28/01/2015

A correcção fraterna

A prática da correcção fraterna – que tem tradição evangélica – é uma manifestação de carinho sobrenatural e de confiança. Agradece-a quando a receberes, e não deixes de praticá-la com quem convives. (Forja, 566)

Sede prudentes e actuai sempre com simplicidade, virtude tão própria dos bons filhos de Deus. Sede naturais na vossa linguagem e na vossa actuação. Chegai ao fundo dos problemas; não fiqueis à superfície. Reparai que é preciso contar antecipadamente com o sofrimento alheio e com o nosso, se desejamos deveras cumprir santamente e com honradez as nossas obrigações de cristãos.

Não vos oculto que, quando tenho que corrigir ou tomar uma decisão que fará sofrer alguém, padeço antes, durante e depois; e não sou um sentimental. Consola-me pensar que só os animais não choram; nós, os homens, filhos de Deus, choramos. Sei que em determinados momentos, também vós tereis que sofrer, se vos esforçardes por levar a cabo fielmente o vosso dever. Não vos esqueçais de que é mais cómodo – mas é um descaminho – evitar o sofrimento a todo o custo, com o pretexto de não magoar o próximo; frequentemente o que se esconde por trás desta omissão é uma vergonhosa fuga ao sofrimento próprio, porque normalmente não é agradável fazer uma advertência séria a alguém. Meus filhos, lembrai-vos de que o inferno está cheio de bocas fechadas.

(...) Para curar uma ferida, primeiro limpa-se esta muito bem e inclusivamente ao seu redor, desde bastante distância. O médico sabe perfeitamente que isso dói, mas se omitir essa operação, depois doerá ainda mais. A seguir, põe-se logo o desinfectante; arde – pica, como dizemos na minha terra – mortifica, mas não há outra solução para a ferida não infectar.


Se para a saúde corporal é óbvio que se têm de tomar estas medidas, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância, nas coisas grandes da saúde da alma – nos pontos nevrálgicos da vida do ser humano – imaginai como será preciso lavar, como será preciso cortar, como será preciso limpar, como será preciso desinfectar, como será preciso sofrer! A prudência exige-nos intervir assim e não fugir ao dever, porque não o cumprir seria uma falta de consideração e inclusivamente um atentado grave, contra a justiça e contra a fortaleza. (Amigos de Deus, nn. 160–161)

DIÁLOGOS COM O MEU EU (1)



Não tenho medo!
Não tens medo?

Sim não tenho medo!

Mas não tens medo de quê?

Medo da vida, ora essa!

Da vida não se deve ter medo, da morte é que sim!

Mas eu não tenho medo da morte, porque não tenho medo da vida!

Essa agora???

Eu não tendo medo da vida, porque a vivo em Cristo, não tenho medo da morte, porque é preciso morrer para viver a verdadeira Vida? Percebes agora?


Marinha Grande, 13 de Abril de 2013
Joaquim Mexia Alves

Temas para meditar - 348


Virtude


Para que haja virtude é necessário atender a duas coisas: ao que se faz e como se faz.


(são tomás de aquinoQuodlibet. IV, a. 19)

Tratado do verbo encarnado 104

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

E, primeiro, do conveniente a Cristo em si mesmo considerado. Segundo, do que lhe convém por comparação com Deus Pai. Terceiro, do que convém a Cristo, quanto a nós.

O primeiro ponto abrange uma dupla questão. A primeira sobre o que convém a Cristo no seu ser e no seu dever, a segunda sobre o que convém a Cristo em razão da unidade.

