07/11/2014

Orar é o caminho para atalhar todos os males.

Orar é o caminho para atalhar todos os males que padecemos. (Forja, 76)

A oração – recorda-o – não consiste em fazer discursos bonitos, frases grandiloquentes ou que consolem...
Oração é, às vezes, um olhar a uma imagem de Nosso Senhor ou de sua Mãe; outras, um pedido com palavras; outras, o oferecimento das boas obras, dos resultados da fidelidade...
Como o soldado que está de guarda, assim temos de estar nós à porta de Deus Nosso Senhor: e isso é oração. Ou como se deita o cãozinho aos pés do seu dono.
Não te importes de lho dizer: Senhor, aqui me tens como um cão fiel; ou melhor, como um burrinho que não dá coices a quem lhe quer bem. (Forja, 73)

A tua oração não pode ficar em meras palavras: há-de ter realidades e consequências práticas. (Forja, 75)

Como o soldado que está de guarda, assim temos de estar nós à porta de Deus Nosso Senhor: e isso é oração. Ou como se deita o cãozinho aos pés do seu dono.
A heroicidade, a santidade, a audácia requerem uma constante preparação espiritual. Darás sempre, aos outros, só aquilo que tiveres; e, para dares Deus, hás-de ter intimidade com Ele, viver a sua Vida, servi-Lo. (Forja, 78)


Jesus Cristo e a Igreja 41

Poderiam ter roubado o corpo de Jesus?


Àqueles que não se sentiam à vontade perante a afirmação de que Jesus tinha ressuscitado e que encontram o sepulcro onde tinha sido depositado vazio, o que primeiro que lhes ocorre pensar e dizer é que alguém tinha roubado o seu corpo (cf. Mt 28, 11-15).
A lousa encontrada em Nazaré com um rescrito imperial que recorda que é necessário respeitar a inviolabilidade dos sepulcros, testemunha que houve um grande reboliço em Jerusalém motivado pelo desaparecimento do cadáver de alguém procedente de Nazaré, por volta do ano 30.
Contudo, o próprio facto de encontrar o sepulcro vazio não impediria pensar que o corpo tivesse sido roubado. Mesmo tendo isso em conta, causou tal impacto nas santas mulheres e nos discípulos de Jesus
que se aproximaram do sepulcro, que mesmo antes de terem visto Jesus novamente vivo, foi o primeiro passo para o reconhecimento de que havia ressuscitado.

No evangelho de São João há um relato preciso que narra como encontraram tudo. Relata que logo que Pedro e João ouviram o que Maria lhes contava, saíram, Pedro com o outro discípulo, e foram ao sepulcro: “Corriam ambos juntos, mas o outro discípulo corria mais do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Tendo-se inclinado, viu os lençóis no chão, mas não entrou. Chegou depois Simão Pedro, que o seguia, entrou no sepulcro e viu os lençóis espalmados, e o sudário que tinha sido posto na sua cabeça, não caído junto dos lençóis, mas aparte, ainda enrolado, no mesmo sítio de antes. Entrou também, então, o outro discípulo que tinha chegado primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou” (Jo 20, 4-8).
As palavras que utiliza o evangelista, para descrever o que Pedro e ele viram no sepulcro vazio, expressam com vivo realismo a impressão que lhes causou o que puderam contemplar. Para começar, a surpresa de encontrar ali os lençóis que tinham envolvido o corpo de Jesus. Se alguém tivesse entrado para roubar o cadáver, ter-se-ia entretido em tirar os lençóis que envolviam o corpo, para levar só o corpo? Não parece lógico. Além disso, o sudário estava “ ainda enrolado” , como tinha estado na sexta-feira à tarde quando foi colocado em volta da cabeça de Jesus. Os lençóis permaneciam como tinham sido colocados envolvendo o corpo de Jesus, mas agora não envolviam nada e por isso estavam “ espalmados”, ocos, como se o corpo de Jesus se tivesse evaporado e tivesse saído sem os desdobrar, passando através deles. E ainda há mais dados surpreendentes na descrição daquilo que viram. Quando se amortalhava um cadáver, primeiro enrolava-se o sudário à volta da cabeça, e depois, tanto o corpo e como a cabeça se envolviam nos lençóis. O relato de João especifica que no sepulcro o sudário permanecia “no mesmo sítio de antes”, isto é, conservando a mesma disposição que havia tido quando estava ali o corpo de Jesus.
A descrição do evangelho assinala com extraordinária precisão o que contemplaram atónitos os Apóstolos. Era humanamente inexplicável a ausência do corpo de Jesus. Era fisicamente impossível que alguém o tivesse roubado, já que para tirá-lo da mortalha, teria sido necessário desenrolar os lençóis e o sudário, que teriam ficado por ali soltos. Mas eles tinham diante dos seus olhos os lençóis e o sudário, tal como estavam quando tinham deixado ali o corpo do Mestre na tarde de sexta-feira. A única diferença é que o corpo de Jesus já não estava lá. O resto permanecia no seu lugar.
Até tal ponto foram significativos os restos que encontraram no sepulcro vazio, que lhes fizeram intuir de algum modo a ressurreição do Senhor, pois “ viram e acreditaram”.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.

