13/07/2014

Migalhas para o Caminho


Rainha da paz, roga por nós!

Santa Maria é (e assim a invoca a Igreja) a Rainha da paz. Por isso, quando se agitar a tua alma, ou o ambiente familiar ou profissional, a convivência na sociedade ou entre os povos, não cesses de aclamá-la com esse título: "Regina pacis, ora pro nobis!", Rainha da paz, roga por nós! Experimentaste-o alguma vez, quando perdeste a tranquilidade?... Surpreender-te-ás com a sua imediata eficácia. (Sulco, 874)

Não há paz em muitos corações que tentam em vão compensar a intranquilidade da alma com a distracção contínua, com a pequena satisfação dos bens que não saciam, porque deixam sempre o travo amargo da tristeza. (...)


Cristo, que é a nossa paz, é também o Caminho. Se queremos a paz, temos de seguir os seus passos. A paz é consequência da guerra, da luta, dessa luta ascética, íntima, que cada cristão deve sustentar contra tudo aquilo que, na sua vida, não é de Deus: contra a soberba, a sensualidade, o egoísmo, a superficialidade, a estreiteza do coração. É inútil clamar pelo sossego exterior se falta tranquilidade nas consciências, no fundo da alma, porque é do coração que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias. (Cristo que passa, 73)

Pequena agenda do cristão

DOMINGO



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)





Propósito:
Viver a família.

Senhor, que a minha família seja um espelho da Tua Família em Nazareth, que cada um, absolutamente, contribua para a união de todos pondo de lado diferenças, azedumes, queixas que afastam e escurecem o ambiente. Que os lares de cada um sejam luminosos e alegres.

Lembrar-me:
Cultivar a Fé.

São Tomé, prostrado a Teus pés, disse-te: Meu Senhor e meu Deus!
Não tenho pena nem inveja de não ter estado presente. Tu mesmo disseste: Bem-aventurados os que crêem sem terem visto.
E eu creio, Senhor.
Creio firmemente que Tu és o Cristo Redentor que me salvou para a vida eterna, o meu Deus e Senhor a quem quero amar com todas as minhas forças e, a quem ofereço a minha vida. Sou bem pouca coisa, não sei sequer para que me queres mas, se me crias-te é porque tens planos para mim. Quero cumpri-los com todo o meu coração.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Temas para meditar - 174

Virtudes sobrenaturais

A fé, a esperança e a caridade: virtudes sobrenaturais, que só Deus pode infundir nas almas e só Ele pode intensificar. Mas isso não significa que a recepção destes dons divinos exima da colaboração pessoal, porque em todos os Seus planos jamais o Omnipotente impõe o Seu amor. (...) Por isso, normalmente, dispõe que a Sua acção inefável seja acolhida e acompanhada pelo esforço da criatura: admiremo-nos ante a categoria que nos atribui.


(JAVIER ECHEVARRÍA, Carta aos fiéis da Prelatura do Opus Dei, Ano da Eucaristia, Roma 2004.10.06)

Tratado da lei 52

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 8 — Se os preceitos do decálogo admitem dispensa.

(Supra, q. 94, a. 5, ad 2.; IIª-IIae., q. 104, a. 5, ad 2; Sent., dist. XLVII, a.4; III, dist. XXXVII, a. 4; De Malo, q. 3, a. 1, ad 17; q, 15, a. 1, ad 8).

O oitavo discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo admitem dispensa.

1. — Pois, os preceitos do decálogo são de direito natural. Ora, o justo natural admite, em certos casos, excepções e é mutável, assim como a natureza humana, no dizer do Filósofo. Ora, a deficiência da lei, em certos casos particulares, é a razão da dispensa, como já se disse (q. 96, a. 6; q. 97, a. 4). Logo, os preceitos do decálogo admitem dispensa.

2. Demais. — O homem está para a lei humana como Deus para a lei divina. Ora, o homem pode ser dispensado do preceito legal, que ele mesmo estabeleceu. Logo, tendo sido os preceitos do decálogo instituídos por Deus, resulta que Deus pode dispensar neles. Ora, os prelados desempenham, na terra, o papel de Deus, conforme o Apóstolo (2 Cor 2, 10): pois eu também, se dei alguma coisa, foi por amor de vós em pessoa de Cristo. Logo, também os prelados podem dispensar nos preceitos do decálogo.

