06/02/2015

Cristo diz-me a mim e diz-te a ti que precisa de nós

Devoção de Natal. – Não sorrio quando te vejo fazer as montanhas de musgo do Presépio e dispor as ingénuas figuras de barro em volta da gruta. – Nunca me pareceste mais homem do que agora, que pareces uma criança. (Caminho, 557)


Quando chega o Natal, gosto de contemplar as imagens do Menino Jesus. Essas figuras que nos mostram o Senhor tão apoucado, recordam-me que Deus nos chama, que o Omnipotente Se quis apresentar desvalido, quis necessitar dos homens. Do berço de Belém, Cristo diz-me a mim e diz-te a ti que precisa de nós; reclama de nós uma vida cristã sem hesitações, uma vida de entrega, de trabalho, de alegria.

Não conseguiremos jamais o verdadeiro bom humor se não imitarmos deveras Jesus, se não formos humildes como Ele. Insistirei de novo: vedes onde se oculta a grandeza de Deus? Num presépio, nuns paninhos, numa gruta. A eficácia redentora das nossas vidas só se pode dar com humildade, deixando de pensar em nós mesmos e sentindo a responsabilidade de ajudar os outros.

É corrente, às vezes até entre almas boas, criar conflitos íntimos, que chegam a produzir sérias preocupações, mas que carecem de qualquer base objectiva. A sua origem está na falta de conhecimento próprio, que conduz à soberba: o desejo de se tornarem o centro da atenção e da estima de todos, a preocupação de não ficarem mal, de não se resignarem a fazer o bem e desaparecerem, a ânsia da segurança pessoal... E assim, muitas almas que poderiam gozar de uma paz extraordinária, que poderiam saborear um imenso júbilo, por orgulho e presunção tornam-se desgraçadas e infecundas!


Cristo foi humilde de coração. Ao longo da sua vida, não quis para Si nenhuma coisa especial, nenhum privilégio. (Cristo que passa, 18)

Evangelho, coment. L esp. (Temas actuais do cristianismo)

Tempo Comum IV Semana

Evangelho: Mc 6 14-29

14 Ora o rei Herodes ouviu falar de Jesus, cujo nome se tinha tornado célebre. Uns diziam: «João Baptista ressuscitou de entre os mortos; é por isso que o poder de fazer milagres se manifesta n'Ele.» 15 Outros, porém, diziam: «É Elias». E outros afirmavam: «É um profeta, como um dos antigos profetas». 16 Herodes, porém, ouvindo isto, dizia: «É João, a quem eu degolei, que ressuscitou». 17 Porque Herodes tinha mandado prender João, e teve-o a ferros numa prisão por causa de Herodíades, mulher de Filipe, seu irmão, com a qual tinha casado. 18 Porque João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter a mulher de teu irmão». 19 Herodíades odiava-o e queria fazê-lo morrer; porém, não podia, 20 porque Herodes, sabendo que João era varão justo e santo, olhava-o com respeito, protegia-o e quando o ouvia ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. 21 Chegou, porém, um dia oportuno, quando Herodes, no seu aniversário natalício, deu um banquete aos grandes da corte, aos tribunos e aos principais da Galileia. 22 Tendo entrado na sala a filha da mesma Herodíades, dançou e agradou a Herodes e aos seus convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres e eu to darei». 23 E jurou-lhe: «Tudo o que me pedires te darei, ainda que seja metade do meu reino». 24 Ela, tendo saído, perguntou à mãe: «Que hei-de pedir?». Ela respondeu-lhe: «A cabeça de João Baptista». 25 Tornando logo a entrar apressadamente junto do rei, fez este pedido: «Quero que me dês imediatamente num prato a cabeça de João Baptista». 26 O rei entristeceu-se, mas, por causa do juramento e dos convidados, não quis desgostá-la. 27 Imediatamente mandou um guarda com ordem de trazer a cabeça de João. Ele foi degolá-lo no cárcere, 28 levou a sua cabeça num prato, deu-a à jovem, e esta deu-a à mãe. 29 Tendo sabido isto os seus discípulos, foram, tomaram o corpo e o depuseram num sepulcro.