Temas para meditar - 264


Redenção


Deus não só nos criou, deu-nos o ser, mas também nos outorgou a capacidade de actuar, de dominar o mundo, de o aperfeiçoar com o trabalho, desenvolvendo harmonicamente as potencialidades presentes na natureza. Além do mais, ama-nos até ao ponto de «querer necessitar» da nossa colaboração inclusive para o mais divino: a obra salvadora e redentora. O Pai enviou o Filho ao mundo para que nos redimisse com a Sua morte na Cruz, e envia-nos também o Espírito para que nos incorpore a Cristo e, formando uma só coisa com Cristo, cooperemos com Ele na tarefa de estender a todos os nossos irmãos, os homens, os frutos da Redenção.

(JAVIER ECHEVARRÍA, Itinerários de Vida Cristiana, Planeta, 2001, pg. 213, trad ama

Tratado do verbo encarnado 22

Questão 3: Da união relativamente à pessoa que assumiu

Art. 5 — Se alguma outra Pessoa divina, que não a Pessoa do Filho, podia ter assumido a natureza humana.

O quinto discute-se assim. — Parece que nenhuma outra Pessoa divina, que não a Pessoa do Filho, podia ter assumido a natureza humana.

1. — Pois, essa assunção tornou Deus o Filho do homem. Ora, seria inconveniente que conviesse ao Pai ou ao Espírito Santo o ser filho, o que redundaria em confusão das Pessoas divinas. Logo, o Pai e o Espírito Santo não poderiam assumir a carne.

2. Demais. — Pela Encarnação divina os homens alcançaram a adopção de filhos, segundo as palavras do Apóstolo. Vós não recebestes o espírito de escravidão para estardes outra vez com temor mas recebestes o espírito de adopção de filhos. Ora, a filiação adoptiva é uma semelhança participada da filiação natural, que não convém nem ao Pai nem ao Espírito Santo. Donde o dizer o Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho. Logo, parece que nenhuma outra Pessoa podia ter-se encarnado, que não a Pessoa do Filho.

3. Demais. — Diz-se que o Filho foi enviado, e gerado, na sua natividade temporal, como encarnado que foi. Ora, ao Pai não convém o ser enviado, pois é inascível, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, ao menos a Pessoa do Pai não podia encarnar-se.

Mas, em contrário, tudo o que pode o Filho pode o Pai, do contrário os três não teriam o mesmo poder. Ora, o Filho pode encarnar-se, Logo semelhantemente, o Pai e o Espírito Santo.