Na primeira questão discutem-se doze artigos:

Art. 1 — Se é falsa a proposição: Deus é homem.
Art. 2 — Se é falsa a proposição: o homem é Deus.
Art. 3 — Se Cristo pode ser chamado o homem do Senhor.
Art. 4 — Se o próprio à natureza humana pode-se atribuir a Deus.
Art. 5 — Se as propriedades da natureza humana podem ser atribuídas à natureza divina.
Art. 6 — Se é falsa a proposição: Deus se fez homem.
Art. 7 — Se é verdadeira a proposição: o homem foi feito Deus.
Art. 8 — Se é verdadeira a proposição: Cristo é uma criatura.
Art. 9 — Se referente a Cristo, é verdadeira a proposição: o homem começou a existir.
Art. 10 — Se é falsa a proposição: Cristo, enquanto homem, é criatura, ou começou a existir.
Art. 11 — Se Cristo, enquanto homem, é Deus.
Art. 12 — Se Cristo, enquanto homem, é hipóstase ou pessoa.

Art. 1 — Se é falsa a proposição: Deus é homem.

O primeiro discute-se assim. — Parece que é falsa o proposição: Deus é homem.

1 — Pois, toda proposição afirmativa, em matéria remota, é falsa. Ora, a proposição – Deus é homem, é em matéria remota, porque as formas significadas pelo sujeito e pelo predicado distam em máximo grau. Ora, sendo essa proposição afirmativa, é falsa.

2. Demais. — Mais convêm as três Pessoas divinas entre si, que a natureza humana com a divina. Ora, no mistério da Trindade, uma pessoa não é predicada de outra, assim, não dizemos que o Pai é o Filho, ou inversamente. Logo, parece que também a natureza humana não pode predicar-se de Deus, de modo a dizer-se que Deus é homem.

3. Demais. — Atanásio diz, que assim como a alma e a carne são um só homem, assim, Deus e homem constituem um só Cristo. Ora, é falsa a proposição – A alma é o corpo. Logo, também falsa é a outra: Deus é homem.

4. Demais. — Como se demonstrou na Primeira Parte, o predicado de Deus, não relativa mas absolutamente, convém a toda a Trindade e a cada uma das Pessoas. Ora, o nome homem não é relativo, mas absoluto. Se, pois, é verdadeiramente predicado de Deus, segue-se que toda a Trindade e qualquer das suas pessoas é homem. O que é evidentemente falso.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O qual, tendo a natureza de Deus, se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo fazendo-se semelhante aos homens e sendo reconhecido na condição como homem. E assim, aquele que tem a natureza de Deus é homem. Ora, aquele que tem a natureza de Deus é Deus. Logo, Deus é homem.

A proposição – Deus é homem todos os cristãos a concedem, mas não todos pela mesma razão. Pois, alguns concedem-na, mas não na acepção própria dos seus termos. — Assim, os Maniqueus consideram o Verbo de Deus como homem, mas não verdadeiro, senão só por semelhança, dizendo que o Filho de Deus assumiu um corpo imaginário, e então, dizemos que Deus é homem no mesmo sentido em que dizemos que uma figura de cobre é homem, por ter a semelhança humana. — Semelhantemente, também os que ensinavam não terem sido unidos, em Cristo, a alma e o corpo, não admitiam que Deus fosse verdadeiro homem, mas que o era só figuradamente, em razão das partes. — Ora, ambas estas opiniões já foram refutadas.

Outros, porém, ao inverso, ensinam a verdade em relação ao homem, mas negam-na em relação a Deus. Pois, dizem que Cristo, sendo Deus e homem, é Deus, não por natureza, mas por participação, isto é, pela graça, assim como todos os varões santos se chamam deuses, mas, mais excelentemente, Cristo, que todos, por ter uma graça mais abundante. E assim, quando dizemos — Deus é homem — a palavra Deus não supõe um Deus verdadeiro e de natureza divina. E tal foi a heresia de Fotino, supra refutada.

