27/10/2014

Luta contra essa frouxidão

És tíbio se fazes preguiçosamente e de má vontade as coisas que se referem ao Senhor; se procuras com cálculo ou "manha" o modo de diminuir os teus deveres; se não pensas senão em ti e na tua comodidade; se as tuas conversas são ociosas e vãs; se não aborreces o pecado venial; se ages por motivos humanos. (Caminho, 331)

Luta contra essa frouxidão que te faz preguiçoso e desleixado na tua vida espiritual. – Olha que pode ser o princípio da tibieza..., e, na frase da Escritura, os tíbios, Deus os vomitará. (Caminho, 325)

Que pouco Amor de Deus tens quando cedes sem luta porque não é pecado grave! (Caminho, 328)


Como hás-de sair tu desse estado de tibieza, de lamentável languidez, se não empregas os meios? Lutas muito pouco e, quando te esforças, faze-lo como que zangado e com falta de gosto, quase com o desejo de que os teus fracos esforços não produzam efeito, para te justificares: para não te exigires e para que não te exijam mais. (Sulco, 146)

Abandono



Abandona-te cheio de confiança no seu seio materno, pede-Lhe que te alcance esta virtude (humildade) que Ela tanto apreciou; não tenhas medo de não ser atendido. Maria pedi-la-á para ti a esse Deus que eleva os humildes e reduz a nada os soberbos; e como Maria é omnipotente perto do seu Filho, será com toda a segurança ouvida.


(leão xiii Prática da humildade 56)

Tratado do verbo encarnado 12

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 6 — Se a natureza humana se uniu ao Verbo de Deus acidentalmente.

O sexto discute-se assim. — Parece que a natureza humana se uniu ao Verbo de Deus acidentalmente.

1. — Pois, diz o Apóstolo, do Filho de Deus, que foi reconhecido no hábito isto é, na condição como homem. Ora, o hábito acrescenta-se acidentalmente ao seu sujeito, quer consideremos o hábito como um dos dez predicamentos, quer como espécie de qualidade. Logo, a natureza humana se uniu acidentalmente ao Filho de Deus.

2. Demais. — Tudo o que se acrescenta a um ser completo, acidentalmente se lhe acrescenta, pois, chamamos acidente ao que pode existir ou não num sujeito sem que este por isso se corrompa. Ora, a natureza humana acrescenta-se temporalmente ao Filho de Deus, cujo ser é abete no perfeito. Logo, acidentalmente acrescenta-se-lhe.

3. Demais. — Tudo o que não pertence à natureza ou à essência de um ser lhe é acidente, porque tudo o que existe é substância ou acidente. Ora, a natureza humana não pertence à essência ou à natureza divina do Filho de Deus, porque não foi feita a união na natureza, como se disse. Logo, à natureza humana necessariamente o Filho de Deus se uniu por acidente.

4. Demais. — O instrumento une-se acidentalmente ao agente. Ora, a natureza humana em Cristo foi instrumento da divindade, pois, como diz Damasceno, a carne de Cristo foi o instrumento da sua divindade. Logo, parece que a natureza humana se uniu ao Filho de Deus acidentalmente.

Mas, em contrário, o que é predicado acidentalmente não predica a quididade, mas a quantidade ou a qualidade ou a existência modal. Se, pois, à natureza humana se uniu Cristo acidentalmente, quando se dissesse Cristo é homem, não se predicaria uma unidade, mas uma qualidade, uma quantidade ou uma existência modal. O que é contra um decreto de Alexandre Papa, que diz: Sendo Cristo Deus perfeito e homem perfeito, qual não é a temeridade de alguns que ousam dizer que Cristo não tem nenhuma quididade, enquanto homem?