3. Demais. — Entre os preceitos do decálogo está incluída a proibição do homicídio. Ora, os homens podem dispensar neste preceito; assim quando, segundo os preceitos da lei humana, alguns, como os malfeitores ou os inimigos da pátria, são mortos licitamente. Logo, os preceitos do decálogo admitem dispensa.

4. Demais. — A observância do Sábado está contida entre os preceitos do decálogo. Ora, houve dispensa neste preceito, conforme a Escritura (1 Mc 2, 4): Tomaram naquele dia esta resolução dizendo: Todo homem, quem quer que ele seja, que nos atacar em dia de Sábado, não façamos dificuldade de pelejar contra ele. Logo, os preceitos do decálogo admitem dispensa.

Mas, em contrário, na Escritura (Is 24, 5), alguns são censurados porque mudaram o direito, romperam a aliança sempiterna; e isto se deve entender sobretudo dos preceitos do decálogo. Logo, estes não podem sofrer mudança por dispensa.

Como já se disse (q. 96, a. 6; q. 97, a. 4), deve-se dispensar nos preceitos, quando ocorrer algum caso particular, em que, observadas as palavras da lei, contrariar-se-ia a intenção do legislador. Ora, a intenção de qualquer legislador ordena-se, primeiro e principalmente, para o bem comum; e segundo, para a ordem da justiça e da virtude, pela qual se conserva o bem comum e a ele se chega. Portanto, se estabelecerem preceitos conducentes à própria conservação do bem comum, ou, à própria ordem da justiça e da virtude, tais preceitos exprimem a intenção do legislador, e portanto não admitem dispensa. Por exemplo, se uma comunidade estabelecesse como preceito, que ninguém deve destruir a república, nem entregar a cidade aos inimigos; ou que ninguém deve fazer nada de injusto ou de mal, tais preceitos não admitiriam dispensa. Mas se estabelecesse outros, ordenados para estes, que lhes determinassem alguns modos especiais, estes poderiam admitir dispensa, quando a omissão deles, em certos casos particulares, não prejudicasse os primeiros, expressivos da intenção do legislador. Assim se, para a conservação da república, uma cidade estabelecesse que alguns, de cada aldeia, velassem pela guarda da outra cidade sitiada, poderiam alguns ser disso dispensados, em vista de uma utilidade maior.

Ora, os preceitos do decálogo exprimem a própria intenção de Deus legislador. Pois, os da primeira tábua, que ordenam para ele, contêm a própria ordem para o bem comum e final, que é Deus. E os da segunda, a ordem da justiça a ser observada entre os homens, de modo que, p. ex., a ninguém se faça o que se lhe não deve fazer, e a cada um seja pago o devido; pois, a esta luz é que devem ser entendidos os preceitos do decálogo. Logo, esses preceitos são absolutamente indispensáveis.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O Filósofo não se refere ao justo natural, que contém a própria ordem da justiça; pois, a observância da justiça não admite nenhuma excepção. Mas refere-se a determinados modos de observá-la, que sofrem excepção, em alguns casos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz o Apóstolo (2 Tm 2, 13), Deus permanece fiel, não pode negar-se a si mesmo. Ora, negar-se-ia a si mesmo, se, sendo a própria justiça, ele próprio lhe eliminasse a ordem. Portanto, Deus não pode dispensar o homem de tender ordenadamente para si, ou de sujeitar-se à ordem da sua justiça, mesmo, em matéria conducente a os homens se ordenarem uns para os outros.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O decálogo proíbe matar outrem, na medida em que esse acto tem natureza de indébito; pois, então, esse preceito exprime a própria essência da justiça. Ora, a lei humana não pode conceder seja lícito matar alguém indevidamente. Não é porém indevido matar os malfeitores ou os inimigos da república. Por isso, tal não contraria ao preceito do decálogo; nem tal morte constitui o homicídio proibido pelo preceito, como diz Agostinho. E semelhantemente, privar do seu a quem devidamente deve ser privado não é o furto nem a rapina proibidos pelo preceito do decálogo. Por isso, quando os filhos de Israel, por preceito de Deus, espoliaram os egípcios, não cometeram furto; pois deviam fazê-lo por sentença divina. — Semelhantemente, quando Abraão consentiu em matar o filho, não consentiu num homicídio, porque devia matá-lo, por mandado de Deus, senhor da vida e da morte. Pois, Ele é quem infligiu a pena de morte a todos os homens, justos e injustos, por causa do pecado do primeiro pai. E o homem que for executor de tal sentença, por autoridade divina, não será homicida, como Deus não o é. — Do mesmo modo ainda, Oséas, tendo tido relação com uma esposa fornicária ou uma mulher adúltera, não cometeu adultério nem fornicou; porque buscou a que era sua por ordem de Deus, autor da instituição do matrimónio. — Assim pois, os referidos preceitos do decálogo, quanto à razão de justiça que contêm, são imutáveis. Mas, são mutáveis no tocante a alguma determinação, quando se aplicam a casos particulares, p. ex., quanto a saber-se se há ou não homicídio, furto ou adultério. E isso só pela autoridade divina, no caso do que só por Deus foi instituído, como o matrimónio e instituições semelhantes; ora, também por autoridade humana, em matéria cometida à jurisdição dos homens; pois, estes governam em nome de Deus, neste ponto, e não em relação a tudo.