Outros, porém, concedem a referida proposição admitindo como verdadeiros ambos os seus termos e, portanto, que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas nem por isso salvam a verdade da predicação. Pois, dizem que homem é predicado, de Deus, por uma certa união de dignidade ou de autoridade ou ainda de afecto ou de habilitação. E assim Nestório ensinava que Deus é homem, não querendo com isso significar senão que Deus está unido ao homem por uma tal união, que Deus nele habita e lhe está unido pelo afecto e pela participação da autoridade e da honra divina. — E em semelhante erro caem todos os que introduzem duas hipóstases ou dois supostos em Cristo. Pois, não é possível entender-se que, de dois seres distintos pelo suposto ou pela hipóstase, um seja propriamente predicado do outro, senão só por um modo figurado de falar, enquanto tem algum ponto de união. Assim, se dissermos que Pedro é João, por terem alguma coisa que os une entre si. Ora, estas opiniões também já foram refutadas.

Donde, supondo, segundo a verdade da fé, Católica, a união da verdadeira natureza divina com a verdadeira natureza humana, não só na pessoa, mas também no suposto ou na hipóstase, dizemos ser verdadeira e própria a proposição — Deus é homem. Não só pela verdade dos termos, isto é, por ser Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas ainda pela verdade da predicação. Pois o nome que significa a natureza comum em concreto, pode ser suposto seja pelo que for que estiver contido nessa natureza comum, assim o nome de homem pode ser suposto por qualquer homem particular. Donde, o nome de Deus, pelo próprio modo do seu significado, pode ser suposto pela pessoa do Filho de Deus, como também já demonstramos na Primeira Parte. De qualquer suposto, porém, de uma natureza, pode ser verdadeira e propriamente predicado o nome significativo dessa natureza em concreto, assim, de Sócrates e de Platão a palavra homem é própria e verdadeiramente predicado. Ora, sendo a pessoa do Filho de Deus, pela qual é suposto o nome de Deus, o suposto da natureza humana, o nome de homem pode ser predicado do nome Deus verdadeira e propriamente, enquanto suposto pela pessoa do Filho de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Quando formas diversas não podem convir num mesmo suposto, então a proposição versa necessariamente sobre matéria remota, da qual o sujeito significa uma dessas formas e o predicado, a outra. Mas, quando duas formas podem convir num mesmo suposto, a matéria não é remota, mas, natural ou contingente, como quando digo – um homem branco é músico. Ora, a natureza divina e a humana, embora distantes uma da outra em máximo grau, contudo convêm, pelo mistério da Encarnação, num mesmo suposto, no qual nenhuma delas existe por acidente, mas por essência. Donde, a proposição — Deus é homem — nem é em matéria remota nem em matéria contingente, mas em matéria natural. E o nome de homem é predicado de Deus, não acidentalmente, mas por essência, como da sua hipóstase, não certamente em razão da forma significada pelo nome de Deus, mas em razão do suposto, que é a hipóstase da natureza humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As três Pessoas divinas convêm na mesma natureza, mas distinguem-se pelo suposto, e portanto não podem predicar-se uma de outra. Mas no mistério da Encarnação, as naturezas, por serem distintas, certamente não se predicam uma da outra, enquanto de significação abstracta, pois, não é a natureza divina a humana, mas, por terem o mesmo suposto, predicam-se uma da outra em concreto.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Alma e carne têm significado abstracto, como a tem divindade e humanidade, mas, em significado concreto, dizemos animado e carnal ou corpóreo, assim como dizemos, de outro lado, Deus e homem. Donde, de ambos os lados, não é predicado o abstracto, do abstracto, mas só, o concreto, do concreto,

RESPOSTA À QUARTA. — O nome de homem é predicado de Deus em razão da união pessoal, e essa união implica relação. E por isso, não segue a regra daqueles nomes que absolutamente e abeterno são predicados de Deus.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Ev. diário L. Esp. (Temas actuais do cristianismo)

