08/11/2014

Temos de meditar na vida de Jesus

Esses minutos diários de leitura do Novo Testamento que te aconselhei (metendo-te e participando no conteúdo de cada cena, como um protagonista mais) são para que encarnes, para que "cumpras" o Evangelho na tua vida... e para "fazê-lo cumprir". (Sulco, 672)

Para ser ipse Christus é preciso mirar-se Nele. Não basta ter-se uma ideia geral do espírito que Jesus viveu; é preciso aprender com Ele pormenores e atitudes. É preciso contemplar a sua vida, sobretudo para daí tirar força, luz, serenidade, paz.

Quando se ama alguém, deseja-se conhecer toda a sua vida, o seu carácter, para nos identificarmos com essa pessoa. Por isso temos de meditar na vida de Jesus, desde o Seu nascimento num presépio até à Sua morte e à Sua Ressurreição. Nos primeiros anos do meu labor sacerdotal costumava oferecer exemplares do Evangelho ou livros onde se narra a vida de Jesus, porque é necessário que a conheçamos bem, que a tenhamos inteira na mente e no coração, de modo que, em qualquer momento, sem necessidade de nenhum livro, cerrando os olhos, possamos contemplá-la como um filme; de forma que, nas mais diversas situações da nossa vida, acudam à memória as palavras e os actos do Senhor. (Cristo que passa, 107)


Temas para meditar - 265



Oração

A doçura que alguns experimentam na oração, é leite que Nosso Senhor dá como condimento àqueles que estão a começar a servi-lo. 





(SÃO Filipe de NeriMáximas, F.W.Faber, Cromwell Press SN12 8PH, nr. 4-21, trd ama)

Tratado do verbo encarnado 23

Questão 3: Da união relativamente à pessoa que assumiu

Art. 6 — Se duas Pessoas divinas poderiam assumir uma natureza numericamente a mesma.

O sexto discute-se assim. — Parece que duas Pessoas divinas não poderiam assumir uma natureza numericamente a mesma.

1 — Pois, isso suposto, ou seriam um só homem ou vários. Ora, vários não, pois, assim como uma mesma natureza divina em várias Pessoas não poderia constituir vários deuses, assim uma mesma natureza humana em várias pessoas não poderia constituir vários homens. Também e semelhantemente, não poderiam ser um só homem, pois, um homem o é determinadamente, que revela uma certa pessoa, e então desapareceria a distinção das três Pessoas, o que é inadmissível. Logo, nem duas nem três pessoas podem receber uma mesma natureza humana.

2. Demais. — Assunção perfaz-se na unidade da Pessoa, como se disse. Ora, a Pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo não é uma só. Logo, três Pessoas não podem assumir uma mesma natureza humana,

Demais — Damasceno e Agostinho dizem, que a Encarnação do Filho de Deus resulta que tudo o predicado do Filho de Deus o é também do Filho do Homem, e vice-versa. Se, pois, as três Pessoas assumissem uma mesma natureza humana, resultaria que tudo o predicado de qualquer das três Pessoas, sê-lo-ia também desse homem, e inversamente, tudo o predicado desse homem poderia sê-lo de qualquer das três Pessoas. Donde, o gerar o Filho abeterno, que é próprio do Pai, seria predicado desse homem e, por consequência, do Filho de Deus, o que e inadmissível. Logo, não é possível, que três Pessoas divinas assumam uma mesma natureza humana.

Mas, em contrário, a pessoa encarnada subsiste em duas naturezas, a saber, a divina e a humana. Ora, três Pessoas podem subsistir numa mesma natureza divina. Logo, também o podem numa mesma natureza humana de modo que seria uma mesma natureza humana a assumida pelas três Pessoas.

Como dissemos da união da alma e do corpo, em Cristo, não resulta uma nova pessoa nem hipóstase, mas, uma mesma natureza assumida na Pessoa ou hipóstase divina. O que, naturalmente, não se faz pelo poder da natureza humana, mas pelo da Pessoa divina. Ora, a condição das divinas Pessoas é tal que uma delas não exclui as outras da comunhão da mesma natureza, mas foi da comunhão da mesma Pessoa. Mas, como no mistério da Encarnação a razão total do feito é o poder de quem o faz, como diz Agostinho, devemos, nesta matéria, julgar, antes, segundo a condição da divina Pessoa assumente, que segundo a da natureza humana assumida. Assim, pois, não é impossível que duas ou três das divinas Pessoas assumam uma mesma natureza humana. Mas seria impossível assumirem uma hipótese ou uma pessoa humana, assim, como diz Anselmo, várias Pessoas não poderiam assumir um mesmo homem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Admitido que três Pessoas assumissem uma mesma natureza humana, seria verdadeiro dizer que três Pessoas constituiriam um mesmo homem, por causa da natureza humana una, assim como, na realidade, é verdadeiro dizer que são um só Deus, por causa da única natureza divina. Nem o vocábulo — um — implica unidade de pessoa, mas unidade na natureza humana. Pois, não se poderia arguir, do facto de constituírem três Pessoas um só homem, que o seriam absolutamente falando, pois, nada impede dizer-se que homens, vários absolutamente falando, sejam um só, de certo modo, por exemplo, um só povo. Assim, diz Agostinho: É diverso por natureza o espírito de Deus, do espírito do homem, mas, unindo-se, formam um só espírito, segundo o Apóstolo. O que está unido a Deus é um mesmo espírito com ele.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Admitida essa posição, a natureza humana seria assumida na unidade, não de uma só Pessoa, mas na de cada uma delas, de modo que, assim como a natureza divina tem uma unidade natural com cada uma das Pessoas, assim, a natureza humana teria unidade com cada uma delas, pela assunção.

