aperfeiçoa-se e aumenta pela sua própria generosa actuação. Ele transcende, por isso, de longe a mera inclinação erótica, a qual, fomentada egoisticamente, rápida e miseràvelmente se desvanece.

Este amor tem a sua expressão e realização peculiar no acto próprio do matrimónio. São, portanto, honestos e dignos os actos pelos quais os esposos se unem em intimidade e pureza; realizados de modo autenticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro na alegria e gratidão. Esse amor, ratificado pela promessa de ambos e, sobretudo, sancionado pelo sacramento de Cristo, é indissoluvelmente fiel, de corpo e de espírito, na prosperidade e na adversidade; exclui, por isso, toda e qualquer espécie de adultério e divórcio. A unidade do matrimónio, confirmada pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor. Mas, para cumprir com perseverança os deveres desta vocação cristã, requer-se uma virtude notável; por este motivo, hão-de os esposos, fortalecidos pela graça para levarem uma vida de santidade, cultivar assiduamente e impetrar com a oração a fortaleza do próprio amor, a magnanimidade e o espírito de sacrifício.

O autêntico amor conjugal será mais apreciado, e formar-se-á a seu respeito uma sã opinião pública, se os esposos cristãos derem um testemunho eminente de fidelidade e harmonia e de solicitude na educação dos filhos e se participarem na necessária renovação cultural, psicológica e social em favor do casamento e da família. Os jovens devem ser conveniente e oportunamente instruídos, sobretudo no seio da própria família, acerca da dignidade, missão e exercício do amor conjugal. Deste modo, educados na castidade, poderão, chegada a idade conveniente, entrar no casamento depois dum noivado puro.

A fecundidade do matrimónio

50. O matrimónio e o amor conjugal ordenam-se por sua própria natureza à geração e educação da prole. Os filhos são, sem dúvida, o maior dom do matrimónio e contribuem muito para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse «não é bom que o homem esteja só» (Gén. 2,88) e que «desde a origem fez o homem varão e mulher» (Mt. 19,14), querendo comunicar-lhe uma participação especial na Sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: «sede fecundos e multiplicai-vos» (Gén. 1,28). Por isso, o autêntico cultivo do amor conjugal, e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do criador e salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a sua família.

Os esposos sabem que no dever de transmitir e educar a vida humana - dever que deve ser considerado como a sua missão específica - eles são os cooperadores do amor de Deus criador e como que os seus intérpretes. Desempenhar-se-ão, portanto, desta missão com a sua responsabilidade humana e cristã; com um respeito cheio de docilidade para com Deus, de comum acordo e com esforço comum, formarão rectamente a própria consciência, tendo em conta o seu bem próprio e o dos filhos já nascidos ou que prevêem virão a nascer, sabendo ver as condições de tempo e da própria situação e tendo, finalmente, em consideração o bem da comunidade familiar, da sociedade temporal e da própria Igreja. São os próprios esposos que, em última instância, devem diante de Deus tomar esta decisão. Mas, no seu modo de proceder, tenham os esposos consciência de que não podem agir arbitrariamente, mas que sempre se devem guiar pela consciência, que se deve conformar com a lei divina, e ser dóceis ao magistério dia Igreja, que autenticamente a interpreta à luz do Evangelho. Essa lei divina manifesta a plena significação do amor conjugal, protege-o e estimula-o para a sua perfeição autenticamente humana. Assim, os esposos cristãos, confiados na divina Providência e cultivando o espírito de sacrifício 12, dão glória ao Criador e caminham para a perfeição em Cristo quando se desempenham do seu dever de procriar com responsabilidade generosa, humana e cristã. Entre os esposos que deste modo satisfazem à missão que Deus lhes confiou, devem ser especialmente lembrados aqueles que, de comum acordo e com prudência, aceitam com grandeza de ânimo educar uma prole numerosa 13.

No entanto, o matrimónio não foi instituído só em ordem à procriação da prole. A própria natureza da aliança indissolúvel entre as pessoas e o bem da prole exigem que o mútuo amor dos esposos se exprima convenientemente, aumente e chegue à maturidade. E por isso, mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimónio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida.

O amor conjugal e o respeito pela vida humana

51. O Concílio não ignora que os esposos, na sua vontade de conduzir harmònicamente a própria vida conjugal, encontram frequentes dificuldades em certas circunstâncias da vida actual; que se podem encontrar em situações em que, pelo menos temporariamente, não lhes é possível aumentar o número de filhos e em que só dificilmente se mantêm a fidelidade do amor e a plena comunidade de vida. Mas quando se suspende a intimidade da vida conjugal, não raro se põe em risco a fidelidade e se compromete o bem da prole; porque, nesse caso, ficam ameaçadas tanto a educação dos filhos como a coragem necessária para ter mais filhos.

Não falta quem se atreva a dar soluções imorais a estes problemas, sem recuar sequer perante o homicídio. Mas a Igreja recorda que não pode haver verdadeira incompatibilidade entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e o desenvolvimento do autêntico amor conjugal.