RESPOSTA À QUARTA. — A resolução de que se trata foi, antes, interpretação, que dispensa no preceito. Pois, não se considera como violador do Sábado quem obra por necessidade da salvação humana, como o Senhor o mostra (Mt 12, 3 ss).

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho, Comentário Leitura espiritual (Uniões homossexuais


Tempo comum XV Semana


Evangelho: Mt 13 1-9

1 Naquele dia, saindo Jesus de casa, sentou-Se à beira do mar. 2 E juntou-se em volta d'Ele uma grande multidão de gente, de tal modo que foi preciso entrar numa barca e sentar-Se nela; e toda a multidão estava em pé na praia. 3 E disse-lhes muitas coisas por parábolas: «Eis que um semeador saiu a semear. 4 Quando semeava, uma parte da semente caiu ao longo do caminho; e vieram as aves do céu e comeram-na. 5 Outra parte caiu em lugar pedregoso, onde não havia muita terra; e nasceu logo, porque não tinha profundidade de terra.6 Mas, saindo o sol, queimou-se; e, porque não tinha raiz, secou. 7 Outra parte caiu entre espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram. 8 Outra parte, enfim, caiu em boa terra, e frutificou; uns grãos deram cem por um, outros sessenta, outros trinta. 9 Quem tem ouvidos para ouvir, oiça».


Comentário:

Uma e outra vez, o Senhor assume essa identidade simpática, acolhedora do semeador.
Simpática porque é agradável depararmos com alguém que se dedica ao trabalho com constância e perseverança cheio de esperança nos frutos que hão-de surgir.
Acolhedora porque não faz acepção de pessoas nem ambientes, todos recebem a semente que distribui com largueza e liberalidade.

(AMA, comentário sobre Mt 13, 1-9, 2011.07.19)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROJECTOS DE RECONHECIMENTO LEGAL DAS UNIÕES ENTRE PESSOAS HOMOSSEXUAIS

INTRODUÇÃO

1. Diversas questões relativas à homossexualidade foram recentemente tratadas várias vezes pelo Santo Padre João Paulo II e pelos competentes Dicastérios da Santa Sé. 1 Trata-se, com efeito, de um fenómeno moral e social preocupante, inclusive nos Países onde ainda não se tornou relevante sob o ponto de vista do ordenamento jurídico. A preocupação é, todavia, maior nos Países que já concederam ou se propõem conceder reconhecimento legal às uniões homossexuais, alargando-o, em certos casos, mesmo à habilitação para adoptar filhos. As presentes Considerações não contêm elementos doutrinais novos; entendem apenas recordar os pontos essenciais sobre o referido problema e fornecer algumas argumentações de carácter racional, que possam ajudar os Bispos a formular intervenções mais específicas, de acordo com as situações particulares das diferentes regiões do mundo: intervenções destinadas a proteger e promover a dignidade do matrimónio, fundamento da família, e a solidez da sociedade, de que essa instituição é parte constitutiva. Têm ainda por fim iluminar a actividade dos políticos católicos, a quem se indicam as linhas de comportamento coerentes com a consciência cristã, quando tiverem de se confrontar com projectos de lei relativos a este problema. 2 Tratando-se de uma matéria que diz respeito à lei moral natural, as seguintes argumentações são propostas não só aos crentes, mas a todos os que estão empenhados na promoção e defesa do bem comum da sociedade.