Como dissemos, a assunção implica duas coisas: o acto próprio de quem assume e o termo da assunção. Ora, o princípio do acto é a virtude divina, e o termo é a pessoa. Mas, todas as Pessoas têm o poder divino comum e igualmente. E a mesma é a razão comum da personalidade nas três Pessoas, embora as propriedades pessoais sejam diferentes. Ora, sempre que uma virtude existe igualmente em vários sujeitos, pode terminar a sua acção em qualquer deles, tal como se dá com as potências racionais, que podem aplicar-se a coisas opostas, podendo realizar uma ou outra. Donde, a virtude divina podia unir a natureza humana à pessoa do Pai ou à do Espírito Santo, como a uniu à pessoa do Filho. Por isso, concluímos que o Pai ou o Espírito Santo podiam, tão bem como o Filho, assumir a carne.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A filiação temporal em virtude da qual Cristo é chamado Filho do Homem, não lhe constitui a pessoa, como a filiação eterna, mas é uma certa consequência da natividade temporal. Donde se deste modo o nome de filiação se transferisse ao Pai ou ao Espírito Santo, daí não resultaria nenhuma confusão das divinas Pessoas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A filiação adoptiva é uma certa semelhança participada da filiação natural, mas realiza-se em nós apropriadamente pelo Pai, que é o princípio da filiação natural e pelo dom do Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho, segundo o Apóstolo: Mandou Deus o Espírito de seu Filho, que chama — Pai, Pai. Donde, assim como pela encarnação do Filho, recebemos a filiação adoptiva, à semelhança da sua filiação natural, assim, se o Pai se tivesse encarnado teríamos recebido dele a filiação adoptiva como do princípio da filiação natural, e do Espírito Santo, como do nexo comum entre o Pai e o Filho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Ao Pai convém ser inascível, segundo a natividade eterna, o que não excluiria a natividade temporal. Mas, dizemos que o Filho é enviado, segundo a Encarnação como procedente de outro, sem o que a Encarnação não realizaria plenamente a ideia de missão.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment. Leit esp. (História de uma alma)

Tempo comum XXXI Semana

Evangelho: Lc 16 1-8

1 Disse também a Seus discípulos: «Um homem rico tinha um feitor, que foi acusado diante dele de ter dissipado os seus bens. 2 Chamou-o, e disse-lhe: Que é isto que eu oiço dizer de ti? Dá conta da tua administração; não mais poderás ser meu feitor. 3 Então o feitor disse consigo: Que farei, visto que o meu senhor me tira a administração? Cavar não posso, de mendigar tenho vergonha. 4 Já sei o que hei-de fazer, para que, quando for removido da administração, haja quem me receba em sua casa. 5 E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor? 6 Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Então disse-lhe: Toma o teu recibo, senta-te e escreve depressa cinquenta. 7 Depois disse a outro: Tu quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o feitor: Toma o teu recibo e escreve oitenta. 8 E o senhor louvou o feitor desonesto, por ter procedido sagazmente. Porque os filhos deste mundo são mais hábeis no trato com os seus semelhantes que os filhos da luz».

Comentário

“Jesus diz: não ando com eles para ser como eles mas para os fazer iguais a Mim” (capelão das Irmãzinhas dos Pobres, homília sobre o ev. de hoje).

Dá-nos que pensar este trecho do Evangelho de São Lucas que, como sempre, é absolutamente claro no que escreve. A ‘chave’ está exactamente na última frase: não será por sermos discípulos e seguidores de Cristo que devemos deixar de cuidar das coisas terrenas no que a nós nos diz pessoalmente respeito e mais nos deve preocupar, a nossa salvação eterna.

(ama, comentário sobre Lc 16, 1-8, 2014.10.06)

Leitura espiritual




HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus


Manuscrito "A" - Parte IV

…/4

Minha alma estava mergulhada na tristeza mas, por fora, permanecia a mesma, pois pensava que não se sabia do pedido que eu tinha feito ao Santo Padre. Logo, porém, constatei o contrário. Tendo ficado no vagão, a sós com Celina (os outros romeiros tinham descido para um lanche durante os poucos minutos de parada), vi o padre Legoux, vigário-geral de Coutances, abrir a portinhola e, olhando-me sorridente, dizer: "Como vai nossa pequena carmelita?..." Soube então que todas as pessoas da romaria sabiam do meu segredo. Felizmente, ninguém comentou comigo, mas vi, pela maneira simpática de me olhar, que meu pedido não tinha produzido má impressão, pelo contrário... Na pequena cidade de Assis, tive oportunidade de subir no mesmo carro que o padre Révérony, favor que não foi concedido a nenhuma senhora durante a viagem toda. Eis como obtive esse privilégio.