Com efeito, Deus, senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis. A índole sexual humana e o poder gerador do homem, eles superam de modo admirável o que se encontra nos graus inferiores da vida; daqui se segue que os mesmos actos específicos da vida conjugal, realizados segundo a autêntica dignidade humana, devem ser objecto de grande respeito. Quando se trata, portanto, de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal. Segundo estes princípios, não é lícito aos filhos da Igreja adoptar, na regulação dos nascimentos, caminhos que o magistério, explicitando a lei divina, reprova 14.

Todos, finalmente, tenham bem presente que a vida humana e a missão de a transmitir não se limitam a este mundo, nem podem ser medidas ou compreendidas unicamente em função dele, mas que estão sempre relacionadas com o eterno destino do homem.

O progresso e a promoção do matrimónio e da família

52. A família é como que uma escola de valorização humana. Para que esteja em condições de alcançar a plenitude da sua vida e missão, exige, porém, a benévola comunhão de almas e o comum acordo dos esposos, e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos. A presença activa do pai contribui poderosamente para a formação destes; mas é preciso assegurar também a assistência ao lar por parte da mãe, da qual os filhos, sobretudo os mais pequenos, têm tanta necessidade; sem descurar, aliás, a legítima promoção social da mulher. Os filhos sejam educados de tal modo que, chegados à idade adulta, sejam capazes de seguir com inteira responsabilidade a sua vocação, incluindo a sagrada, e escolher um estado de vida; e, se casarem, possam constituir uma família própria, em condições morais, sociais e económicas favoráveis. Compete aos pais ou tutores guiar os jovens na constituição da família com prudentes conselhos que eles devem ouvir de bom grado; mas evitem cuidadosamente forçá-los, directa ou indirectamente, a casar-se ou a escolher o cônjuge.

A família - na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social - constitui assim o fundamento da sociedade. E por esta razão, todos aqueles que têm alguma influência nas comunidades e grupos sociais, devem contribuís eficazmente para a promoção do matrimónio e da família. A autoridade civil há-de considerar como um dever sagrado reconhecer, proteger e favorecer a sua verdadeira natureza, assegurar a moralidade pública e fomentar a prosperidade doméstica. Deve salvaguardar-se o direito de os pais gerarem e educarem os filhos no seio da família. Protejam-se também e ajudem-se convenientemente, por meio duma previdente legislação e com iniciativas várias, aqueles que por infelicidade não beneficiam duma família.

Os cristãos, resgatando o tempo presente 15, e distinguindo o que é eterno das formas mutáveis, promovam com empenho o bem do matrimónio e da família, com o testemunho da própria vida e cooperando com os homens de boa vontade; deste modo, superando as dificuldades, proverão às necessidades e vantagens da família, de acordo com os novos tempos. Para alcançar este fim, muito ajudarão o sentir cristão dos fiéis, a rectidão de consciência moral dos homens, bem como o saber e competência dos que se dedicam às ciências sagradas.

Os cientistas, particularmente os especialistas nas ciências biológicas, médicas, sociais e psicológicas, podem prestar um grande serviço para bem do matrimónio e da família se, juntando os seus esforços, procurarem esclarecer mais profundamente as condições que favorecem a honesta regulação da procriação humana.

Cabe aos sacerdotes, devidamente informados acerca das realidades familiares, auxiliar a vocação dos esposos na sua vida conjugal e familiar por vários meios pastorais, com a pregação da palavra de Deus, o culto litúrgico e outras ajudas espirituais; devem ainda fortalecê-los, com bondade e paciência, nas suas dificuldades e reconfortá-los com a caridade, para que assim se formem famílias verdadeiramente irradiantes.

As diferentes obras, sobretudo as associações de famílias, procurem fortalecer com a doutrina e a acção os jovens e os esposos, especialmente os casados de há pouco, e formá-los para a vida familiar, social e apostólica.

Finalmente, os próprios esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade 16 de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida 17, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição 18.
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Notas:
10. Cfr. Gén. 2, 22. 24; Prov. 5, 18-20; 31, 10-31; Tob. 8,4-8; Cant. 1, 2-3; 2,16; 4,16-5,1; 7, 8-11; 1 Cor. 7, 3-6; Ef. 5, 25-33.
11. Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 547-548; Denz.-Schön. 2232 (3707).
12. Cfr. 1 Cor. 7,5.
13. Cfr. Pio XII, Alocução Tra le visite, 20 janeiro 1958: AAS 50 (1958), p. 91.
14. Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 559-561: Denz.-Schön. 3716-3718; Pio XII, Alocução ao Congresso da União Italiana de parteiras, 29 de outubro 1951: AAS 43 (1951), p. 835-854; Paulo VI, Alocução ao Sacro Colégio, 23 junho 1964: AAS 56 (1964), p. 581-589. Certas questões que requerem outras investigações mais aprofundadas, foram confiadas, por mandato do Sumo Pontífice, a uma Comissão para o estudo da população, da família e da natalidade; uma vez terminados os seus trabalhos, o Sumo Pontífice pronunciará o seu juízo. No actual estado da doutrina do magistério, o sagrado Concílio não pretende propor imediatamente soluções concretas.
15. Cfr. Ef. 5,16; Col. 4,5.
16. Cfr. Sacramentarium Gregorianum: PL 78, 262.
17. Cfr. Rom. 5,15 e 18; 6 5-11; Gál. 2,20.
18. Cfr. Ef. 5, 25-27.