Tempo Comum III Semana

São Tomás de Aquino – Doutor da Igreja

Evangelho: Mc 4 1-20

1 Começou de novo a ensinar à beira-mar; e juntou-se à Sua volta tão grande multidão que teve de subir para uma barca e sentar-Se dentro dela, no mar, enquanto toda a multidão estava em terra na margem. 2 E ensinava-lhes muitas coisas por meio de parábolas. Dizia-lhes segundo o Seu modo de ensinar: 3 «Ouvi: Eis que o semeador saiu a semear. 4 E ao semear, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, e vieram as aves do céu e comeram-na.5 Outra parte caiu entre pedregulhos, onde tinha pouca terra, e logo nasceu, por não ter profundidade a terra; 6 mas, quando saiu o sol, foi queimada pelo calor e, como não tinha raiz, secou. 7 Outra parte caiu entre espinhos; e os espinhos cresceram e sufocaram-na e não deu fruto. 8 Outra caiu em terra boa; e deu fruto que vingou e cresceu, e um grão deu trinta, outro, sessenta e outro cem». 9 E acrescentava: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça». 10 Quando Se encontrou só, os doze, que estavam com Ele, interrogaram-n'O sobre a parábola. 11 Disse-lhes: «A vós é concedido conhecer o mistério do reino de Deus; porém, aos que são de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, 12 para que, olhando não vejam, e ouvindo não entendam; não aconteça que se convertam, e lhes sejam perdoados os pecados». 13 E acrescentou: «Não entendeis esta parábola? Então como entendereis todas as outras? 14 O que o semeador semeia é a palavra. 15 Uns encontram-se ao longo do caminho onde ela é semeada; mas logo que a ouvem vem Satanás tirar a palavra semeada neles. 16 Outros recebem a semente em terreno pedregoso; ouvem a palavra, logo a recebem com alegria, 17 mas não têm raízes em si mesmos, são inconstantes; depois, levantando-se a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, sucumbem imediatamente. 18 Outros recebem a semente entre espinhos; ouvem a palavra, 19 mas os cuidados mundanos, a sedução das riquezas e as outras paixões, entrando, afogam a palavra, e ela fica infrutuosa. 20 Aqueles que recebem a semente em terra boa, são os que ouvem a palavra, recebem-na, e dão fruto, um a trinta, outro a sessenta, e outro a cem por um».

Comentário

O êxito apostólico – por assim dizer – depende em grande parte de nós próprios, é certo, mas está intimamente ligado àquels a quem nos dirigimos e às disposições que possam ter no momento.

De facto, temos de ter em atenção que “as condições” para sementeira podem variar devido às circunstâncias particulares que cada um vive, donde, seja absolutamente necessário um critério esclarecido, uma visão correcta para escolher o momento, a ocasião mais apropriada.

Ajudar-nos-á, sem dúvida, pedir ajuda aos Espírito Santo, talvez utiizando a famosa composição de São Tomás de Aquino:

«Oh! Espírito Santo, Amor do Pai e do Filho: Inspira-me sempre o que devo pensar, o que devo dizer, como devo dizer.
O que devo calar, o que devo escrever, como devo fazer, ara obter a Vossa Glória, o bem das almas e a minha própria santificação.»

(ama, comentário sobre Mc 4, 1-20, 2014.01.29)


Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]

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O Opus Dei ocupa um papel de primeiro plano no processo moderno de evolução do laicado; por isso gostaríamos de lhe perguntar, antes de mais nada, quais são, na sua opinião, as características mais notáveis deste processo.

Sempre pensei que a característica fundamental do processo de evolução do laicado é a consciencialização da dignidade da vocação cristã. A chamada de Deus, o carácter baptismal e a graça, fazem com que cada cristão possa e deva encarnar plenamente a fé. Cada cristão deve ser alter Christus, ipse Christus, presente entre os homens. O Santo Padre disse-o de maneira inequívoca: “É necessário voltar a dar toda a importância ao facto de ter recebido o sagrado baptismo, quer dizer, de ter sido enxertado, mediante esse sacramento, no Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. (...) Ser cristão, ter recebido o baptismo, não deve ser considerado como coisa indiferente e sem valor, antes deve marcar profunda e ditosamente a consciência de todos os baptizados” (Encíclica Ecclesiam Suam, parte 1).