RESPOSTA À TERCEIRA. — No tocante ao mistério da Encarnação, há comunicação das propriedades pertinentes à natureza, pois, tudo o conveniente à natureza pode ser predicado da pessoa subsistente nessa natureza, seja qual for a natureza donde se tira o nome designativo da Pessoa. Por onde, aceite essa posição, da Pessoa do Pai pode ser predicado o que é próprio tanto à natureza humana como à divina, e semelhantemente, da Pessoa do Filho e da do Espírito Santo. Mas, o conveniente à Pessoa do Pai, em razão da própria Pessoa, não poderia atribuir-se à Pessoa do Filho ou à do Espírito Santo, por causa da distinção das Pessoas, que permaneceria. Poderia, pois, dizer-se que, assim como o Pai é ingénito, assim o seria o homem, tomando-se a palavra homem pela Pessoa do Pai. Mas quem continuasse dizendo: O homem é ingénito, ora, o Filho é homem, logo, é ingénito, cometeria o sofisma de figura de dicção ou de acidente. Assim como na realidade dizemos que Deus é ingénito, porque o Pai o é, mas daí não podemos concluir que o Filho seja ingénito, embora o Pai o seja.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment. Leit espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXXI Semana

Evangelho: Lc 16 9-15

9 «Portanto, Eu vos digo: Fazei amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos. 10 Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. 11 Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras?  12 E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13 Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou odiará um e amará o outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». 14 Ora os fariseus, que eram amigos do dinheiro, ouviam todas estas coisas e troçavam d'Ele. 15 Jesus disse-lhes: «Vós sois aqueles que pretendeis passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; o que é excelente segundo os homens é abominação diante de Deus.

Comentário

Ser igual em quaisquer circunstâncias é uma virtude fundamental para ser verdadeiro. A verdade não se coaduna com a ligeireza de carácter do que muda com o vento ou os acontecimentos.
Por isso mesmo não se pode seguir ou gostar de algo ou alguém de cariz diferente. A opinião bem fundamentada, o comportamento subsequente só podem - e devem - mudar quando se demonstra que estávamos errados.

(ama, comentário sobre Lc 16, 9-15, 2012.11.10)

Leitura espiritual



HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte IV

…/5

Nossa mestra era uma verdadeira santa, o tipo acabado das primeiras carmelitas. Eu ficava com ela o dia todo, pois ensinava-me a trabalhar. Sua bondade para comigo era sem limites e, todavia, minha alma não se dilatava... Só com esforço eu conseguia fazer direcção espiritual, não estando habituada a falar da minha alma não sabia expressar o que se passava. Uma boa velha madre compreendeu o que ocorria comigo e disse-me, rindo, num recreio: "Filhinha, creio que não tendes muita coisa a dizer às vossas superioras". "Por que, Madre, dizeis isso?..." "Porque a vossa alma é extremamente simples", mas quando estiverdes perfeita sereis ainda mais simples, mais nos aproximamos de Deus, mais simples ficamos". A boa Madre estava com a razão, porém, a dificuldade que sentia para abrir a minha alma, embora viesse da minha simplicidade, era uma verdadeira provação. Reconheço-o agora, pois, sem deixar de ser simples, exprimo meus pensamentos com muito maior facilidade.

Disse que Jesus fora "meu Diretor". Ao ingressar no Carmelo, conheci aquele que devia servir-me de director, mas apenas me admitira como sua filha partiu para o exílio... Portanto, só o conheci para ficar privada dele... Reduzida a receber dele uma carta anual pelas doze que lhe escrevia, meu coração dirigiu-se logo para o director dos directores e foi Ele quem me instruiu dessa ciência que esconde dos sábios e dos pedantes e revela aos menores...

A florzinha transplantada sobre a montanha do Carmelo ia desabrochar à sombra da Cruz; as lágrimas, o sangue de Jesus foram seu orvalho. Seu sol foi a Face Adorável coberta de lágrimas... Até então, não tinha imaginado a imensidade dos tesouros escondidos na Sagrada Face. Foi por vosso intermédio, querida Madre, que aprendi a conhecê-los, assim como, em outro momento, precedeu a todas nós no Carmelo, da mesma forma sondastes primeiro os mistérios de amor escondidos no Rosto do nosso Esposo. Chamastes-me então e compreendi... Compreendi em que consiste a verdadeira glória. Aquele cujo reino não é deste mundo ensinou-me que a verdadeira sabedoria consiste em "querer ser ignorado e tido por nada, em colocar sua alegria no desprezo de si mesmo..." Ah! como o de Jesus, queria que: "Meu rosto fosse verdadeiramente escondido, que ninguém me reconhecesse nesta terra". Tinha sede de sofrer e ser esquecida...

Como é misteriosa a via pela qual Deus sempre me conduziu, nunca me fez desejar alguma coisa sem dá-lo a mim, por isso seu amargo cálice me pareceu delicioso...