Após ter visitado os lugares perfumados pelas virtudes de são Francisco e de santa Clara, terminamos pelo mosteiro de santa lnês, irmã de santa Clara. Tinha contemplado à vontade a cabeça da santa quando, uma das últimas a me retirar, percebi ter perdido meu cinto. Procurei-o no meio do povo, um padre teve pena de mim e me ajudou. Mas, depois de lê-lo achado, vi-o afastar-se e fiquei sozinha procurando, pois embora tivesse encontrado o cinto não podia colocá-lo, porque faltava a fivela... Enfim, vi-a brilhar num canto; não demorei em ajustá-la à fita. Mas o trabalho anterior havia demorado mais e percebi estar sozinha ao lado da igreja, todos os carros tinham ido embora, excepto o do padre Révérony. Que fazer? Devia correr atrás dos carros que não via mais, arriscar-me a perder o trem e colocar meu papai querido na inquietação, ou pedir boleia na caleche do padre Révérony? Optei pela última solução. Com a cara mais graciosa e menos constrangida possível, apesar do meu extremo embaraço, expus-lhe. minha situação crítica e o coloquei, por sua vez, em situação difícil, pois seu carro estava lotado com os mais distintos senhores da romaria, impossível encontrar um lugar; porém, um cavalheiro apressou-se em descer, fez-me subir no seu lugar e colocou-se modestamente perto do cocheiro. Parecia um esquilinho pego numa armadilha e estava longe de me sentir à vontade, cercada por todos esses personagens e, sobretudo, do mais temível, diante do qual assentei-me... Todavia, ele foi muito amável comigo, interrompendo, de vez em quando, sua conversação com os senhores para falar-me do Carmelo. Antes de chegar à estação, todos os grandes personagens sacaram suas grandes carteiras a fim de dar dinheiro ao cocheiro (já pago). Fiz como eles e tirei minha diminuta carteira, mas o padre Révérony não me deixou pegar bonitas moedinhas, preferiu dar uma grande por nós dois.

Numa outra ocasião, encontrei-me ao lado dele num ónibus. Foi ainda mais amável e prometeu fazer tudo o que pudesse para meu ingresso no Carmelo... Mesmo com esse bálsamo todo sobre minhas feridas, esses pequenos encontros não impediram que a volta fosse menos agradável que a ida, pois não tinha mais a esperança "do Santo Padre". Não encontrava ajuda nenhuma na terra, que me parecia ser um deserto árido e sem água. Toda a minha esperança estava unicamente em Deus... Acabava de experimentar que é melhor recorrer a Ele que a seus santos...

A tristeza da minha alma não me impedia de sentir grande interesse pelos santos lugares que visitávamos. Em Florença, fiquei feliz em contemplar santa Madalena de Pazzi no meio do coro das carmelitas, que abriram a grande grade para nós. Como não sabíamos que teríamos esse privilégio, muitas pessoas desejavam encostar seus terços no túmulo da santa. Só eu conseguia passar a mão pela grade que nos separava dele, portanto, todos me traziam seus terços e eu estava muito contente com meu ofício... Eu precisava sempre encontrar o meio de mexer em tudo. Assim também na igreja de Santa Cruz de Jerusalém (em Roma), onde pudemos venerar diversos pedaços da verdadeira Cruz, dois espinhos e um dos cravos sagrados mantidos num magnífico relicário em ouro lavrado, mas sem vidro; foi-me possível, ao venerar a preciosa relíquia, enfiar meu dedinho num dos orifícios do relicário e tocar o cravo que fora banhado com o sangue de Jesus... Francamente, era audaciosa demais!... Felizmente, Deus, que vê o fundo dos corações, sabe que minha intenção era pura e que por nada neste mundo teria querido desagradar-lhe. Comportava-me com Ele como uma criança que acredita que tudo lhe é permitido e olha os tesouros de seu pai como sendo dela. Ainda não consegui entender porque as mulheres são tão facilmente excomungadas na Itália. A cada instante, diziam-nos: "Não entrem aqui... Não entrem aí, seriam excomungadas!..." Ah! pobres mulheres, como são desprezadas!... Todavia, são muito mais numerosas em amar a Seus e, durante a Paixão de Nosso Senhor, as mulheres tiveram mais coragem que os apóstolos, pois enfrentaram os insultos dos soldados e atreveram-se a enxugar a Face adorável de Jesus... É sem dúvida por isso que Ele permite que o desprezo seja a herança delas na terra, sendo que Ele o escolheu para Si mesmo....