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Isto traz consigo uma visão mais profunda da Igreja, como comunidade formada por todos os fiéis, de modo que todos somos solidários duma mesma missão, que cada um deve realizar segundo as suas circunstâncias pessoais. Os leigos, graças aos impulsos do Espírito Santo, são cada vez mais conscientes de serem Igreja, de possuírem uma missão específica, sublime e necessária, uma vez que foi querida por Deus. E sabem que essa missão depende da sua própria condição de cristãos, não necessariamente de um mandato da Hierarquia, embora seja evidente que deverão realizá-la em união com a Hierarquia eclesiástica e segundo os ensinamentos do Magistério: sem união com o Corpo episcopal e com a sua cabeça, o Romano Pontífice, não pode haver, para um católico, união com Cristo.

O modo de os leigos contribuírem para a santidade e para o apostolado da Igreja consiste na acção livre e responsável no seio das estruturas temporais, aí levando o fermento da mensagem cristã. O testemunho de vida cristã, a palavra que ilumina em nome de Deus e a acção responsável, para servir os outros, contribuindo para a resolução de problemas comuns, são outras tantas manifestações dessa presença através da qual o cristão corrente cumpre a sua missão divina.

Há muitos anos, desde a própria data da fundação do Opus Dei, que medito e tenho feito meditar umas palavras de Cristo que nos relata S. João: et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum (Jn. 12, 32). Cristo, morrendo na Cruz, atrai a Si a criação inteira, e, em seu nome, os cristãos, trabalhando no meio do mundo, hão-de reconciliar todas as coisas com Deus, colocando Cristo no cume de todas as actividades humanas.

Gostaria de acrescentar que, juntamente com esta consciencialização dos leigos, se está a produzir um desenvolvimento análogo da sensibilidade dos pastores: eles reparam no que tem de específico a vocação laical, que deve ser promovida e favorecida mediante uma pastoral que leve a descobrir no meio do Povo de Deus o carisma da santidade e do apostolado, nas infinitas e diversíssimas formas nas quais Deus o concede.

Esta nova pastoral é muito exigente mas, em minha opinião, absolutamente necessária. Requer o dom sobrenatural do discernimento de espíritos, a sensibilidade para as coisas de Deus, a humildade de não impor as próprias preferências e de servir o que Deus promove nas almas. Numa palavra: o amor à legítima liberdade dos filhos de Deus, que encontram Cristo e são feitos portadores de Cristo, percorrendo caminhos muito diversos entre si, mas todos igualmente divinos.

Um dos maiores perigos que hoje ameaçam a Igreja poderia ser precisamente o de não reconhecer essas exigências divinas da liberdade cristã e, deixando-se levar por falsas razões de eficácia, pretender impor uma uniformidade aos cristãos. Na raiz dessa atitude há algo não apenas legítimo, como, até, louvável: o desejo de que a Igreja dê um testemunho tal, que comova o mundo moderno. Todavia, receio bem que o caminho seja errado e leve, por um lado, a comprometer a Hierarquia em questões temporais, caindo num clericalismo diferente mas tão nefasto como o dos séculos passados; e, por outro, a isolar os leigos, os cristãos correntes, do mundo em que vivem, para os converter em porta-vozes de decisões ou ideias concebidas fora desse mundo.

