11/11/2014

Que nunca deixe de praticar a caridade

Não é compatível amar a Deus com perfeição e deixar-se dominar pelo egoísmo – ou pela apatia – na relação com o próximo. (Sulco, 745)

A verdadeira amizade implica também um esforço cordial por compreender as convicções dos nossos amigos, mesmo que não cheguemos a partilhá-las nem a aceitá-las. (Sulco, 746)

Nunca permitas que a erva ruim cresça no caminho da amizade: sê leal. (Sulco, 747)

Um propósito firme na amizade: que no meu pensamento, nas minhas palavras, nas minhas obras para com o próximo – seja ele quem for –, não me comporte como até agora, quer dizer, nunca deixe de praticar a caridade, nunca dê entrada na minha alma à indiferença. (Sulco, 748)

A tua caridade deve ser adequada, ajustada, às necessidades dos outros...; não às tuas. (Sulco, 749)


Filhos de Deus! Uma condição que nos transforma em algo mais transcendente do que em simples pessoas que se suportam mutuamente... Escuta o Senhor: "Vos autem dixi amicos!" – somos seus amigos, que, como Ele, dão gostosamente a vida pelos outros, tanto nas horas heróicas como na convivência corrente. (Sulco, 750)

Temas para meditar - 269

Poder do Demónio

O demónio - ou o anjo - não chega a penetrar na nossa intimidade se nós não queremos. «Os espíritos imundos não podem conhecer a natureza dos nossos pensamentos. Unicamente lhes é dado adivinhá-los mercê de indícios sensíveis, ou examinando as nossas disposições, as nossas palavras ou as coisas que indicam uma propensão da nossa parte. Ao invés o que não exteriorizamos e permanece oculto nas nossas almas, é-lhes totalmente inacessível. Inclusive os próprios pensamentos que eles nos sugerem, o acolhimento que lhes damos, a reacção que nos causam, tudo isto não o conhecem pela própria essência da alma (...) mas, em todo o caso, pelos movimentos e manifestações externas.


(CassianoCollationes, VI 17)

Tratado do verbo encarnado 26

Questão 4: Da união relativamente ao assumido

Em seguida devemos tratar da união relativamente ao assumido.

E nesta parte, devemos primeiro tratar do que foi assumido pelo Verbo de Deus. Segundo, das coisas coassumidas, que são as perfeições e os defeitos.

Ora, o Verbo de Deus assumiu a natureza humana e as suas partes. Por isso, sobre esse primeiro assunto, ocorre uma tríplice consideração. A primeira, relativa à natureza humana em si mesma. A segunda é relativa às suas partes. A terceira, à ordem da assunção.

Na primeira questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se a natureza humana era, mais que qualquer outra natureza, apta a ser assumida pelo Filho de Deus.
Art. 2 — Se o Filho de Deus assumiu uma pessoa.
Art. 3 — Se a Pessoa divina assumiu um homem.
Art. 4 — Se o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstracta de todos os indivíduos.
Art. 5 — Se o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana em todos os indivíduos.
Art. 6 — Se era conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza humana da raça de Adão.

Art. 1 — Se a natureza humana era, mais que qualquer outra natureza, apta a ser assumida pelo Filho de Deus.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a natureza humana não era, mais que qualquer outra natureza, apta a ser assumida pelo Filho de Deus.

1 - Pois, diz Agostinho: Nas operações miraculosas, toda a razão da obra é o poder de quem a fez. Ora o poder de Deus, que operou a Encarnação, obra de um sublime milagre, não é limitado a uma só natureza, pois, o poder de Deus é infinito. Logo, a natureza humana não era, mais que qualquer outra criatura, apta a ser assumida por Deus.

2. Demais. — A semelhança é a razão de conveniência, em se tratando da Encarnação de uma pessoa divina, como se disse. Ora, como em a natureza racional há uma semelhança de imagem, assim, na natureza irracional, uma semelhança de vestígio. Logo, como a natureza humana, a criatura irracional era apta para ser assumida.