I. NATUREZA E CARACTERÍSTICAS IRRENUNCIÁVEIS DO MATRIMÓNIO

2. O ensinamento da Igreja sobre o matrimónio e sobre a complementaridade dos sexos propõe uma verdade, evidenciada pela recta razão e reconhecida como tal por todas as grandes culturas do mundo. O matrimónio não é uma união qualquer entre pessoas humanas. Foi fundado pelo Criador, com uma sua natureza, propriedades essenciais e finalidades. 3 Nenhuma ideologia pode cancelar do espírito humano a certeza de que só existe matrimónio entre duas pessoas de sexo diferente, que através da recíproca doação pessoal, que lhes é própria e exclusiva, tendem à comunhão das suas pessoas. Assim se aperfeiçoam mutuamente para colaborar com Deus na geração e educação de novas vidas.

3. A verdade natural sobre o matrimónio foi confirmada pela Revelação contida nas narrações bíblicas da criação e que são, ao mesmo tempo, expressão da sabedoria humana originária, em que se faz ouvir a voz da própria natureza. São três os dados fundamentais do plano criador relativamente ao matrimónio, de que fala o Livro do Génesis.

Em primeiro lugar, o homem, imagem de Deus, foi criado «homem e mulher» (Gn 1, 27). O homem e a mulher são iguais enquanto pessoas e complementares enquanto homem e mulher. A sexualidade, por um lado, faz parte da esfera biológica e, por outro, é elevada na criatura humana a um novo nível, o pessoal, onde corpo e espírito se unem.

Depois, o matrimónio é instituído pelo Criador como forma de vida em que se realiza aquela comunhão de pessoas que requer o exercício da faculdade sexual. «Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe e unir-se-á à sua mulher e os dois tornar-se-ão uma só carne» (Gn 2, 24).

Por fim, Deus quis dar à união do homem e da mulher uma participação especial na sua obra criadora. Por isso, abençoou o homem e a mulher com as palavras: «Sede fecundos e multiplicai-vos» (Gn 1, 28. No plano do Criador, a complementaridade dos sexos e a fecundidade pertencem, portanto, à própria natureza da instituição do matrimónio.

Além disso, a união matrimonial entre o homem e a mulher foi elevada por Cristo à dignidade de sacramento. A Igreja ensina que o matrimónio cristão é sinal eficaz da aliança de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 32). Este significado cristão do matrimónio, longe de diminuir o valor profundamente humano da união matrimonial entre o homem e a mulher, confirma-o e fortalece-o (cf. Mt 19, 3-12; Mc 10, 6-9).

4. Não existe nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família. O matrimónio é santo, ao passo que as relações homossexuais estão em contraste com a lei moral natural. Os actos homossexuais, de facto, «fecham o acto sexual ao dom da vida. Não são fruto de uma verdadeira complementaridade afectiva e sexual. Não se podem, de maneira nenhuma, aprovar». 4

Na Sagrada Escritura, as relações homossexuais «são condenadas como graves depravações... (cf. Rm 1, 24-27; 1 Cor 6, 10; 1 Tm 1, 10). Desse juízo da Escritura não se pode concluir que todos os que sofrem de semelhante anomalia sejam pessoalmente responsáveis por ela, mas nele se afirma que os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados». 5 Idêntico juízo moral se encontra em muitos escritores eclesiásticos dos primeiros séculos, 6 e foi unanimemente aceite pela Tradição católica.

Também segundo o ensinamento da Igreja, os homens e as mulheres com tendências homossexuais «devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Deve evitar-se, para com eles, qualquer atitude de injusta discriminação». 7 Essas pessoas, por outro lado, são chamadas, como os demais cristãos, a viver a castidade. 8 A inclinação homossexual é, todavia, «objectivamente desordenada», 9 e as práticas homossexuais «são pecados gravemente contrários à castidade». 10

II. ATITUDES PERANTE O PROBLEMA DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

5. Em relação ao fenómeno das uniões homossexuais, existentes de facto, as autoridades civis assumem diversas atitudes: por vezes, limitam-se a tolerar o fenómeno; outras vezes, promovem o reconhecimento legal dessas uniões, com o pretexto de evitar, relativamente a certos direitos, a discriminação de quem convive com uma pessoa do mesmo sexo; nalguns casos, chegam mesmo a favorecer a equivalência legal das uniões homossexuais com o matrimónio propriamente dito, sem excluir o reconhecimento da capacidade jurídica de vir a adoptar filhos.