Parece-me que a nós, sacerdotes, se nos pede a humildade de aprender a não estar na moda, de sermos realmente servos dos servos de Deus - lembrando-nos daquela exclamação do Baptista: illum oportet crescere, me autem mínui (Jn. 3, 30), convém que Cristo cresça e que eu diminua - para que os cristãos correntes, os leigos, tornem Cristo presente em todos os ambientes da sociedade. A missão de dar doutrina, de ajudar a penetrar nas exigências pessoais e sociais do Evangelho, de levar a discernir os sinais dos tempos é e será sempre uma das funções fundamentais do sacerdote. Mas todo o TRABALHO sacerdotal deve ser realizado dentro do maior respeito pela legítima liberdade das consciências: cada homem deve responder livremente a Deus. Quanto ao resto, todos os católicos, além dessa ajuda do sacerdote, têm também luzes próprias que recebem de Deus, graça de estado para levar a cabo a missão específica que, como homens e como cristãos, receberam.

Quem pensa que, para que a voz de Cristo se faça ouvir no mundo de hoje, é necessário que o clero fale ou se faça sempre presente, ainda não compreendeu bem a dignidade da vocação divina de todos e de cada um dos fiéis cristãos.

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Nestas circunstâncias, qual a função que o Opus Dei desempenhou e desempenha? Que relações de colaboração mantêm os sócios com outras organizações que trabalham neste campo?

Não me pertence a mim fazer um juízo histórico sobre o que, pela graça de Deus, o Opus Dei tem feito. Devo apenas afirmar que a finalidade a que o Opus Dei aspira é favorecer a procura da santidade e o exercício do apostolado por parte dos cristãos que vivem no meio do mundo, qualquer que seja o seu estado ou condição.

A Obra nasceu para contribuir para que esses cristãos, inseridos no tecido da sociedade civil - com a sua família, os seus amigos, o seu trabalho profissional, as suas aspirações nobres - compreendam que a sua vida, tal como é, pode ser ocasião de um encontro com Cristo: quer dizer, que é um caminho de santidade e de apostolado. Cristo está presente em qualquer actividade humana honesta: a vida de um cristão corrente - que talvez a alguns pareça vulgar e mesquinha - pode e deve ser uma vida santa e santificante.

Por outras palavras: para seguir Cristo, para servir a Igreja, para ajudar os outros homens a reconhecerem o seu destino eterno, não é indispensável abandonar o mundo ou afastar-se dele, nem sequer é preciso dedicar-se a uma actividade eclesiástica; a condição necessária e suficiente é cumprir a missão que Deus encomendou a cada um, no lugar e no ambiente queridos pela sua Providência.

E como a maior parte dos cristãos recebe de Deus a missão de santificar o mundo a partir de dentro, permanecendo no meio das estruturas temporais, o Opus Dei dedica-se a fazer-lhes descobrir essa missão divina, mostrando-lhes que a vocação humana - a vocação profissional, familiar e social - não se opõe à vocação sobrenatural: antes pelo contrário, forma parte integrante dela.

O Opus Dei tem como missão específica e exclusiva a difusão desta mensagem - que é uma mensagem evangélica - entre todas as pessoas que vivem e trabalham no mundo, em qualquer ambiente ou profissão. E àqueles que entendem este ideal de santidade a Obra proporciona os meios espirituais e a formação doutrinal, ascética e apostólica, necessários para o realizar na própria vida.

Os sócios do Opus Dei não actuam em grupo; actuam individualmente, com liberdade e responsabilidade pessoais. Por isso, o Opus Dei não é uma organização fechada, ou que de algum modo reúna os seus sócios para os isolar dos outros homens. As actividades corporativas, que são as únicas que a Obra dirige, estão abertas a toda a espécie de pessoas, sem discriminação de espécie alguma: nem social, nem cultural, nem religiosa. E os sócios, precisamente porque devem santificar-se no mundo, colaboram sempre com todas as pessoas com quem estão em relação pelo seu trabalho e pela sua participação na vida cívica.