Comentário

Também hoje em dia se podem encontrar émulos de Herodes e, parece, em número crescente.
A preocupação pelo ter, possuir não porque realmente se necessite mas porque se quer desfrutar, 'fazer figura', 'ter estatuto'. Essas pessoas não olham a meios pata obterem o que desejam mesmo que, para o conseguirem, hipotequem os dias futuros, a solvência da família. Quando o não conseguem, alguns - bastantes infelizmente - recorrem à trapaça, o engano, a trafulhice a corrupção.
E, aparentemente, ficam bem e, como Herodes, também vivem em palácios frequentam festas e banquetes, têm atrás de si um cortejo de oportunistas bajuladores e vão pela vida desafiando leis e costumes.
Tarde ou cedo, a justiça será feita, inexorável, e da sua passagem pela terra não restará que um triste cortejo de más memórias e tristes recordações.

(ama, comentário sobre Mc 6, 14-29, 2012.02.03)

Leitura espiritua


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]


112           
Ao longo desta entrevista, tem havido ocasião de comentar aspectos importantes da vida humana o especificamente da vida da mulher, e de reconhecer como o espírito do Opus Dei os valoriza. Para terminar, poder-nos-ia dizer como considera que se deve promove, o papel da mulher na vida da Igreja?

Não posso ocultar que, ao responder a uma pergunta deste tipo, sinto a tentação - contrária ao meu proceder habitual - de fazê-lo de um modo polémico, porque há algumas pessoas que empregam essa linguagem de um modo clerical, usando a palavra Igreja como sinónimo de algo que pertence ao clero, à Hierarquia eclesiástica. E assim, por participação na vida da Igreja entendem, só ou principalmente, a ajuda prestada à vida paroquial, a colaboração em associações “com mandato” da Hierarquia, a assistência activa nas funções litúrgicas e coisas semelhantes.

Quem pensa assim esquece na prática - ainda que talvez o proclame na teoria - que a Igreja é a totalidade do Povo de Deus, o conjunto de todos os cristãos, que, portanto, onde estiver um cristão que se esforce por viver em nome de Jesus Cristo, aí está presente a Igreja.

Com isto não pretendo minimizar a importância da colaboração que a mulher pode prestar à vida da estrutura eclesiástica. Pelo contrário, considero-a imprescindível. Tenho dedicado a minha vida a defender a plenitude da vocação cristã do laicado, dos homens e das mulheres que vivem no meio do mundo e, por conseguinte, a procurar o pleno reconhecimento teológico e jurídico da sua missão na Igreja e no mundo.

Só quero fazer notar que há quem promova uma redução injustificada dessa colaboração, e afirmar que o cristão comum, homem ou mulher, só pode cumprir a sua missão específica, também a que lhe corresponde dentro da estrutura eclesial, desde que não se clericalize, se continuar a ser secular, corrente, pessoa que vive no mundo e que participa dos cuidados do mundo.

Compete aos milhões de mulheres e de homens cristãos que enchem a Terra, levar Cristo a todas as actividades humanas, anunciando com as suas vidas que Deus ama a todos e quer salvar a todos. Por isso, a melhor maneira de participarem na vida da Igreja, a mais importante e a que, pelo menos, tem de estar pressuposta em todas as outras, é a de serem integralmente cristãos no lugar onde estão na vida, onde a sua vocação humana os levou.

Como me emociona pensar em tantos cristãos, homens e mulheres, que, talvez sem se proporem fazê-lo de maneira específica, vivem com simplicidade a sua vida de cada dia, procurando encarnar nela a Vontade de Deus! Fazer-lhes tomar consciência da sublimidade da sua vida, revelar-lhes que isso, que parece sem importância, tem um valor de eternidade, ensinar-lhes a escutar mais atentamente a voz de Deus, que lhes fala através de acontecimentos e situações, é do que a Igreja tem hoje premente necessidade, porque é nesse sentido que Deus a está urgindo.

Cristianizar o mundo inteiro a partir de dentro, mostrando que Jesus Cristo redimiu toda a humanidade - essa é a missão do cristão. E a mulher participará nela da maneira que lhe é própria, tanto no lar como nas tarefas que desempenhe, realizando as suas virtualidades peculiares.