Depois das lindas festas de Maio, da profissão e tomada do véu da nossa querida Maria, a mais velha da família que a mais jovem teve a felicidade de coroar no dia das suas bodas, era necessário que a provação viesse nos visitar... No ano anterior, no mês de Maio, papai fora vítima de um ataque de paralisia nas pernas; a nossa inquietação foi grande então, mas o temperamento forte do meu Rei querido superou logo o mal, e nossos temores sumiram. Porém, mais de uma vez durante a viagem a Roma, reparamos que ele se cansava facilmente, que não estava tão alegre quanto de costume... O que eu mais reparei eram os progressos que ele fazia rio aperfeiçoamento; a exemplo de são Francisco de Sales, chegara a dominar a própria vivacidade natural até parecer possuir a mais doce natureza do mundo... As coisas da terra pareciam tocá-lo de leve apenas, vencia facilmente as contrariedades desta vida, enfim, Deus o inundava de consolações. Durante suas visitas diárias ao Santíssimo, seus olhos enchiam-se frequentemente de lágrimas e seu rosto deixava transparecer uma felicidade celeste... Quando Leónia saiu da Visitação, não se perturbou, não reclamou junto a Deus por não ter atendido às orações que tinha feito para obter a vocação da querida filha. Foi até com certa alegria que foi buscá-la...

Eis a fé com que papai aceitou a separação da sua rainhazinha; anunciou a seus amigos de Alençon: "Caros Amigos, Teresa, minha rainhazinha, ingressou ontem no Carmelo!... Só Deus para exigir tal sacrifício... Não lastimeis por mim, pois meu coração exulta de alegria".

Chegara o momento de um tão bom e fiel servo receber o prémio das suas obras, era justo que seu salário se assemelhasse ao que Deus dera ao Rei do Céu, seu Filho único... Papai acabava de oferecer um Altar a Deus e foi ele a vítima escolhida para ser imolada com o Cordeiro imaculado. Conheceis, Madre querida, nossas amarguras de junho e, sobretudo, do 24 do ano de 1888, essas lembranças estão tão bem gravadas no fundo dos nossos corações que não é necessário escrevê-las... Oh, Madre! quanto sofremos!... e ainda era apenas o começo da nossa provação... Todavia, o tempo da minha tomada do hábito havia chegado; fui recebida pelo Capítulo, mas como pensar numa cerimónia? Já se falava de me dar o santo hábito sem fazer-me sair, quando se decidiu esperar. Contra qualquer esperança, nosso pai querido restabeleceu-se uma segunda vez e Sua Excelência marcou a cerimónia para 10 de Janeiro. A espera havia sido longa, mas que bela festa!... Nada faltava, nada, nem a neve... Não sei se já vos falei do meu amor pela neve... Quando pequenina, sua brancura me encantava; um dos meus maiores prazeres consistia em andar sob os flocos de neve caindo. De onde me vinha esse gosto pela neve?... Talvez por ser uma florzinha de inverno, o primeiro adorno da natureza que meus olhos de criança viram tenha sido seu manto branco... Enfim, sempre sonhara com que no dia da minha tomada de hábito a natureza se vestisse como eu, de branco. Na véspera desse belo dia, olhava tristemente o céu cinzento de onde caía de tempo em tempo um chuva fina, e a temperatura era tão alta que não esperava neve. Na manhã seguinte, o céu não havia mudado, mas a festa foi encantadora e a flor mais bela, a mais encantadora, era meu Rei querido, nunca estivera tão bonito, mais digno... Foi admirado por todos. Esse dia foi seu triunfo, sua última festa na terra. Havia dado todas as suas filhas a Deus, pois quando Celina lhe comunicou sua vocação chorou de alegria e foi com ela agradecer Àquele que "lhe dava a honra de tomar todas as suas filhas".

No final da cerimônia, Sua Excelência entoou o Te Deum. Um sacerdote tentou lembrar-lhe que esse cântico só se canta nas profissões, mas a partida fora dada e o hino de ação de graças prosseguiu até o final. Não devia a festa ser completa, pois reunia todas as outras?... Depois de ter beijado urna última vez meu Rei querido, voltei para a clausura. A primeira coisa que vi foi "meu pequeno Jesus cor-de-rosa" sorrindo-me no meio das flores e das luzes e logo vi os flocos de neve... o pátio estava branco como eu. Que delicadeza de Jesus! Antecipando-se aos desejos da sua noiva, mandava-lhe neve... Neve! que mortal, por mais poderoso que seja, é capaz de fazer cair neve do céu para encantar sua amada?... Talvez as pessoas do mundo se perguntem isso, mas o certo é que a neve da minha tomada de hábito pareceu ser um pequeno milagre e toda a cidade ficou surpresa. Achou-se que eu tinha um gosto esquisito, gostar da neve... Tanto melhor, isso acentuou ainda mais a incompreensível condescendência do Esposo das virgens... Daquele que gosta dos Lírios brancos como a NEVE!... Sua Excelência entrou depois da cerimônia, e foi de uma bondade muito paterna para comigo. Creio que ele estava satisfeito em ver que eu tinha conseguido; dizia a todos que eu era "sua filhinha". Todas as vezes que voltou, depois, foi sempre muito bom comigo; recordo-me especialmente de sua visita por ocasião do centenário de N. P. são João da Cruz. Pegou minha cabeça em suas mãos, fez-me mil carícias de todas as espécies, nunca eu tinha sido tão honrada! Entretanto, Deus fazia-me pensar nas carícias que me prodigalizará diante dos anjos e dos santos e das quais me dava uma fraca imagem desde então; por isso, a consolação que senti foi muito grande.