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Faz parte essencial do espírito cristão não só viver em união com a Hierarquia ordinária - o Romano Pontífice e o Episcopado - como também sentir a unidade com os outros irmãos na fé. Há muito tempo que penso que um dos maiores males da Igreja nestes tempos é o desconhecimento que muitos católicos têm do que fazem e pensam os católicos de outros países ou de outros ambientes sociais. É necessário actualizar essa fraternidade que os primeiros cristãos viviam tão profundamente. Assim nos sentiremos unidos, amando ao mesmo tempo a variedade das vocações pessoais, evitando-se não poucos juízos injustos e ofensivos, que determinados pequenos grupos propagam - em nome do catolicismo - contra os seus irmãos na fé, que na realidade actuam rectamente e com sacrifício, dadas as circunstâncias particulares do seu país.

É importante que cada um procure ser fiel à sua vocação divina, de tal maneira que não deixe de trazer à Igreja aquilo que leva consigo o carisma recebido de Deus. O que é próprio dos sócios do Opus Dei - cristãos correntes - é santificar o mundo a partir de dentro, participando nas mais diversas actividades humanas. Como o facto de pertencerem à Obra não altera em nada a sua posição no mundo, colaboram, da maneira adequada em cada caso, nas celebrações religiosas colectivas, na vida paroquial, etc. Também neste sentido são cidadãos correntes, que querem ser bons católicos.

Todavia, os sócios do Opus Dei não se costumam dedicar, geralmente, a trabalhar em actividades confessionais. Só em casos excepcionais, quando a Hierarquia expressamente o pede, algum membro da Obra colabora em actividades eclesiásticas. Nessa atitude não há qualquer desejo de se singularizar, e menos ainda de desconsideração pelas actividades confessionais, mas tão somente a decisão de se ocupar do que é próprio da vocação para o Opus Dei. Há já muitos religiosos e clérigos, e também muitos leigos cheios de zelo, que levam para a frente essas actividades, dedicando-lhes os seus melhores esforços.

O que é próprio dos sócios da Obra, a tarefa a que se sabem chamados por Deus, é outra. Dentro da chamada universal à santidade, o sócio do Opus Dei recebe, além disso, uma chamada especial para se dedicar, livre e responsavelmente, a procurar a santidade e a fazer o apostolado no meio do mundo, comprometendo-se a viver um espírito específico e a receber, ao longo de toda a sua vida, uma formação peculiar. Se descurassem o seu trabalho no mundo, para se ocuparem das actividades eclesiásticas, tornariam ineficazes os dons divinos recebidos, e pelo entusiasmo de uma eficácia pastoral imediata, causariam um real dano à Igreja: porque não haveria tantos cristãos dedicados a santificarem-se em todas as profissões e ofícios da sociedade civil, no campo imenso do trabalho secular.

Além disso, a exigente necessidade da contínua formação profissional e da formação religiosa, juntamente com o tempo dedicado pessoalmente à piedade, à oração e ao cumprimento sacrificado dos deveres de estado, consome toda a vida: não há horas livres.

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Sabemos que pertencem ao Opus Dei homens e mulheres de todas as condições sociais, solteiros ou casados. Qual é, pois, o elemento comum que caracteriza a vocação para a Obra? Que compromissos assume cada sócio para realizar os fins do Opus Dei?

Vou dizer-lho em poucas palavras: procurar a santidade no meio do mundo, no meio da rua. Quem recebe de Deus a vocação específica para o Opus Dei sabe e vive que deve alcançar a santidade no seu próprio estado, no exercício do seu trabalho, manual ou intelectual. Disse sabe e vive, porque não se trata de aceitar um simples postulado teórico, mas de o realizar dia a dia, na vida ordinária.

Querer alcançar a santidade - apesar dos erros e das misérias pessoais, que durarão enquanto vivermos - significa esforçar-se, com a graça de Deus, por viver a caridade, plenitude da lei e vínculo da perfeição. A caridade não é algo de abstracto; quer dizer entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens: desse Deus que nos fala no silêncio da oração e no rumor do mundo; desses homens, cuja existência se cruza com a nossa.