O principal é, pois, que, como Santa Maria - mulher, Virgem e Mãe - vivam voltadas para Deus, pronunciando esse fiat mihi secundum verbum tuum (Luc. 1, 38), faça-se em mim segundo a tua palavra, do qual depende a fidelidade à vocação pessoal, única e intransferível em cada caso, que nos fará cooperadores da obra de salvação que Deus realiza em nós e no mundo inteiro.

113   [ii]       

Acabais de ouvir a leitura solene dos dois textos da Sagrada Escritura correspondentes à Missa do XXI Domingo depois de Pentecostes. Tendo ouvido a palavra de Deus, já estais situados no âmbito em que se hão-de mover as palavras que agora vos dirijo: palavras de sacerdote, pronunciadas perante uma grande família de filhos de Deus na sua Santa Igreja. Palavras, pois, que desejam ser sobrenaturais, pregoeiras da grandeza de Deus e das suas misericórdias para com os homens; palavras que vos disponham para a impressionante Eucaristia que hoje celebramos aqui no campus da Universidade de Navarra.

Considerai por uns instantes o facto que acabo de mencionar. Celebramos a Sagrada Eucaristia, o sacrifício sacramental do corpo e do sangue de Nosso Senhor, esse mistério de fé que reúne em si todos os mistérios do Cristianismo. Celebramos, portanto, a acção mais sagrada e transcendente que o homem, por graça de Deus, pode realizar nesta vida. Comungar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor é, de certo modo, desligar-nos dos laços de terra e de tempo, para estar já com Deus no Céu, onde o próprio Cristo enxugará as lágrimas dos nossos olhos e onde não haverá morte, nem pranto, nem gritos de fadiga, porque o mundo velho já terá passado [Cfr Ap. XXI, 4].

Esta verdade tão consoladora e profunda, esta significação escatológica da Eucaristia, como costumam denominá-la os teólogos, poderia, no entanto, ser mal entendida; e de facto tem-no sido, sempre que se tem pretendido apresentar a existência cristã como algo de exclusivamente espiritual - espiritualista, quero dizer - próprio da gente pura, extraordinária, que não se mistura com as coisas desprezíveis deste mundo, ou que, quando muito, as tolera como realidade necessariamente justaposta ao espírito, enquanto aqui vivemos.

Quando se vêem as coisas deste modo, o lugar por excelência da vida cristã passa a ser o templo; e ser cristão, nesse caso, consiste em ir ao templo, participar em cerimónias sagradas, incrustar-se numa sociologia eclesiástica, numa espécie de mundo segregado, que se apresenta a si mesmo como a antecâmara do Céu, enquanto o mundo comum segue o seu próprio caminho. A doutrina do Cristianismo e a vida da graça passariam, por conseguinte, como que roçando o atribulado avançar da história humana, mas sem se encontrarem com ele.

Nesta manhã de Outubro, enquanto nos dispomos a penetrar no memorial da Páscoa do Senhor, respondemos simplesmente que não a essa visão deformada do Cristianismo. Reflecti um momento no enquadramento da nossa Eucaristia, da nossa Acção de Graças: encontramo-nos num templo singular; poderíamos dizer que a nave é o campus universitário; o retábulo, a Biblioteca da Universidade; além a maquinaria que levanta novos edifícios; e por cima, o céu de Navarra...

Esta enumeração não vos confirma, de uma forma palpável e inesquecível, que o verdadeiro lugar da vossa existência cristã é a vida corrente? Meus filhos, onde estiverem os homens, vossos irmãos; onde estiverem as vossas aspirações, o vosso TRABALHO, os vossos amores, é aí que está o sítio do vosso encontro quotidiano com Cristo. É no meio das coisas mais materiais da Terra que devemos santificar-nos, servindo Deus e todos os homens.

114           
Tenho ensinado constantemente com palavras da Sagrada Escritura: o mundo não é mau porque saiu das mãos de Deus, porque é uma criatura Sua, porque Iavé olhou para ele e viu que era bom [Cfr. Gen. 1, 7 e ss.]. Nós, os homens, é que o tornamos mau e feio, com os nossos pecados e as nossas infidelidades. Não duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das honestas realidades diárias é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa oposta à vontade de Deus.