Onde o Estado assume uma política de tolerância de facto, sem implicar a existência de uma lei que explicitamente conceda um reconhecimento legal de tais formas de vida, há que discernir bem os diversos aspectos do problema. É imperativo da consciência moral dar, em todas as ocasiões, testemunho da verdade moral integral, contra a qual se opõem tanto a aprovação das relações homossexuais como a injusta discriminação para com as pessoas homossexuais. São úteis, portanto, intervenções discretas e prudentes, cujo conteúdo poderia ser, por exemplo, o seguinte: desmascarar o uso instrumental ou ideológico que se possa fazer de dita tolerância; afirmar com clareza o carácter imoral desse tipo de união; advertir o Estado para a necessidade de conter o fenómeno dentro de limites que não ponham em perigo o tecido da moral pública e que, sobretudo, não exponham as jovens gerações a uma visão errada da sexualidade e do matrimónio, que os privaria das defesas necessárias e, ao mesmo tempo, contribuiria para difundir o próprio fenómeno. Àqueles que, em nome dessa tolerância, entendessem chegar à legitimação de específicos direitos para as pessoas homossexuais conviventes, há que lembrar que a tolerância do mal é muito diferente da aprovação ou legalização do mal.

Em presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas ao matrimónio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo. Há que abster-se de qualquer forma de cooperação formal na promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas e, na medida possível, abster-se também da cooperação material no plano da aplicação. Nesta matéria, cada qual pode reivindicar o direito à objecção de consciência.

III. ARGUMENTAÇÕES RACIONAIS CONTRA O RECONHECIMENTO LEGAL DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

6. A compreensão das razões que inspiram o dever de se opor desta forma às instâncias que visem legalizar as uniões homossexuais exige algumas considerações éticas específicas, que são de diversa ordem.

De ordem relativa à recta razão

A função da lei civil é certamente mais limitada que a da lei moral. 11 A lei civil, todavia, não pode entrar em contradição com a recta razão sob pena de perder a força de obrigar a consciência. 12 Qualquer lei feita pelos homens tem razão de lei na medida que estiver em conformidade com a lei moral natural, reconhecida pela recta razão, e sobretudo na medida que respeitar os direitos inalienáveis de toda a pessoa. 13 As legislações que favorecem as uniões homossexuais são contrárias à recta razão, porque dão à união entre duas pessoas do mesmo sexo garantias jurídicas análogas às da instituição matrimonial. Considerando os valores em causa, o Estado não pode legalizar tais uniões sem faltar ao seu dever de promover e tutelar uma instituição essencial ao bem comum, como é o matrimónio.

Poderá perguntar-se como pode ser contrária ao bem comum uma lei que não impõe nenhum comportamento particular, mas apenas se limita a legalizar uma realidade de facto, que aparentemente parece não comportar injustiça para com ninguém. A tal propósito convém reflectir, antes de mais, na diferença que existe entre o comportamento homossexual como fenómeno privado, e o mesmo comportamento como relação social legalmente prevista e aprovada, a ponto de se tornar numa das instituições do ordenamento jurídico. O segundo fenómeno, não só é mais grave, mas assume uma relevância ainda mais vasta e profunda, e acabaria por introduzir alterações na inteira organização social, que se tornariam contrárias ao bem comum. As leis civis são princípios que estruturam a vida do homem no seio da sociedade, para o bem ou para o mal. «Desempenham uma função muito importante, e por vezes determinante, na promoção de uma mentalidade e de um costume». 14 As formas de vida e os modelos que nela se exprimem não só configuram externamente a vida social, mas ao mesmo tempo tendem a modificar, nas novas gerações, a compreensão e avaliação dos comportamentos. A legalização das uniões homossexuais acabaria, portanto, por ofuscar a percepção de alguns valores morais fundamentais e desvalorizar a instituição matrimonial.

De ordem biológica e antropológica

7. Nas uniões homossexuais estão totalmente ausentes os elementos biológicos e antropológicos do matrimónio e da família, que poderiam dar um fundamento racional ao reconhecimento legal dessas uniões. Estas não se encontram em condição de garantir de modo adequado a procriação e a sobrevivência da espécie humana. A eventual utilização dos meios postos à sua disposição pelas recentes descobertas no campo da fecundação artificial, além de comportar graves faltas de respeito à dignidade humana, 15 não alteraria minimamente essa sua inadequação.