Para responder com clareza à questão proposta, devemos saber que, sobre o mistério da união das duas naturezas em Cristo, apareceram duas heresias — Uma, a dos que confundem as naturezas, tal a de Eutíquio e de Diáscoro, ensinando que das duas naturezas se constituiu uma só natureza. E assim confessavam que Cristo tem duas naturezas, quase distintas antes da união, mas não existia em duas naturezas, quase cessada a distinção depois da união das naturezas. — Outra foi a heresia de Nestório e de Teodoro de Mopsueste, que separavam as pessoas. Assim, ensinavam ser uma a pessoa do Filho de Deus e outra, a do filho do homem, e essas as consideravam como entre si unidas, primeiro, segundo a habitação de uma na outra, isto é, enquanto o Verbo de Deus habitava nesse homem como templo. Segundo, quando à unidade de desejo isto é, enquanto a vontade do referido homem é sempre conforme à vontade do Verbo de Deus. Terceiro, pela operação, isto é, enquanto diziam ser esse homem o instrumento do Verbo de Deus. Quarto, pela dignidade da honra, enquanto toda honra prestada ao Filho de Deus o é ao mesmo tempo ao filho do homem, por causa da sua união com o Filho de Deus. Quinto, pela equivocação, isto é, pela comunicação dos nomes, isto é, enquanto dizemos que esse homem é Deus e Filho de Deus. Ora, como é manifesto, todos esses modos importam numa união acidental.

Porém, alguns mestres posteriores, pensando evitar essas heresias, nelas incidiram por ignorância. — Assim, uns deles concediam a unidade da pessoa de Cristo, mas admitiam duas hipóstases ou dois supostos, dizendo que o Verbo de Deus assumiu um homem composto de corpo e alma desde o princípio da sua concepção. E esta é a primeira opinião enumerada pelo Mestre das Sentenças. — Mas outros querendo salvar a unidade da pessoa, ensinavam que a alma de Cristo não estava unida ao corpo, mas que ambos separados um do outro, estavam unidos ao Verbo acidentalmente, de modo que assim não aumentava o número das pessoas, e esta é a terceira opinião enumerada no mesmo lugar pelo Mestre das Sentenças.

Ora, ambas opiniões incidem na heresia de Nestório. — A primeira, porque o mesmo é atribuir duas hipóstases ou dois supostos a Cristo e lhe atribuir duas pessoas, como dissemos acima. E se se apoiarem na expressão — pessoa — devemos notar que também Nestório admitia a unidade de pessoa por causa da unidade da dignidade da honra. Por isso o Quinto Sínodo determinou como anátema quem disse ser uma só pessoa pela dignidade, pela honra e pela do ração, como, na sua insânia, escreveu Teodoro juntamente com Nestório. — Quanto à outra opinião, ela incide no erro de Nestório quanto à admissão da união acidental. Pois, não há diferença entre dizer que o Verbo de Deus se unia a Cristo homem, por habitar neste como num templo, segundo ensinava Nestório, e dizer que o Verbo se uniu ao homem por se ter dele revestido como de uma roupagem, como o ensina a terceira opinião. A qual professa mesmo uma doutrina pior que a de Nestório, a saber, que a alma e o corpo não estão unidos.

Mas a fé católica, tomando uma posição média entre as referidas, não diz que a união de Deus e do homem foi feita segundo a essência ou a natureza, nem de modo acidental, mas, de um modo médio, segundo a subsistência ou a hipóstase. Por isso lemos no Quinto Sínodo: Sendo a unidade susceptível de muitas acepções, os sequazes da impiedade de Apolinário e de Eutiquio, operando a destruição de coisas que estavam unidas, isto é, suprimindo uma e outra natureza, concebiam a união como confusão, ao passo que os sequazes de Teodoro e de Nestório, comprazendo-se na divisão introduzem a unidade de afeição. Mas a santa Igreja de Deus, rejeitando a impiedade de uma e outra perfídia, confessa a união do Verba de Deus com a carne segundo a composição, que se funda na subsistência. Por onde é claro que a segunda das três opiniões enumeradas pelo Mestre das Sentenças, que afirma a unidade da hipóstase de Deus e do homem, não se há de considerar opinião, mas sentença da fé Católica. Também semelhantemente, a primeira opinião, que admite duas hipóstases, e a terceira, que admite a união acidental, não se devem considerar opiniões, mas heresias condenadas nos concílios pela Igreja.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como diz Damasceno, uma semelhança não implica igualdade completa e total, pois, o que é em tudo semelhante, é igual, não é semelhante, e sobretudo na ordem divina, assim, é impossível encontrar igualdade na Teologia, isto é, na divindade das pessoas, e na Dispensação, isto é, no mistério da Encarnação. Donde, a natureza humana de Cristo é comparável a um hábito, isto é, a um vestido, não pela união acidental, mas porque o Verbo é visível pela natureza humana como o homem pelo seu vestido. E também porque o vestido se muda, por ser feito segundo a figura de quem o veste, mas que nem por isso muda a sua forma por causa da roupa que veste, e semelhantemente, a natureza humana assumida pelo Verbo de Deus melhorou, sem que o Verbo de Deus se tenha mudado, como expõe Agostinho.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que se une a um ser completo, acidentalmente se lhe une a menos que não seja levado à comunhão com esse ser completo. Assim, na ressurreição o corpo se une à alma preexistente, mas não, acidentalmente, pois, é assumida numa identidade de assistência, de modo que o corpo recebe da alma o seu ser vital. Mal, tal não se dá com a brancura, pois, uma coisa é o ser da brancura, e outra o do homem a que se ela acrescenta. Ora, o Verbo de Deus já tinha abeterno o seu ser completo, segundo a hipóstase ou pessoa, mas, temporalmente se uniu à natureza humana, não que esta fosse assumida numa unidade de ser, quanto à natureza, como o corpo está unido à alma, mas, numa unidade de ser quanto à hipóstase ou pessoa. Donde, a natureza humana não está unida acidentalmente ao Filho de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O acidente divide-se por contrariedade, da substância. Ora, a substância, como diz Aristóteles, é susceptível de dupla acepção: numa, é tomada como essência ou natureza, noutra, como suposto ou hipóstase. Por onde, basta para a união não ser acidental, que ela se faça segundo a hipóstase, embora não se tenha feito segundo a natureza.