Pelo contrário, deveis compreender agora - com uma nova clareza - que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares da vida humana: Deus espera-nos todos os dias no laboratório, no bloco operatório, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do TRABALHO. Ficai a saber: escondido nas situações mais comuns há um quê de santo, de divino, que toca a cada um de vós descobrir.

Eu costumava dizer àqueles universitários e àqueles operários que vinham ter comigo por volta de 1930 que tinham que saber materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, tão frequente então como agora, de viver uma vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas.

Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se queremos ser cristãos, não podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser - na alma e no corpo - santa e cheia de Deus, deste Deus invisível que encontramos nas coisas mais visíveis e materiais.

Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos Por isso posso dizer-vos que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu sentido nobre e original, colocá-las ao serviço do Reino de Deus, espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro permanente com Jesus Cristo.

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O sentido cristão autêntico - que professa a ressurreição de toda a carne - sempre combateu, como é lógico, a desencarnação, sem receio de ser julgado materialista. É lícito, portanto, falar de um materialismo cristão, que se opõe audazmente aos materialismos fechados ao espírito.

Que são os sacramentos - vestígios da Encarnação do Verbo, como afirmaram os antigos - senão a mais clara manifestação deste caminho que Deus escolheu para nos santificar e levar para o Céu? Não vedes que cada sacramento é o amor de Deus, com toda a sua força criadora e redentora, que se nos dá servindo-se de meios materiais? O que é esta Eucaristia - já iminente - senão o Corpo e o Sangue adoráveis do nosso Redentor, que Se nos oferece através da humilda matéria deste mundo - vinho e pão - através dos elementos da natureza cultivados pelo homem, como o último Concílio Ecuménico quis recordar? [Cfr. Gaudium et Spes, nº 38]

Compreende-se, meus filhos, que o Apóstolo pudesse escrever: todas as coisas são vossas; vós sois de Cristo e Cristo de Deus [I Cor III 22-23]. Trata-se de um movimento ascendente que o Espírito Santo, difundido nos nossos corações, quer provocar no mundo: da terra até à glória de Nosso Senhor. E para que ficasse claro que nesse movimento se incluía até o que parece mais prosaico, S. Paulo escreveu também: quer comais, quer bebais, fazei tudo para glória de Deus [I Cor X, 31].

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Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra, como sabeis, no próprio cerne do espírito do Opus Dei, há-de levar-vos a realizar o vosso trabalho com perfeição, a amar a Deus e os homens fazendo com amor as pequenas coisas da vossa jornada habitual, descobrindo esse quê divino que está encerrado nos pormenores. Que bem se enquadram aqui aqueles versos do poeta de Castela: Devagar, e boa letra;/que fazer as coisas bem/ importa mais que fazê-las [A. MACHADO, Poesias Completas. CLXI - Proverbios y cantares XXIV, Espasa-Calpe, Madrid, 1940].

Asseguro-vos, meus filhos, que, quando um cristão realiza com amor a mais intranscendente das acções diárias, ela transborda da transcendência de Deus. Por isso vos tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em fazer poesia heróica da prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não; onde se juntam deveras é nos vossos corações, quando viveis santamente a vida de cada dia...

Viver santamente a vida de cada dia, acabo de dizer-vos. E com estas palavras refiro-me a todo o programa da vossa vida cristã. Deixai-vos, pois, de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, daquilo a que costumo chamar mística do oxalá - oxalá não me tivesse casado; oxalá não tivesse esta profissão; oxalá tivesse mais saúde; oxalá fosse mais novo; oxalá fosse velho!... - e cingi-vos, pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde Nosso Senhor está: vede as minhas mãos e os meus pés, disse Jesus ressuscitado; sou Eu mesmo. Tocai-Me e vede que um espírito não tem carne e ossos como vedes que Eu tenho [Lc 24, 39].

São muitos os aspectos do ambiente secular em que vos moveis, que se iluminam a partir destas verdades. Pensai, por exemplo, na vossa actuação de cidadãos na vida civil. Um homem sabedor de que o mundo - e não só o templo - é o lugar do seu encontro com Cristo, ama esse mundo, procura adquirir uma boa preparação intelectual e profissional, vai formando - com plena liberdade - os seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que vive; e toma, como consequência, as suas próprias decisões que, por serem decisões de um cristão, procedem também de uma reflexão pessoal que tenta humildemente captar a vontade de Deus nesses aspectos, pequenos e grandes, da vida.