No Céu, saberá mostrar que as ideias Dele não se confundem com as dos homens, pois então as últimas serão as primeiras... Mais de uma vez, durante a viagem, não tive a paciência de esperar pelo Céu para ser a primeira... Num dia em que visitávamos um mosteiro de padres carmelitas, não estando satisfeita em acompanhar os romeiros nos corredores exteriores, adentrei os claustros internos... De repente, vi um bom velho carmelita que me fazia sinal, de longe, para me afastar. Em vez de voltar, aproximei-me dele mostrando os quadros do claustro e dizendo, por sinal, que eram bonitos. Ele percebeu, sem dúvida pelos meus cabelos soltos e meu ar jovem, que eu não passava de uma criança; sorriu-me com bondade e se afastou, ciente de que não tinha enfrentado uma inimiga. Se eu soubesse falar italiano, ter-lhe-ia dito ser uma futura carmelita, mas por causa dos construtores da torre de Babel isso não foi possível.

Depois de ter visitado Pisa e Génova, voltamos à França. No percurso, a vista era magnífica. Às vezes, íamos pela beira-mar e a ferrovia passava tão perto que dava a impressão de que as ondas iam nos alcançar. Esse espectáculo foi causado por uma tempestade. Era noite, o que tornava a cena ainda mais imponente. Outras vezes, planícies cobertas de laranjais com frutas maduras, verdes oliveiras com folhagem leve, palmeiras graciosas... no fim da tarde, víamos numerosos pequenos portos marítimos iluminar-se com milhares de luzes, enquanto no Céu brilhavam as primeiras estrelas... Ah! que poesia enchia minha alma vendo todas essas coisas pela primeira e última vez na minha vida!... Era sem pena que as via esvair-se, meu coração aspirava a outras maravilhas. Ele tinha contemplado suficientemente as belezas da terra, as do Céu eram objeto dos seus desejos e para dá-las às almas queria tornar-me prisioneira!... Antes de ver abrir-se diante de mim as portas da prisão abençoada com a qual sonhava, precisava lutar e sofrer ainda mais... sentia-o ao voltar à França. Todavia, minha confiança era tão grande que não cessava de esperar que me seria permitido ingressar em 25 de Dezembro... De volta a Lisieux, nossa primeira visita foi ao Carmelo. Que reencontro aquele!... Tínhamos tantas coisas para nos contar após um mês de separação, mês que me pareceu mais longo e durante o qual aprendi mais que durante muitos anos...

Oh, Madre querida! como foi doce para mim vos rever, abrir-vos minha pobre pequena alma ferida. A vós que tão bem sabíeis me compreender, a quem uma palavra, um olhar bastava para adivinhar tudo! Abandonei-me completamente, tinha feito tudo o que dependia de mim, tudo, até falar com o Santo Padre. Não sabia mais o que tinha de fazer. Dissestes-me para escrever a Sua Excelência e lembrar-lhe sua promessa; eu o fiz logo, o melhor que me foi possível, mas em termos que meu tio achou simples demais. Ele refez minha carta. No momento em que ia enviá-la, recebi uma de vós, dizendo-me para não escrever, para esperar alguns dias. Obedeci logo, pois estava certa de que era o melhor meio de não errar. Enfim, dez dias antes do Natal, minha carta partiu. Convicta de que a resposta não demoraria, ia todas as manhãs, depois da missa, com papai à agência dos correios, acreditando encontrar aí a permissão para levantar vôo. Cada manhã trazia nova decepção que, porém, não abalava minha fé... Pedia a Jesus para romper meus laços. Ele os rompeu, mas de maneira totalmente diferente do que esperava... A bela festa de Natal chegou e Jesus não acordou... Deixou no chão sua pequena bola sem ao menos olhar para ela...