RESPOSTA À QUARTA. — Nem todo o assumido como instrumento pertence à hipóstase do que assume, como o demonstra o machado e a espada. Mas, nada impede que o assumido na unidade da hipóstase se comporte como instrumento, como o corpo do homem ou os seus membros. Ora, Nestório ensinava que a natureza humana foi assumida pelo Verbo, só a modo de instrumento, mas não, na unidade da hipóstase. Donde, não concedia que Cristo homem fosse verdadeiramente Filho de Deus, mas, instrumento seu. Por isso ensina Cirilo: A Escritura diz que este Emanuel, isto é, Cristo, foi assumido não para exercer a função de instrumento, mas como Deus verdadeiramente humanado, isto é feito homem. - Quanto a Damasceno, ensinou que a natureza humana em Cristo era um como instrumento pertencente à unidade da hipóstase.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment., leit. espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXX Semana

Evangelho: Lc 3 10-17

10 As multidões interrogavam-no, dizendo: «Que devemos, pois, nós fazer?». 11 Respondendo, dizia-lhes: «Quem tem duas túnicas, dê uma ao que não tem; e quem tem que comer, faça o mesmo». 12 Foram também publicanos, para serem baptizados, e disseram-lhe: «Mestre, que devemos nós fazer?». 13 Ele respondeu-lhes: «Não exijais nada além do que vos está fixado». 14 Interrogavam-no também os soldados: «E nós, que faremos?». Respondeu-lhes: «Não façais violência a ninguém, nem denuncieis falsamente, e contentai-vos com o vosso soldo». 15 Estando o povo na expectativa e pensando todos nos seus corações que talvez João fosse o Cristo, 16 João respondeu, dizendo a todos: «Eu, na verdade, baptizo-vos em água, mas virá um mais forte do que eu, a Quem não sou digno de desatar as correias das sandálias; Ele vos baptizará no Espírito Santo e no fogo; 17 tomará na Sua mão a pá, limpará a Sua eira e recolherá o trigo no Seu celeiro, mas a palha queimá-la-á num fogo inextinguível».

Comentário:
 
Por aqui se pode ver que João é considerado como alguém a quem recorrer pelas pessoas desejosas de levar uma vida correcta, fazer o que está certo e, com isso, alcançarem as graças de Deus.

Pessoas de todas as condições sociais e com os mais variados misteres que, mais tarde, Jesus há-de considerar como «ovelhas perdidas e sem pastor», encontram em João as respostas às suas dúvidas e incertezas.

A Lei de Deus tal como era conduzida e imposta pelos chefes do povo, os Príncipes dos Sacerdotes e os anciãos que se consideravam a eles próprios como os legítimos detentores da verdade de Lei, tinha chegado a um ponto tal de exageros e prescrições que se tornara uma «carga insuportável» para os judeus de boa cepa.

E, o Baptista, não deixa a ninguém sem resposta, uma orientação, um conselho e, também, um aviso a levar muito a sério: preparar o caminho, as almas, os corações para a vinda eminente do Salvador arrependendo-se e mudando de vida.