Nas uniões homossexuais está totalmente ausente a dimensão conjugal, que representa a forma humana e ordenada das relações sexuais. Estas, de facto, são humanas, quando e enquanto exprimem e promovem a mútua ajuda dos sexos no matrimónio e se mantêm abertas à transmissão da vida.

Como a experiência confirma, a falta da bipolaridade sexual cria obstáculos ao desenvolvimento normal das crianças eventualmente inseridas no interior dessas uniões. Falta-lhes, de facto, a experiência da maternidade ou paternidade. Inserir crianças nas uniões homossexuais através da adopção significa, na realidade, praticar a violência sobre essas crianças, no sentido que se aproveita do seu estado de fraqueza para introduzi-las em ambientes que não favorecem o seu pleno desenvolvimento humano. Não há dúvida que uma tal prática seria gravemente imoral e pôr-se-ia em aberta contradição com o princípio reconhecido também pela Convenção internacional da ONU sobre os direitos da criança, segundo o qual, o interesse superior a tutelar é sempre o da criança, que é a parte mais fraca e indefesa.

De ordem social

8. A sociedade deve a sua sobrevivência à família fundada sobre o matrimónio. É, portanto, uma contradição equiparar à célula fundamental da sociedade o que constitui a sua negação. A consequência imediata e inevitável do reconhecimento legal das uniões homossexuais seria a redefinição do matrimónio, o qual se converteria numa instituição que, na sua essência legalmente reconhecida, perderia a referência essencial aos factores ligados à heterossexualidade, como são, por exemplo, as funções procriadora e educadora. Se, do ponto de vista legal, o matrimónio entre duas pessoas de sexo diferente for considerado apenas como um dos matrimónios possíveis, o conceito de matrimónio sofrerá uma alteração radical, com grave prejuízo para o bem comum. Colocando a união homossexual num plano jurídico análogo ao do matrimónio ou da família, o Estado comporta-se de modo arbitrário e entra em contradição com os próprios deveres.

Em defesa da legalização das uniões homossexuais não se pode invocar o princípio do respeito e da não discriminação de quem quer que seja. Uma distinção entre pessoas ou a negação de um reconhecimento ou de uma prestação social só são inaceitáveis quando contrárias à justiça. 16 Não atribuir o estatuto social e jurídico de matrimónio a formas de vida que não são nem podem ser matrimoniais, não é contra a justiça; antes, é uma sua exigência.

Nem tão pouco se pode razoavelmente invocar o princípio da justa autonomia pessoal. Uma coisa é todo o cidadão poder realizar livremente actividades do seu interesse, e que essas actividades que reentrem genericamente nos comuns direitos civis de liberdade, e outra muito diferente é que actividades que não representam um significativo e positivo contributo para o desenvolvimento da pessoa e da sociedade possam receber do Estado um reconhecimento legal especifico e qualificado. As uniões homossexuais não desempenham, nem mesmo em sentido analógico remoto, as funções pelas quais o matrimónio e a família merecem um reconhecimento específico e qualificado. Há, pelo contrário, razões válidas para afirmar que tais uniões são nocivas a um recto progresso da sociedade humana, sobretudo se aumentasse a sua efectiva incidência sobre o tecido social.

De ordem jurídica

9. Porque as cópias matrimoniais têm a função de garantir a ordem das gerações e, portanto, são de relevante interesse público, o direito civil confere-lhes um reconhecimento institucional. As uniões homossexuais, invés, não exigem uma específica atenção por parte do ordenamento jurídico, porque não desempenham essa função em ordem ao bem comum.

Não é verdadeira a argumentação, segundo a qual, o reconhecimento legal das uniões homossexuais tornar-se-ia necessário para evitar que os conviventes homossexuais viessem a perder, pelo simples facto de conviverem, o efectivo reconhecimento dos direitos comuns que gozam enquanto pessoas e enquanto cidadãos. Na realidade, eles podem sempre recorrer – como todos os cidadãos e a partir da sua autonomia privada – ao direito comum para tutelar situações jurídicas de interesse recíproco. Constitui porém uma grave injustiça sacrificar o bem comum e o recto direito de família a pretexto de bens que podem e devem ser garantidos por vias não nocivas à generalidade do corpo social. 17



IV. COMPORTAMENTOS DOS POLÍTICOS CATÓLICOS PERANTE LEGISLAÇÕES FAVORÁVEIS ÀS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

10. Se todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria. Na presença de projectos de lei favoráveis às uniões homossexuais, há que ter presentes as seguintes indicações éticas.