Foi de coração partido que assisti à missa do galo; esperava tanto assistir atrás das grades do Carmelo!... Essa provação foi muito grande para minha fé... Mas Aquele cujo coração vigia durante o sono fez-me compreender que, para quem tem fé do tamanho de um grão de mostarda, Ele opera milagres e transporta as montanhas para firmar essa pequena fé, mas para seus íntimos, para sua Mãe, não opera milagres antes de provar sua fé. Não deixou Lázaro morrer, embora Marta e Maria o tivessem avisado que ele estava doente?... Nas bodas de Caná, quando Nossa Senhora lhe pediu para socorrer os anfitriões, não respondeu que sua hora não tinha chegado?... Mas, depois da provação, que recompensa: a água se transforma em vinho... Lázaro ressuscita... É assim que Jesus age com sua Teresinha; depois de a pôr à prova durante muito tempo, satisfez todos os desejos do seu coração...

Na tarde da radiosa festa que passei chorando, fui visitar as carmelitas; foi grande a surpresa quando, ao abrir-se a grade, vi um lindo menino Jesus segurando nas mãos uma bola com meu nome escrito nela. No lugar de Jesus, pequeno demais para poder falar, as carmelitas cantaram para mim um cântico composto pela minha querida Madre. Cada palavra derramava em minha alma um doce consolo. Nunca me esquecerei dessa delicadeza do coração materno que sempre me cumulou das mais finas ternuras... Após ter agradecido no meio de doces lágrimas, relatei a surpresa que minha Celina querida me fizera ao voltar da missa do galo. Encontrei no meu quarto, dentro de uma bela bacia, um barquinho carregando o menino Jesus dormindo com uma pequena bola ao lado Dele. Na vela branca, Celina escrevera as seguintes palavras: "Durmo, mas meu coração vela", e, sobre o barquinho, apenas essa palavra: "Abandono!" Ah! se Jesus ainda não falava com sua noivinha, se seus divinos olhos continuavam sempre fechados, pelo menos Ele se revelava a ela por meio de almas que compreendiam todas as delicadezas e o amor do seu coração...

No primeiro dia do ano de 1888, Jesus ainda me presenteou com sua cruz, mas dessa vez carreguei-a sozinha, pois era tanto mais dolorosa quanto incompreendida... Uma carta de Paulina veio me informar que a resposta de Sua Excelência tinha chegado dia 28, festa dos santos Inocentes, mas que não a comunicou para mim por ter decidido que meu ingresso só se daria depois da quaresma. Não pude segurar as lágrimas com a ideia de tão longa espera. Essa provação teve para mim um carácter muito peculiar: via meus laços com o mundo rompidos e a arca santa recusando a entrada para sua pobre pombinha... Quero acreditar que devo ter parecido manhosa por não aceitar alegremente meus três meses de exílio, mas creio também que, sem deixar transparecer, essa provação foi muito grande e me fez crescer muito no abandono e nas outras virtudes.