(ama, comentário sobre Lc 3, 10-18, 2012.12.16)


Leitura espiritual


HISTÓRIA DE UMA ALMA


Santa Teresinha do Menino Jesus


Manuscrito "A" - Parte I

…/3

Aconteceu-me, mais uma vez, outra peripécia com Vitória, mas não tive nenhum arrependimento, pois conservei perfeitamente minha serenidade. - Desejava ter um tinteiro que se encontrava em cima da chaminé da cozinha. Sendo muito pequena para o tomar, pedi à Vitória muito delicadamente mo entregasse, mas ela o recusou e mandou-me subir numa cadeira. Sem dizer nada, tomei, a cadeira, mas a pensar que não era atenciosa. Querendo fazer que o sentisse, busquei em minha cabecinha o que mais me ofendia. Quando se aborrecia comigo, ela chamava-me de "pirralhinho", o que muito me humilhava. Então, antes de pular da minha cadeira abaixo, virei-me com dignidade e disse-lhe: "Vitória, sois um pirralho!" Depois escapei dali, deixando que meditasse a profunda declaração que eu acabava de fazer-lhe... A reação não se fez esperar. Logo a escutei, que esbravejava: "Senhorita Maria... a Teresa acaba de dizer-me que não passo de um pirralho!" Veio Maria e obrigou-me a pedir perdão, o que, porém, fiz sem contrição, por achar merecido o título de pirralho, uma vez que não quis estender seu grande braço para me prestar um pequeno serviço... Entanto, ela me queria muito, e também eu gostava muito dela. Um dia, tirou-me de grande risco em que caíra por culpa minha. Estava Vitória a passar roupa, e tinha ao lado um balde com água dentro. Eu, porém, olhava para ela a balouçar-me numa cadeira (e era hábito meu), e de repente me escapa a cadeira e caio, não no chão, mas no fundo o balde!... Os pés tocavam na cabeça, e eu abarrotava o balde como o pintinho abarrota o ovo!... A pobre da Vitória contemplava-me com um extremo de surpresa, pois nunca tinha visto situação igual. Tinha todo o empenho de safar-me quanto antes do meu balde, cousa que resultava impossível. Minha prisão era tão ajustada que eu não lograva fazer nenhum movimento. Com um pouco de dificuldade, ela salvou-me do meu grande perigo, mas não salvou minha roupa e tudo o mais, de sorte que tive de trocar a roupa, pois estava molhada que nem um pinto.

Outra ocasião caí dentro da lareira. Felizmente o fogo não estava aceso. Vitória não teve senão o incômodo de levantar-me e sacudir a cinza de que ficara coberta. Foi numa quarta-feira, quando estáveis no ensaio de canto com Maria, que todos esses reveses me aconteceram. Foi também numa quarta-feira que o Pe. Ducellier veio visitar-nos. Como Vitória lhe dissesse que não havia ninguém em casa senão Teresinha, ele entrou na cozinha para me visitar e olhou minhas lições. Muito desvanecida fiquei em receber meu confessor, porque pouco tempo antes me tinha confessado pela primeira vez. Que suave lembrança para mim!...

Ó minha Mãe querida! com que solicitude me preparastes, quando me explicastes que não era a um homem, mas ao Bom Deus que iria contar meus pecados. Disto estava tão convicta, que fiz minha confissão com grande espírito de fé, e cheguei até a perguntar-vos, se não seria mister referir ao Padre Ducellier que o amava de todo o meu coração, pois que em sua pessoa era ao Bom Deus que ia falar...

Bem instruída a respeito de tudo quanto devia fazer e dizer, entrei no confessionário e pus-me de joelhos. Quando, porém, abriu o postigo, Padre Ducellier não enxergou ninguém. Era tão pequena, que a cabeça não alcançava o parapeito, onde se apóiam as mãos. Então mandou-me ficar de pé. Obedecendo imediatamente, levantei-me e postei-me bem na frente dele para o ver melhor. Fiz minha confissão como se fosse uma menina grande e recebi sua bênção com grande devoção, porque me havíeis explicado que, nesse momento, as lágrimas do Menino Jesus purificariam minha alma. Lembro-me de que a primeira exortação que me foi feita, incitava-me principalmente a ter devoção à Santíssima Virgem, e prometi a mim mesma redobrar minha ternura para com ela. Ao sair do confessionário estava tão contente e lépida, como jamais sentira tamanha alegria na alma. Depois, tornava a confessar-me em todas as grandes festas litúrgicas, e para mim era cada vez um verdadeiro gozo, quando o fazia.