No caso que se proponha pela primeira vez à Assembleia legislativa um projecto de lei favorável ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, o parlamentar católico tem o dever moral de manifestar clara e publicamente o seu desacordo e votar contra esse projecto de lei. Conceder o sufrágio do próprio voto a um texto legislativo tão nocivo ao bem comum da sociedade é um acto gravemente imoral.

No caso de o parlamentar católico se encontrar perante uma lei favorável às uniões homossexuais já em vigor, deve opor-se-lhe, nos modos que lhe forem possíveis, e tornar conhecida a sua oposição: trata-se de um acto devido de testemunho da verdade. Se não for possível revogar completamente uma lei desse género, o parlamentar católico, atendo-se às orientações dadas pela Encíclica Evangelium vitae, «poderia dar licitamente o seu apoio a propostas destinadas a limitar os danos de uma tal lei e diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública», com a condição de ser «clara e por todos conhecida» a sua «pessoal e absoluta oposição» a tais leis, e que se evite o perigo de escândalo. 18 Isso não significa que, nesta matéria, uma lei mais restritiva possa considerar-se uma lei justa ou, pelo menos, aceitável; trata-se, pelo contrário, da tentativa legítima e obrigatória de proceder à revogação, pelo menos parcial, de uma lei injusta, quando a revogação total não é por enquanto possível.



CONCLUSÃO

11. A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula primária da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimónio, significaria, não só aprovar um comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num modelo para a sociedade actual, mas também ofuscar valores fundamentais que fazem parte do património comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade.

O Sumo Pontífice João Paulo II, na Audiência concedida a 28 de Março de 2003 ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito, aprovou as presentes Considerações, decididas na Sessão Ordinária desta Congregação, e mandou que fossem publicadas.

Roma, sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 3 de Junho de 2003, memória de São Carlos Lwanga e companheiros, mártires.

Joseph Card. Ratzinger
Prefeito

Angelo Amato, S.D.B.
Arcebispo titular de Sila
Secretário
________________________________-
Notas:
1 Cf. João Paulo II, Alocuções por ocasião da recitação do Angelus, 20 de Fevereiro de 1994 e 19 de Junho de 1994; Discurso aos participantes na Assembleia Plenária do Conselho Pontifício para a Família, 24 de Março de 1999; Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357-2359, 2396; Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona humana, 29 de Dezembro de 1975, n. 8; Carta sobre a cura pastoral das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986; Algumas Considerações sobre a Resposta a propostas de lei em matéria de não discriminação das pessoas homossexuais, 24 de Julho de 1992; Conselho Pontifício para a Família, Carta aos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa sobre a resolução do Parlamento Europeu em matéria de cópias homossexuais, 25 de Março de 1994; Família, matrimónio e «uniões de facto», 26 de Julho de 2000, n. 23.
2 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota doutrinal sobre algumas questões relativas ao empenho e comportamento dos católicos na vida política, 24 de Novembro de 2002, n. 4.
3 Cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 48.
4 Catecismo da Igreja Católica, n. 2357.
5 Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona humana, 29 de Dezembro de 1975, n. 8.
6 Cf. por exemplo, S. Policarpo, Carta aos Filipenses, V, 3; S. Justino, Primeira Apologia, 27, 1-4; Atenágoras, Súplica em favor dos cristãos, 34.
7 Catecismo da Igreja Católica, n. 2358; cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Carta sobre a cura pastoral das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986, n. 10.
8 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2359; Congregação para a Doutrina da Fé, Carta sobre a cura pastoral das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986, n. 12.
9 Catecismo da Igreja Católica, n. 2358.
10 Ibid., n. 2396.
11 Cf. João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 71.
12 Cf. ibid., n. 72.
13 Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I-II, q. 95, a. 2.
14 João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 90.
15 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987, II. A. 1-3.
16 Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 63, a. 1, c.
17 Deve, além disso, ter-se presente que existe sempre «o perigo de uma legislação, que faça da homossexualidade uma base para garantir direitos, poder vir de facto a encorajar uma pessoa com tendências homossexuais a declarar a sua homossexualidade ou mesmo a procurar um parceiro para tirar proveito das disposições da lei» (Congregação para a Doutrina da Fé, Algumas Considerações sobre a Resposta a propostas de lei em matéria de não discriminação das pessoas homossexuais, 24 de Julho de 1992, n. 14).
18 João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 73.