Como passaram esses três meses tão ricos de graças para minha alma?... Primeiro, ocorreu-me a idéia de não me constranger a levar uma vida tão bem regrada como de costume; mas logo compreendi o valor do tempo que me estava sendo oferecido e resolvi entregar-me, mais do que nunca, a uma vida séria e mortificada. Quando digo mortificada, não é para fazer crer que eu fazia penitências, ai! nunca fiz, longe de parecer com as belas almas que desde a infância praticavam toda espécie de mortificações, não sentia atrações por elas. Sem dúvida, isto decorria da minha covardia, pois podia, com Celina, encontrar mil pequenas invenções para me fazer sofrer; em vez disso, sempre me deixei mimar e cevar como um passarinho que não precisa fazer penitência... Minhas mortificações consistiam em refrear minha vontade, sempre prestes a se impor, em reprimir uma palavra de réplica, em prestar pequenos serviços sem retribuição, em não me encostar quando sentada etc. etc... Foi pela prática desses nadas que me preparei para ser a noiva de Jesus e não posso dizer o quanto essa espera deixou em mim doces lembranças... Três meses passam muito depressa e, enfim, chegou o momento tão desejado.

Escolheu-se para meu ingresso a segunda-feira, 9 de Abril, dia em que o Carmelo celebrava a festa da Anunciação, adiada por causa da quaresma. Na véspera, a família toda reuniu-se em volta da mesa a que me sentava pela última vez. Ah! como são dilacerantes essas reuniões íntimas!... quando o que se quer é ser esquecido, prodigalizam-se carícias, e as mais carinhosas palavras fazem sentir o sacrifício da separação... Meu Rei querido quase não falava, mas seu olhar fixava-se em mim com amor... Minha tia chorava de vez em quando e meu tio fazia-me mil elogios afetuosos. Joana e Maria também se esmeravam em delicadezas, sobretudo Maria, que puxando-me à parte, me pediu mil perdões pelas penas que pensava ter-me causado. Enfim, minha querida Leoninha, de volta da Visitação havia alguns meses, enchia-me de beijos e carícias. Só de Celina eu não falei, mas adivinhais, querida Madre, corno se passou a última noite em que dormimos juntas... Na manhã do grande dia, depois de lançar um último olhar aos Buissonnets, ninho gracioso da rainha infância que não devia nunca mais rever, parti de braços dados com meu Rei querido para subir a montanha do Carmelo... Como na véspera, a família toda se reuniu para assistir à missa e comungar. Logo após Jesus ter descido ao coração dos meus familiares queridos, só ouvi soluços ao meu redor. Só eu não chorava, mas senti meu coração bater com tanta violência que me pareceu impossível andar quando nos fizeram sinal para chegar até a porta do convento. Andei, embora me perguntando se não ia morrer devido à força das batidas do meu coração... Ah! que momento aquele. É preciso tê-lo vivido para saber como é...

Minha emoção não se expressava externamente. Depois de ter abraçado todos os membros da minha querida família, pus-me de joelhos diante do meu incomparável pai e pedi-lhe a bênção. Ele mesmo ajoelhou-se e me abençoou chorando... Era um espectáculo de fazer os anjos sorrir, esse de um ancião apresentando ao Senhor sua criança ainda na primavera da vida!... Alguns momentos depois, as portas da arca sagrada fechavam-se sobre mim e passava a receber os abraços das irmãs queridas que me haviam servido de mães e que ia, doravante, tomar por modelo das minhas acções... Enfim, meus desejos estavam realizados, minha alma gozava de uma paz tão suave e tão profunda que me seria impossível expressar e, há sete anos e meio, essa paz íntima continuou sendo meu quinhão. Não me abandonou em meio às maiores provações.

Como todas as postulantes, fui levada ao coro logo após minha entrada; estava escuro, por causa do Santíssimo exposto, e o que chamou minha atenção foram os olhos da nossa santa Madre Genoveva, que se fixaram sobre mim. Fiquei algum tempo de joelhos a seus pés, agradecendo a Deus pela graça que me concedia de conhecer uma santa, e acompanhei nossa Madre Maria de Gonzaga aos diversos recintos do convento. Tudo me parecia bonito, tinha impressão de ter sido transportada para o deserto. Nossa pequena cela me encantava especialmente, mas a alegria que sentia era calma, nem a menor aragem fazia ondular as águas tranquilas em que navegava meu barquinho, nenhuma nuvem escurecia meu céu azul... ah! estava plenamente recompensada por todas as minhas provações... Com que alegria profunda repetia estas palavras: "É para sempre, sempre, que estou aqui!..."