Vivendo a caridade - o Amor -, vivem-se todas as virtudes humanas e sobrenaturais do cristão, que formam uma unidade e que não se podem reduzir a enumerações exaustivas. A caridade exige que se viva a justiça, a solidariedade, a responsabilidade familiar e social, a pobreza, a alegria, a castidade, a amizade...

Vê-se imediatamente que a prática destas virtudes conduz ao apostolado. Mais, é já apostolado. Porque, ao procurar viver assim, no meio do trabalho diário, a conduta cristã torna-se bom exemplo, testemunho, ajuda concreta e eficaz: aprende-se a seguir as pisadas de Cristo, que coepit facere et docere (Act. 1, 1), que começou a fazer e a ensinar, unindo ao exemplo a palavra. Por isso, chamei a este trabalho, há já quarenta anos, apostolado de amizade e confidência.

Todos os sócios do Opus Dei têm este mesmo afã de santidade e de apostolado. Por isso, na Obra não há graus ou categorias de membros. O que há é uma multiplicidade de situações pessoais - a situação que cada um tem no mundo - a que se adapta a mesma e única vocação específica e divina: a chamada a entregar-se, a empenhar-se pessoalmente, livremente e responsavelmente, no cumprimento da vontade de Deus manifestada para cada um de nós.

Como pode ver, o fenómeno pastoral do Opus Dei é algo que nasce de baixo, quer dizer, da vida corrente do cristão que vive e trabalha junto dos outros homens. Não está na linha de uma mundanização - dessacralização - da vida monástica ou religiosa: não é o último estádio de aproximação dos religiosos ao mundo.

Aquele que recebe a vocação para o Opus Dei adquire uma nova visão das coisas que tem à sua volta: luzes novas nas suas relações sociais, na sua profissão, nas suas preocupações, nas suas tristezas e nas suas alegrias; mas nem por um momento deixa de viver no meio de tudo isso. E não se pode de modo algum falar de adaptação ao mundo, ou à sociedade moderna: ninguém se adapta àquilo que tem como próprio; naquilo que se tem como próprio está-se. A vocação recebida é igual à que surgia na alma daqueles pescadores, camponeses, comerciantes ou soldados que, sentados ao pé de Jesus Cristo na Galileia, O ouviam dizer: sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito (Mt. 5, 48).

Repito que esta perfeição - que os sócios do Opus Dei procuram - é a perfeição própria do cristão, sem mais: quer dizer, aquela a que são chamados todos os cristãos e que implica viver integralmente as exigências da fé. Não nos interessa a perfeição evangélica, que se considera própria dos religiosos e de algumas instituições assimiladas aos religiosos; e ainda menos nos interessa a chamada vida de perfeição evangélica, que se refere canonicamente ao estado religioso.

O caminho da vocação religiosa parece-me bendito e necessário na Igreja, e quem não o estimasse não teria o espírito da Obra. Mas esse caminho não é o meu nem o dos sócios do Opus Dei. Pode-se dizer que, ao virem ao Opus Dei, todos e cada um dos seus sócios o fizeram com a condição explícita de não mudar de estado. A nossa característica específica é santificar o próprio estado no mundo, e procurar que cada um dos sócios se santifique no lugar do seu encontro com Cristo: este é o compromisso que cada sócio assume para realizar os fins do Opus Dei.

(cont)








[i] Entrevista realizada por Enrico Zuppi e António Fugardi, publicada em L'Osservatore della Domenica (Cidade do Vaticano) nos dias 19 e 26 de Maio e 2 de Junho de 1968




Pequena agenda do cristão

Quarta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:

Simplicidade e modéstia.


Senhor, ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de grandeza e proeminência.


Lembrar-me:
Do meu Anjo da Guarda.


Senhor, ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas alegrias e entristece-se com as minhas faltas.

Anjo da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu interesse e protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser tão mesquinho na retribuição de tantos favores recebidos.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?