Como acabo de dizer, 10 de Janeiro foi o triunfo para meu Rei. Comparo esse dia ao da entrada de Jesus em Jerusalém no dia dos Ramos. Como a do Nosso Divino Mestre, a glória dele foi de um dia e seguida por uma paixão dolorosa. Mas essa paixão não foi só dele; assim como as dores de Jesus traspassaram como um punhal o coração da sua divina Mãe, também os nossos corações sentiram os sofrimentos daquele a quem queríamos com a maior ternura nesta terra... Recordo que no mês de Junho de 1888, quando das primeiras provações, eu dizia: "Sofro muito, mas sinto que posso suportar provações ainda maiores". Não pensava então naquelas que me estavam reservadas... Não sabia que em 12 de Fevereiro, um mês depois da minha tomada de hábito, nosso Pai querido beberia na mais amarga e mais humilhante de todas as taças...

Ah! naquele dia eu não disse que podia sofrer ainda mais!!!... As palavras não conseguem expressar nossas angústias, por isso não vou procurar descrevê-las. Um dia, no Céu, gostaremos de nos recordar das nossas gloriosas provações. Não estamos felizes, no presente momento, por tê-las sofrido?... Sim, os três anos do martírio de Papai pareceram-me os mais amáveis, os mais rendosos de toda a nossa vida, não os doaria em troca de todos os êxtases e revelações dos santos. Meu coração transborda de gratidão ao pensar nesse tesouro inestimável que deve causar santa inveja aos anjos da Corte celeste...

Meu desejo de sofrimento estava repleto, mas minha atração por ele não diminuía, por isso minha alma compartilhou logo do sofrimento do meu coração. A aridez passou a ser meu pão de cada dia; privada de qualquer consolação, não deixava de ser a mais feliz das criaturas, sendo que todos os meus desejos estavam satisfeitos...

Oh, Madre querida! como foi doce a nossa grande provação, sendo que do coração de todas nós só saíram suspiros de amor e de gratidão!... Não mais andávamos nas sendas da perfeição, voávamos, as cinco. As duas pobres pequenas exiladas de Caen, embora estivessem ainda no mundo, não eram mais do mundo... Ah! que maravilhas a provação operou na alma da minha Celina querida!... Todas as cartas que escreveu na época têm o selo da resignação e do amor... E quem poderia relatar as conversações que tínhamos?... Ah! longe de nos separar, as grades do Carmelo uniam mais fortemente nossas almas, tínhamos os mesmos pensamentos, os mesmos desejos, o mesmo amor de Jesus e das almas... Quando Celina e Teresa falavam uma com a outra, nunca uma palavra das coisas da terra entrava na conversação, que já era do Céu. Como outrora no mirante, elas sonhavam com as coisas da eternidade, e para gozar logo dessa felicidade sem fim escolhiam, na terra, por única partilha "o sofrimento e o desprezo".

Assim decorreu o tempo do meu noivado... foi muito demorado para a pobre Teresinha! No final do meu ano, nossa Madre disse-me para não sonhar com a profissão, que certamente o padre superior recusaria meu pedido. Fui obrigada a esperar mais oito meses... Naquele momento, foi-me muito difícil aceitar esse grande sacrifício, mas logo fez-se luz em minha alma. Meditava então "os fundamentos da vida espiritual" do padre Surin. Um dia, durante a oração, compreendi que meu tão vivo desejo de fazer profissão estava mesclado de um grande amor-próprio; sendo que me dera a Jesus para agradar a Ele, consolá-lo, não devia obrigá-lo a fazer minha vontade de preferência à Dele, compreendi também que uma noiva devia estar preparada para o dia do enlace, e eu nada tinha feito para isso... disse então a Jesus: "Oh, meu Deus! não peço para fazer os santos votos, esperarei o tempo que Vós quiserdes, só não quero que, por culpa minha, nossa união seja adiada, mas vou fazer o maior esforço para confeccionar para mim um vestido bonito, enriquecido de pedras. Quando Vós o achardes bastante bonito, estou certa de que nenhuma criatura Vos impedirá de descerdes a mim, a fim de me unir para sempre a Vós, ó meu amado!..."

Desde minha tomada de hábito, eu recebera luz abundante a respeito da perfeição religiosa, principalmente do voto de pobreza. Durante meu postulado, gostava de possuir coisas boas para meu uso e de encontrar à mão tudo o que me era necessário. "Meu Director" tolerava isso com paciência, pois Ele não gosta de revelar tudo ao mesmo tempo às almas. Geralmente, dá sua luz pouco a pouco. No início da minha vida espiritual, pelos 13 ou 14 anos, perguntava a mim mesma o que eu aprenderia mais tarde, pois parecia-me impossível entender melhor a perfeição. Não demorei em compreender que mais se avança nesse caminho, mais se acredita estar afastado da meta; agora, resigno-me em ser sempre imperfeita e fico contente... . Volto às lições que "meu Director" me deu. Uma noite, depois das Completas, procurei em vão nossa lampazinha sobre as tábuas reservadas para esse uso, era silêncio total, impossível perguntar... entendi que uma irmã, acreditando ter pegado sua lâmpada, pegou a nossa, da qual eu estava muito necessitada; em vez de desgostar-me, fiquei feliz, sentindo que a pobreza consiste em se ver privado não só das coisas agradáveis, mas ainda das indispensáveis. Portanto, no meio das trevas exteriores, fui iluminada interiormente... Naquela época, empolguei-me pelos mais feios e mais desajeitados objectos e foi com alegria que vi terem tirado a moringa bonitinha da nossa cela, substituindo-a por uma grande toda desbicada... Fazia também muitos esforços para não me desculpar, sobretudo com a nossa Mestra, a quem não queria ocultar coisa alguma; eis minha primeira vitória. Não é grande, mas custou-me muito. Um pequeno vaso colocado atrás de uma janela foi encontrado quebrado. Pensando que fosse eu quem o largara ali, mostrou-o para mim dizendo que eu deveria ter mais cuidado. Sem dizer uma só palavra, beijei a terra e prometi ter mais ordem no futuro. Devido à minha falta de virtude, essas pequenas práticas custavam-me muito e precisava pensar que, no juízo final, tudo seria conhecido, pois pensava: quando se cumpre com sua obrigação, sem se desculpar nunca, ninguém toma conhecimento; pelo contrário, as imperfeições aparecem logo...