Os dias santos!... Ah! quantas recordações não desperta esta palavra! Os dias santos, como os amava!... Vós, minha querida Mãe, sabíeis explicar-me tão bem todos os mistérios ocultos em cada um deles, que para mim eram verdadeiramente dias do Céu. Gostava mormente das procissões do Santíssimo Sacramento. Que alegria espalhar flores aos pés do Bom Deus!... Antes, porém, de deixá-las cair, atirava-as o mais alto que podia, e nunca me dava por tão feliz como na ocasião que via minhas rosas desfolhadas tocarem no sagrado Ostensório...

Os dias santos! Ah! se os grandes eram raros, cada semana trazia de novo um muito chegado ao meu coração: "o Domingo!" Que dia grande, o Domingo!...

Era o dia santo do Bom Deus, o dia santo do repouso. Primeiro ficava nanando mais tempo do que nos outros dias, e depois mamãe Paulina mimava sua filhinha, quando lhe servia o chocolate em sua dormida, e ato contínuo a vestia como uma rainhazinha... Vinha a madrinha fazer o penteado da afilhada. Esta nem sempre ficava quietinha, quando lhe assentavam o cabelo, mas depois tinha toda a satisfação de ir pegar a mão de seu Rei que, em tal dia, lhe dava um abraço mais afectuoso do que de ordinário, pois toda a família se movimentava para a Missa. Em todo o trajeto do caminho, e mesmo dentro da igreja, a "Rainhazinha do Papai" dava-lhe a mão. Tomava lugar ao lado dele, e quando nos víamos obrigados a chegar mais adiante para o sermão, era preciso ainda encontrar dois assentos, um ao lado do outro. Não se tornava muito difícil. Toda a gente parecia achar tão amorável ver um ancião tão imponente com uma filha tão pequenina, que as pessoas não se incomodavam em ceder seus lugares. Meu tio que ficava nos bancos dos fabriqueiros, alegrava-se quando nos via chegar. Dizia ser eu seu mimoso raio de Sol... Por mim, não me inquietava de ser alvo de olhares. Ouvia muito atenta os sermões, dos quais, aliás, não alcançava muita cousa. O primeiro que entendi, e que me comoveu profundamente foi um sermão sobre a Paixão, pregado pelo Padre Ducellier. Dali por diante entendi todos os outros sermões. Quando o pregador falava de Santa Teresa, papai curvava-se para me dizer baixinho: "Escuta bem, minha rainhazinha, ele fala de tua Santa Padroeira". Realmente, estava escutando bem, mas olhava mais vezes para o papai do que para o pregador. Seu belo semblante dizia-me tantas coisas!... Por vezes, seus olhos marejavam-se de lágrimas. Em vão procurava sopitá-las. Parecia estar já desligado da terra, tanto sua alma gostava de imergir nas verdades eternas... Sua carreira, porém, estava longe do termo final. Longos anos deviam passar, antes que o belo Céu se abrisse a seus olhos embevecidos, e o Senhor enxugasse as lágrimas do seu bom e fiel servidor!...

Mas, novamente torno ao meu dia de Domingo. Esse dia de gozo que passava tão depressa, tinha seu toque de melancolia. Lembra-me que, até a hora de Completas, minha felicidade era sem travo algum. Durante essa hora canónica, vinha-me o pensamento de que o dia de repouso ia terminar... que no dia seguinte seria necessário recomeçar a vida, trabalhando, aprendendo lições, e o coração sentia o exílio da terra... Suspirava pelo eterno repouso do Céu, pelo Domingo sem ocaso da Pátria!...

(cont.) 




Bento VXI – Pensamentos espirituais 22

Quasi Deus daretur


Os valores morais deixaram de ser evidentes. Eles apenas se tornam evidentes se Deus existir… Devemos viver quasi Deus daretur, ainda que não tenhamos a força da fé, devemos com base nesta hipótese, porque senão o mundo não funciona.

(Encontro com o clero da Diocese de Aóstia. (25.Jul.05)

(in “Bento XVI, Pensamentos Espirituais”, Lucerna 2006)