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Mas esse cristão não se lembra nunca de pensar ou de dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja, e que as suas soluções são as soluções católicas daqueles problemas. Isso não pode ser, meus filhos! Isso seria clericalismo, catolicismo oficial, ou como quiserdes chamar-lhe. De qualquer modo, seria violentar a natureza das coisas. Tendes de difundir por toda a parte uma verdadeira mentalidade laical, que há-de levar os cristãos a três consequências:

- a serem suficientemente honrados para arcarem com a sua responsabilidade pessoal;

- a serem suficientemente cristãos para respeitarem os seus irmãos na fé que proponham - em matérias discutíveis - soluções diversas das suas

- e a serem suficientemente católicos para não se servirem da Igreja, nossa Mãe, misturando-a com partidarismos humanos.

Vê-se claramente que, neste terreno como em todos, não poderíeis realizar o programa de viver santamente a vida diária se não gozásseis de toda a liberdade que vos é reconhecida - simultaneamente - pela Igreja e pela vossa dignidade de homens e de mulheres criados à imagem de Deus. A liberdade pessoal é essencial para a vida cristã. Mas não vos esqueçais, meus filhos, de que falo sempre de uma liberdade responsável.

Interpretai, portanto, as minhas palavras como o que são: um chamamento a exercerdes - diariamente!, não apenas em situações de emergência - os vossos direitos; e a cumprirdes nobremente as vossas obrigações como cidadãos - na vida política, na vida económica, na vida universitária, na vida profissional -, assumindo com coragem todas as consequências das vossas decisões, arcando com a independência pessoal que vos corresponde. E essa mentalidade laical cristã permitir-vos-á fugir de toda a intolerância, de todo o fanatismo. Di-lo-ei de um modo positivo: far-vos-á conviver em paz com todos os vossos concidadãos e fomentar também a convivência nos diversos sectores da vida social.

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Sei que não tenho necessidade de recordar o que ao longo de tantos anos venho repetindo. Esta doutrina de liberdade civil, de convivência e de compreensão é uma parte muito importante da mensagem que o Opus Dei difunde. Terei que voltar a afirmar que os homens e as mulheres que querem servir Jesus Cristo na Obra de Deus são simplesmente cidadãos iguais aos outros que se esforçam por viver com responsabilidade séria - até às últimas consequências - a sua vocação cristã?

Nada distingue os meus filhos dos seus concidadãos. Por outro lado, exceptuando a Fé, nada têm de comum com os membros das congregações religiosas. Amo os religiosos e venero e admiro as suas clausuras, os seus apostolados, o seu afastamento do mundo - o seu contemptus mundi -, que são outros sinais de santidade na Igreja. Mas Nosso Senhor não me deu vocação religiosa, e desejá-la para mim seria uma desordem. Nenhuma autoridade na terra poderá obrigar-me a ser religioso, como nenhuma autoridade pode forçar-me a contrair matrimónio. Sou sacerdote secular: sacerdote de Jesus Cristo, que ama apaixonadamente o mundo.

(cont)









[i] Entrevista realizada por Pilar Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de 1968 e reproduzida em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.






[ii] Homilia pronunciada no campus da Universidade de Navarra, em 8 de Outubro de 1967.

Tratado do verbo encarnado 113

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 10 — Se é falsa a proposição – Cristo, enquanto homem, é criatura, ou começou a existir.

O décimo discute-se assim. — Parece falsa a proposição: Cristo, enquanto homem, é criatura, ou, começou a existir.

1. — Pois, nada há de criado em Cristo, senão a natureza humana. Ora, é falsa a proposição: Cristo, enquanto homem é a natureza humana. Logo, também esta outra o é: Cristo, enquanto homem, é criatura.

2. Demais. — O predicado aplica-se mais estreitamente a um termo restritivo do sujeito do que ao próprio sujeito da proposição. Assim, se dissermos — o corpo, enquanto colorido, é visível — segue-se que o colorido é visível. Ora, como foi dito, não podemos conceder em sentido absoluto a proposição — o homem Cristo é uma criatura. Logo, nem esta: Cristo enquanto homem é criatura.