Cultivava sobretudo a prática das pequenas virtudes, não tendo facilidade para praticar as grandes; gostava de dobrar os mantos esquecidos pelas irmãs e prestar-lhes todos os pequenos serviços que podia.

Foi-me dado também o amor pela mortificação, foi grande na medida em que nada me era permitido para satisfazê-lo... A única pequena mortificação que eu fazia no mundo, a de não me encostar quando sentada, foi-me proibida devido à minha tendência a ficar curvada. Aliás, meu entusiasmo não teria durado muito se me fosse permitido praticar muitas mortificações... Aquelas que me eram concedidas, sem eu pedir, tinham por finalidade mortificar meu amor-próprio, o que me causava um bem maior do que as penitências corporais...

O refeitório onde fui prestar serviço logo após minha tomada de hábito propiciou-me diversas ocasiões para colocar meu amor-próprio no seu devido lugar, debaixo dos pés... Verdade é que tinha a grande consolação de estar no mesmo serviço que vós, Madre querida, de poder contemplar de perto vossas virtudes; mas essa aproximação era motivo de sofrimento, não me sentia como outrora, livre para vos dizer tudo; tinha de observar a regra, não podia abrir para vós a minha alma, enfim, estava no Carmelo e não nos Buissonnets, no lar paterno!...

Porém, Nossa Senhora ajudava-me a preparar o vestido da minha alma. Logo que foi terminado, os obstáculos sumiram. Sua Excelência expediu-me a permissão solicitada, a comunidade aceitou receber-me, e minha profissão foi marcada para 8 de Setembro...

O que acabo de escrever em resumo precisaria de muitas páginas para os pormenores, mas essas páginas nunca serão lidas na terra. Em breve, querida Madre, falar-vos-ei de todas essas coisas em nossa casa paterna, no belo Céu para o qual sobem os suspiros dos nossos corações!...

Meu vestido de noiva estava pronto; mesmo enriquecido com as antigas jóias que meu Noivo me havia dado, ainda não era suficiente para sua generosidade. Queria dar-me um novo brilhante de inúmeros reflexos. A provação de Papai, com todas as circunstâncias que a cercaram, constituía as antigas joias, a nova foi uma provação aparentemente muito pequena, mas que me fez sofrer muito. Desde algum tempo, nosso pobre paizinho estava melhor, faziam-no sair de carro, cogitava-se até fazê-lo viajar de trem para vir nos visitar.

(cont.)




Evangelho diário, coment. Leit espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXXI Semana

Evangelho: Lc 16 9-15

9 «Portanto, Eu vos digo: Fazei amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos. 10 Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. 11 Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras?  12 E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13 Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou odiará um e amará o outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». 14 Ora os fariseus, que eram amigos do dinheiro, ouviam todas estas coisas e troçavam d'Ele. 15 Jesus disse-lhes: «Vós sois aqueles que pretendeis passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; o que é excelente segundo os homens é abominação diante de Deus.

Comentário

Ser igual em quaisquer circunstâncias é uma virtude fundamental para ser verdadeiro. A verdade não se coaduna com a ligeireza de carácter do que muda com o vento ou os acontecimentos.
Por isso mesmo não se pode seguir ou gostar de algo ou alguém de cariz diferente. A opinião bem fundamentada, o comportamento subsequente só podem - e devem - mudar quando se demostra que estávamos errados.
(ama, comentário sobre Lc 16, 9-15, 2012.11.10)

Leitura espiritual


HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte IV

…/5

Nossa mestra era uma verdadeira santa, o tipo acabado das primeiras carmelitas. Eu ficava com ela o dia todo, pois ensinava-me a trabalhar. Sua bondade para comigo era sem limites e, todavia, minha alma não se dilatava... Só com esforço eu conseguia fazer direcção espiritual, não estando habituada a falar da minha alma não sabia expressar o que se passava. Uma boa velha madre compreendeu o que ocorria comigo e disse-me, rindo, num recreio: "Filhinha, creio que não tendes muita coisa a dizer às vossas superioras". "Por que, Madre, dizeis isso?..." "Porque a vossa alma é extremamente simples", mas quando estiverdes perfeita sereis ainda mais simples, mais nos aproximamos de Deus, mais simples ficamos". A boa Madre estava com a razão, porém, a dificuldade que sentia para abrir a minha alma, embora viesse da minha simplicidade, era uma verdadeira provação. Reconheço-o agora, pois, sem deixar de ser simples, exprimo meus pensamentos com muito maior facilidade.