3. Demais. — Na natureza angélica há uma semelhança de Deus mais expressa que na natureza humana, como diz Gregório, citando a Escritura: Tu eras o selo da semelhança. E também os anjos são, como os homens, susceptíveis de pecado, conforme a Escritura: Entre os seus anjos achou crime.

4. Demais. — Sendo Deus dotado da suma perfeição, tanto mais semelhança tem uma coisa com ele quanto mais perfeita é. Ora, a totalidade do universo é mais semelhante com ele que cada uma das suas partes, entre as quais está a natureza humana. Logo, o universo no seu todo é mais apto para ser assumido, que a natureza humana.

Mas, em contrário, a Escritura: Achando as minhas delícias em estar com os filhos dos homens. E assim, parece haver uma certa conveniência de união entre o Filho de Deus e a natureza humana.

Dizemos que pode ser assumido o que é como apto para o ser, por uma Pessoa divina. E essa aptidão não pode ser entendida como uma potência passiva natural, que não se estende ao que transcende a ordem natural, a qual é transcendida pela união pessoal da criatura com Deus. Donde resulta que o considerado apto a ser assumido há-de sê-lo por congruência com a união referida. Ora, essa congruência tem um fundamento duplo na natureza humana, a sua dignidade e a sua necessidade. A dignidade, porque à natureza humana, enquanto racional e intelectual, é natural atingir de certo modo o próprio Verbo, pela sua operação, isto é, conhecendo-o e amando-o. A necessidade, porque precisava de reparação, sujeita, como o estava, ao pecado original. Ora, estes dois fundamentos só se encontram na natureza humana. Pois, à criatura irracional falta a congruência da dignidade, e à angélica, a referida necessidade. Donde resulta que só a natureza humana é apta a ser assumida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As criaturas recebem uma denominação, ou outra, pelo que lhes convém pelas suas causas próprias, e não, pelas causas primeiras e universais. Assim, dizemos que uma doença é incurável, não por não poder ser curada por Deus, mas por não o poder pelos princípios próprios do sujeito. Assim, pois, dizemos que uma criatura não é apta para ser assumida, não para diminuir nada ao poder divino, mas para mostrar a condição da criatura, que não tem essa aptidão.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A semelhança de imagem, na natureza humana, depende da medida em que é capaz de Deus, isto é, de atingi-lo pela sua operação própria, do conhecimento e do amor. Ao passo que a semelhança de vestígio funda-se só numa representação existente na criatura por impressão divina, e não por poder a criatura irracional, que só tem essa semelhança, atingir a Deus só pela sua operação. Ora, a quem falta o menos também não convêm o necessário para o mais, assim um corpo que não é apto a ser aperfeiçoado pela alma sensitiva, muito menos o é sê-lo pela alma intelectual. Ora, muito maior e mais perfeita é a união com Deus, pelo ser pessoal, do que a que o é pela operação. Portanto, à criatura irracional, incapaz da união com Deus pela operação, não convém unir-se-lhe pessoalmente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Alguns dizem que o anjo não é apto para ser assumido porque tem a sua personalidade perfeita, desde o princípio da sua criação, pois, não está sujeito à geração nem à corrupção. Por isso, não podia ser assumido na unidade da pessoa divina, sem que a sua personalidade ficasse destruída, e isto nem lhe convém à incorruptibilidade da natureza, nem à bondade do assumente, a quem não é próprio destruir nenhuma perfeição na criatura assumida. Mas, esta opinião não parece excluir totalmente a congruidade da assunção da natureza angélica. Pois, Deus, pode, criando uma nova natureza angélica, uni-la a si na unidade da pessoa, e portanto, sem destruir nada que naquela preexistisse. Mas, como dissemos, falta-lhe a conveniência no tocante à necessidade, pois, embora, em alguns aspectos, a natureza angélica esteja sujeita ao pecado, contudo, o seu pecado é irremediável, como demonstramos na Primeira Parte.

RESPOSTA À QUARTA. — A perfeição do universo não é a perfeição de uma pessoa ou suposto, mas a de um ser uno por posição ou pela ordem. Do qual as múltiplas partes não são aptas a ser assumidas, como se disse. Donde se conclui que só a natureza humana é apta a ser assumida.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.