Não era uma felicidade efêmera; não iria embora com as ilusões dos primeiros dias. Deus concedeu-me a graça de não ter ilusões, nenhuma ilusão ao entrar para o Carmelo. Encontrei a vida religiosa tal como a imaginara, nenhum sacrifício me surpreendeu e, contudo, vós sabeis, Madre querida, meus primeiros passos encontraram mais espinhos do que rosas!... Sim, o sofrimento estendeu-me os braços e atirei-me a ele com amor... O que eu vinha fazer no Carmelo, declarei-o aos pés de Jesus-Hóstia, no exame que antecedeu minha profissão: "Vim para salvar as almas e sobretudo, rezar elos sacerdotes". Quando se quer atingir um fim, é preciso tomar os meios, Jesus fez-me compreender que era pela cruz que queria dar-me almas e minha atração pelo sofrimento crescia na medida em que o sofrimento aumentava. Durante cinco anos, esse caminho foi o meu mas, por fora, nada exteriorizava meu sofrimento, mais doloroso por ser eu a única a saber dele. Ah! quantas surpresas teremos no juízo final, quando conhecermos a história das almas!... haverá pessoas surpresas ao conhecer a via pela qual fui conduzida!...

Isso é tão verdadeiro que, dois meses após meu ingresso, estando aqui para a profissão de Irmã Maria do Sagrado Coração, o padre Pichon ficou espantado ao constatar o que Deus operava em minha alma e disse-me que, na véspera, tendo-me observado rezando no coro, pensou ser meu fervor totalmente infantil e meu caminho muito manso. Minha entrevista com o bom padre foi para mim um grande consolo, mas coberto de lágrimas diante da dificuldade que sentia em abrir minha alma. Fiz, porém, uma confissão geral tal como nunca tinha feito; no final, o padre me disse as mais consoladoras palavras que já ressoaram aos ouvidos da minha alma: "Na presença de Deus, da Santíssima Virgem e de todos os santos, declaro nunca terdes cometido um único pecado mortal". E acrescentou: deis graças a Deus pelo que Ele faz por vós, pois se Ele vos abandonasse, em vez de serdes um anjinho, seríeis um diabinho. Ah! não tinha dificuldade em acreditar, sentia o quanto era fraca e imperfeita, mas a gratidão enchia minha alma. Tinha tanto receio de ter maculado meu vestido de batismo, que tal certidão, oriunda da boca de um diretor conforme os desejos de Nossa Santa Madre Teresa, isto é, que une ciência e virtude, parecia-me ter saído da própria boca de Jesus... O bom padre disse-me ainda essas palavras que se gravaram em meu coração: "Minha filha, que Nosso Senhor seja sempre vosso Superior e vosso Mestre de noviças". De facto o foi, e foi também "o meu director". Não quero dizer com isso que minha alma estivesse fechada para minhas superioras, ah! longe disso, sempre procurei fazer dela um livro aberto; mas nossa Madre, frequentemente doente, tinha pouco tempo para cuidar de mim. Sei que me amava muito e dizia de mim todo o bem possível, todavia Deus permitia que, à sua revelia, ela fosse severíssima; não podia encontrá-la sem beijar a terra, era a mesma coisa por ocasião das escassas direcções espirituais que eu tinha com ela... Que graça inestimável!... Como Deus agia visivelmente naquela que o substituía!... Que teria sido de mim se, como pensavam as pessoas de fora, tivesse sido "o brinquedinho" da comunidade?... Quiçá, em vez de ver Nosso Senhor em minhas Superioras, não teria considerado apenas as pessoas e meu coração, tão bem preservado no mundo, ter-se-ia ligado humanamente no claustro... Felizmente, fui protegida contra essa desgraça. Sem dúvida, gostava muito da nossa Madre, mas de um afeto puro que me elevava para o Esposo da minha alma...

(cont.)