Disse que Jesus fora "meu Diretor". Ao ingressar no Carmelo, conheci aquele que devia servir-me de diretor, mas apenas me admitira como sua filha partiu para o exílio... Portanto, só o conheci para ficar privada dele... Reduzida a receber dele uma carta anual pelas doze que lhe escrevia, meu coração dirigiu-se logo para o diretor dos diretores e foi Ele quem me instruiu dessa ciência que esconde dos sábios e dos pedantes e revela aos menores...

A florzinha transplantada sobre a montanha do Carmelo ia desabrochar à sombra da Cruz; as lágrimas, o sangue de Jesus foram seu orvalho. Seu sol foi a Face Adorável coberta de lágrimas... Até então, não tinha imaginado a imensidade dos tesouros escondidos na Sagrada Face. Foi por vosso intermédio, querida Madre, que aprendi a conhecê-los, assim como, em outro momento, precedeu a todas nós no Carmelo, da mesma forma sondastes primeiro os mistérios de amor escondidos no Rosto do nosso Esposo. Chamastes-me então e compreendi... Compreendi em que consiste a verdadeira glória. Aquele cujo reino não é deste mundo ensinou-me que a verdadeira sabedoria consiste em "querer ser ignorado e tido por nada, em colocar sua alegria no desprezo de si mesmo..." Ah! como o de Jesus, queria que: "Meu rosto fosse verdadeiramente escondido, que ninguém me reconhecesse nesta terra". Tinha sede de sofrer e ser esquecida...

Como é misteriosa a via pela qual Deus sempre me conduziu, nunca me fez desejar alguma coisa sem dá-lo a mim, por isso seu amargo cálice me pareceu delicioso...

Depois das lindas festas de Maio, da profissão e tomada do véu da nossa querida Maria, a mais velha da família que a mais jovem teve a felicidade de coroar no dia das suas bodas, era necessário que a provação viesse nos visitar... No ano anterior, no mês de Maio, papai fora vítima de um ataque de paralisia nas pernas; a nossa inquietação foi grande então, mas o temperamento forte do meu Rei querido superou logo o mal, e nossos temores sumiram. Porém, mais de uma vez durante a viagem a Roma, reparamos que ele se cansava facilmente, que não estava tão alegre quanto de costume... O que eu mais reparei eram os progressos que ele fazia rio aperfeiçoamento; a exemplo de são Francisco de Sales, chegara a dominar a própria vivacidade natural até parecer possuir a mais doce natureza do mundo... As coisas da terra pareciam tocá-lo de leve apenas, vencia facilmente as contrariedades desta vida, enfim, Deus o inundava de consolações. Durante suas visitas diárias ao Santíssimo, seus olhos enchiam-se frequentemente de lágrimas e seu rosto deixava transparecer uma felicidade celeste... Quando Leónia saiu da Visitação, não se perturbou, não reclamou junto a Deus por não ter atendido às orações que tinha feito para obter a vocação da querida filha. Foi até com certa alegria que foi buscá-la...

Eis a fé com que papai aceitou a separação da sua rainhazinha; anunciou a seus amigos de Alençon: "Caros Amigos, Teresa, minha rainhazinha, ingressou ontem no Carmelo!... Só Deus para exigir tal sacrifício... Não lastimeis por mim, pois meu coração exulta de alegria".

Chegara o momento de um tão bom e fiel servo receber o prêmio das suas obras, era justo que seu salário se assemelhasse ao que Deus dera ao Rei do Céu, seu Filho único... Papai acabava de oferecer um Altar a Deus e foi ele a vítima escolhida para ser imolada com o Cordeiro imaculado. Conheceis, Madre querida, nossas amarguras de junho e, sobretudo, do 24 do ano de 1888, essas lembranças estão tão bem gravadas no fundo dos nossos corações que não é necessário escrevê-las... Oh, Madre! quanto sofremos!... e ainda era apenas o começo da nossa provação... Todavia, o tempo da minha tomada do hábito havia chegado; fui recebida pelo Capítulo, mas como pensar numa cerimônia? Já se falava de me dar o santo hábito sem fazer-me sair, quando se decidiu esperar. Contra qualquer esperança, nosso pai querido restabeleceu-se uma segunda vez e Sua Excelência marcou a cerimônia para 10 de Janeiro. A espera havia sido longa, mas que bela festa!... Nada faltava, nada, nem a neve... Não sei se já vos falei do meu amor pela neve... Quando pequenina, sua brancura me encantava; um dos meus maiores prazeres consistia em andar sob os flocos de neve caindo. De onde me vinha esse gosto pela neve?... Talvez por ser uma florzinha de inverno, o primeiro adorno da natureza que meus olhos de criança viram tenha sido seu manto branco... Enfim, sempre sonhara com que no dia da minha tomada de hábito a natureza se vestisse como eu, de branco. Na véspera desse belo dia, olhava tristemente o céu cinzento de onde caía de tempo em tempo um chuva fina, e a temperatura era tão alta que não esperava neve. Na manhã seguinte, o céu não havia mudado, mas a festa foi encantadora e a flor mais bela, a mais encantadora, era meu Rei querido, nunca estivera tão bonito, mais digno... Foi admirado por todos. Esse dia foi seu triunfo, sua última festa na terra. Havia dado todas as suas filhas a Deus, pois quando Celina lhe comunicou sua vocação chorou de alegria e foi com ela agradecer Àquele que "lhe dava a honra de tomar todas as suas filhas".

No final da cerimônia, Sua Excelência entoou o Te Deum. Um sacerdote tentou lembrar-lhe que esse cântico só se canta nas profissões, mas a partida fora dada e o hino de ação de graças prosseguiu até o final. Não devia a festa ser completa, pois reunia todas as outras?... Depois de ter beijado urna última vez meu Rei querido, voltei para a clausura. A primeira coisa que vi foi "meu pequeno Jesus cor-de-rosa" sorrindo-me no meio das flores e das luzes e logo vi os flocos de neve... o pátio estava branco como eu. Que delicadeza de Jesus! Antecipando-se aos desejos da sua noiva, mandava-lhe neve... Neve! que mortal, por mais poderoso que seja, é capaz de fazer cair neve do céu para encantar sua amada?... Talvez as pessoas do mundo se perguntem isso, mas o certo é que a neve da minha tomada de hábito pareceu ser um pequeno milagre e toda a cidade ficou surpresa. Achou-se que eu tinha um gosto esquisito, gostar da neve... Tanto melhor, isso acentuou ainda mais a incompreensível condescendência do Esposo das virgens... Daquele que gosta dos Lírios brancos como a NEVE!... Sua Excelência entrou depois da cerimônia, e foi de uma bondade muito paterna para comigo. Creio que ele estava satisfeito em ver que eu tinha conseguido; dizia a todos que eu era "sua filhinha". Todas as vezes que voltou, depois, foi sempre muito bom comigo; recordo-me especialmente de sua visita por ocasião do centenário de N. P. são João da Cruz. Pegou minha cabeça em suas mãos, fez-me mil carícias de todas as espécies, nunca eu tinha sido tão honrada! Entretanto, Deus fazia-me pensar nas carícias que me prodigalizará diante dos anjos e dos santos e das quais me dava uma fraca imagem desde então; por isso, a consolação que senti foi muito grande.

Como acabo de dizer, 10 de Janeiro foi o triunfo para meu Rei. Comparo esse dia ao da entrada de Jesus em Jerusalém no dia dos Ramos. Como a do Nosso Divino Mestre, a glória dele foi de um dia e seguida por uma paixão dolorosa. Mas essa paixão não foi só dele; assim como as dores de Jesus traspassaram como um punhal o coração da sua divina Mãe, também os nossos corações sentiram os sofrimentos daquele a quem queríamos com a maior ternura nesta terra... Recordo que no mês de Junho de 1888, quando das primeiras provações, eu dizia: "Sofro muito, mas sinto que posso suportar provações ainda maiores". Não pensava então naquelas que me estavam reservadas... Não sabia que em 12 de Fevereiro, um mês depois da minha tomada de hábito, nosso Pai querido beberia na mais amarga e mais humilhante de todas as taças...

Ah! naquele dia eu não disse que podia sofrer ainda mais!!!... As palavras não conseguem expressar nossas angústias, por isso não vou procurar descrevê-las. Um dia, no Céu, gostaremos de nos recordar das nossas gloriosas provações. Não estamos felizes, no presente momento, por tê-las sofrido?... Sim, os três anos do martírio de Papai pareceram-me os mais amáveis, os mais rendosos de toda a nossa vida, não os doaria em troca de todos os êxtases e revelações dos santos. Meu coração transborda de gratidão ao pensar nesse tesouro inestimável que deve causar santa inveja aos anjos da Corte celeste...

Meu desejo de sofrimento estava repleto, mas minha atração por ele não diminuía, por isso minha alma compartilhou logo do sofrimento do meu coração. A aridez passou a ser meu pão de cada dia; privada de qualquer consolação, não deixava de ser a mais feliz das criaturas, sendo que todos os meus desejos estavam satisfeitos...

Oh, Madre querida! como foi doce a nossa grande provação, sendo que do coração de todas nós só saíram suspiros de amor e de gratidão!... Não mais andávamos nas sendas da perfeição, voávamos, as cinco. As duas pobres pequenas exiladas de Caen, embora estivessem ainda no mundo, não eram mais do mundo... Ah! que maravilhas a provação operou na alma da minha Celina querida!... Todas as cartas que escreveu na época têm o selo da resignação e do amor... E quem poderia relatar as conversações que tínhamos?... Ah! longe de nos separar, as grades do Carmelo uniam mais fortemente nossas almas, tínhamos os mesmos pensamentos, os mesmos desejos, o mesmo amor de Jesus e das almas... Quando Celina e Teresa falavam uma com a outra, nunca uma palavra das coisas da terra entrava na conversação, que já era do Céu. Como outrora no mirante, elas sonhavam com as coisas da eternidade, e para gozar logo dessa felicidade sem fim escolhiam, na terra, por única partilha "o sofrimento e o desprezo".

Assim decorreu o tempo do meu noivado... foi muito demorado para a pobre Teresinha! No final do meu ano, nossa Madre disse-me para não sonhar com a profissão, que certamente o padre superior recusaria meu pedido. Fui obrigada a esperar mais oito meses... Naquele momento, foi-me muito difícil aceitar esse grande sacrifício, mas logo fez-se luz em minha alma. Meditava então "os fundamentos da vida espiritual" do padre Surin. Um dia, durante a oração, compreendi que meu tão vivo desejo de fazer profissão estava mesclado de um grande amor-próprio; sendo que me dera a Jesus para agradar a Ele, consolá-lo, não devia obrigá-lo a fazer minha vontade de preferência à Dele, compreendi também que uma noiva devia estar preparada para o dia do enlace, e eu nada tinha feito para isso... disse então a Jesus: "Oh, meu Deus! não peço para fazer os santos votos, esperarei o tempo que Vós quiserdes, só não quero que, por culpa minha, nossa união seja adiada, mas vou fazer o maior esforço para confeccionar para mim um vestido bonito, enriquecido de pedras. Quando Vós o achardes bastante bonito, estou certa de que nenhuma criatura Vos impedirá de descerdes a mim, a fim de me unir para sempre a Vós, ó meu amado!..."

Desde minha tomada de hábito, eu recebera luz abundante a respeito da perfeição religiosa, principalmente do voto de pobreza. Durante meu postulado, gostava de possuir coisas boas para meu uso e de encontrar à mão tudo o que me era necessário. "Meu Diretor" tolerava isso com paciência, pois Ele não gosta de revelar tudo ao mesmo tempo às almas. Geralmente, dá sua luz pouco a pouco. No início da minha vida espiritual, pelos 13 ou 14 anos, perguntava a mim mesma o que eu aprenderia mais tarde, pois parecia-me impossível entender melhor a perfeição. Não demorei em compreender que mais se avança nesse caminho, mais se acredita estar afastado da meta; agora, resigno-me em ser sempre imperfeita e fico contente... . Volto às lições que "meu Diretor" me deu. Uma noite, depois das Completas, procurei em vão nossa lampazinha sobre as tábuas reservadas para esse uso, era silêncio total, impossível perguntar... entendi que uma irmã, acreditando ter pegado sua lâmpada, pegou a nossa, da qual eu estava muito necessitada; em vez de desgostar-me, fiquei feliz, sentindo que a pobreza consiste em se ver privado não só das coisas agradáveis, mas ainda das indispensáveis. Portanto, no meio das trevas exteriores, fui iluminada interiormente... Naquela época, empolguei-me pelos mais feios e mais desajeitados objetos e foi com alegria que vi terem tirado a moringa bonitinha da nossa cela, substituindo-a por uma grande toda desbicada... Fazia também muitos esforços para não me desculpar, sobretudo com a nossa Mestra, a quem não queria ocultar coisa alguma; eis minha primeira vitória. Não é grande, mas custou-me muito. Um pequeno vaso colocado atrás de uma janela foi encontrado quebrado. Pensando que fosse eu quem o largara ali, mostrou-o para mim dizendo que eu deveria ter mais cuidado. Sem dizer uma só palavra, beijei a terra e prometi ter mais ordem no futuro. Devido à minha falta de virtude, essas pequenas práticas custavam-me muito e precisava pensar que, no juízo final, tudo seria conhecido, pois pensava: quando se cumpre com sua obrigação, sem se desculpar nunca, ninguém toma conhecimento; pelo contrário, as imperfeições aparecem logo...

Cultivava sobretudo a prática das pequenas virtudes, não tendo facilidade para praticar as grandes; gostava de dobrar os mantos esquecidos pelas irmãs e prestar-lhes todos os pequenos serviços que podia.

Foi-me dado também o amor pela mortificação, foi grande na medida em que nada me era permitido para satisfazê-lo... A única pequena mortificação que eu fazia no mundo, a de não me encostar quando sentada, foi-me proibida devido à minha tendência a ficar curvada. Aliás, meu entusiasmo não teria durado muito se me fosse permitido praticar muitas mortificações... Aquelas que me eram concedidas, sem eu pedir, tinham por finalidade mortificar meu amor-próprio, o que me causava um bem maior do que as penitências corporais...

O refeitório onde fui prestar serviço logo após minha tomada de hábito propiciou-me diversas ocasiões para colocar meu amor-próprio no seu devido lugar, debaixo dos pés... Verdade é que tinha a grande consolação de estar no mesmo serviço que vós, Madre querida, de poder contemplar de perto vossas virtudes; mas essa aproximação era motivo de sofrimento, não me sentia como outrora, livre para vos dizer tudo; tinha de observar a regra, não podia abrir para vós a minha alma, enfim, estava no Carmelo e não nos Buissonnets, no lar paterno!...

Porém, Nossa Senhora ajudava-me a preparar o vestido da minha alma. Logo que foi terminado, os obstáculos sumiram. Sua Excelência expediu-me a permissão solicitada, a comunidade aceitou receber-me, e minha profissão foi marcada para 8 de setembro...

O que acabo de escrever em resumo precisaria de muitas páginas para os pormenores, mas essas páginas nunca serão lidas na terra. Em breve, querida Madre, falar-vos-ei de todas essas coisas em nossa casa paterna, no belo Céu para o qual sobem os suspiros dos nossos corações!...

Meu vestido de noiva estava pronto; mesmo enriquecido com as antigas jóias que meu Noivo me havia dado, ainda não era suficiente para sua generosidade. Queria dar-me um novo brilhante de inúmeros reflexos. A provação de Papai, com todas as circunstâncias que a cercaram, constituía as antigas joias, a nova foi uma provação aparentemente muito pequena, mas que me fez sofrer muito. Desde algum tempo, nosso pobre paizinho estava melhor, faziam-no sair de carro, cogitava-se até fazê-lo viajar de trem para vir nos visitar.

(cont.)