3. Demais. — Tudo o predicado de um homem, como tal, é dele predicado essencial e absolutamente, pois, falar de uma coisa, considerada como tal e de maneira essencial, é o mesmo, como diz Aristóteles. Ora, é falsa a proposição: Cristo é, em si e absolutamente considerado, criatura. Logo, também esta outra é falsa: Cristo, enquanto homem, é criatura.

Mas, em contrário. — Tudo o existente ou é o Criador ou é criatura. Ora, é falsa a proposição: Cristo, enquanto homem, é Criador. Logo é verdadeira a outra: Cristo, enquanto homem, é criatura.

Quando dizemos — Cristo, enquanto homem — a palavra homem pode ser retomada na explicação, em razão do suposto ou em razão da natureza. Se for em razão do suposto, sendo o suposto da natureza humana em Cristo eterno e incriado, será falsa a proposição: Cristo, enquanto homem, é criatura. Se porém o for em razão da natureza humana, então é verdadeira, pois, em razão da natureza humana, ou segundo a natureza humana, convêm-lhe ser criatura, como dissemos.
Devemos porém saber, que o nome, assim retomado na explicação, mais propriamente é tomado pela natureza que pelo suposto, pois, é reaplicado com força de predicado, que é tomado formalmente. Pois, a expressão — Cristo enquanto homem — equivale a esta — Cristo, segundo é homem. Logo, é mais para conceder que para negar a proposição: Cristo, segundo é homem, é uma criatura. Se, porém, fizéssemos alguns acréscimo, donde o termo se referisse ao suposto, a proposição deveríamos antes negá-la que concedê-la, por exemplo, se disséssemos: Cristo, enquanto um determinado homem, é uma criatura.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora Cristo não seja a natureza humana, contudo tem a natureza humana. Ora, o nome de criatura, por natureza, predica-se não só em abstracto, mas ainda em concreto, assim, dizemos que a humanidade é criatura, e que o homem é uma criatura.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A palavra homem, aplicada ao sujeito, refere-se mais ao suposto, mas, quando usada em sentido restrictivo, refere-se, antes, à natureza, como se disse. Ora, sendo a natureza criada, e o suposto incriado, embora não concedamos em sentido absoluto a proposição — Este homem não é criatura concedemos porém esta outra: Cristo, segundo é homem, é criatura.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A todo homem, que é suposto só da natureza humana, é-lhe natural não existir senão segundo a natureza humana. Donde, de qualquer suposto tal segue-se, se segundo é homem é uma criatura, que é criatura absolutamente falando. Ora, Cristo, não somente é o suposto da natureza humana, mas também da divina, segundo a qual tem o ser incriado. Donde, pois, não se segue, se, enquanto homem é uma criatura, que o seja absolutamente falando.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:

Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Temas para meditar - 357


Tentações

O núcleo de toda a tentação: remover Deus, o Qual, face a tudo o que na nossa vida se apresenta mais urgente, parece secundário. Pôr ordem no mundo sozinhos, sem Deus, contar apenas com as próprias capacidades, reconhecer como verdadeiras apenas as realidades políticas e materiais e deixar de lado Deus como uma ilusão, tal é a tentação que de múltiplas formas nos ameaça.
Faz parte da natureza da tentação a sua aparência moral: não nos convida directamente a realizar o mal, seria demasiado grosseiro. Finge que indica o melhor: abandonar finalmente as ilusões e empregar eficazmente as nossas forças para melhorar o mundo. Além disso, apresenta-se com a pretensão do verdadeiro realismo. O real é o que se constata: poder e pão. Comparadas com isto, as coisas de Deus aparecem irreais, um mundo secundário de que verdadeiramente não há necessidade.


(Cf. bento xvi, Jesus de Nazaré, Cap. II.) 

Jesus Cristo e a Igreja - 54

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos [i]

II. CONCEITO E MÉTODO

Significado do conceito do celibato: a continência.

A primeira e mais importante premissa para conhecer o desenvolvimento histórico de qualquer instituição é a identificação do verdadeiro significado dos conceitos sobre os quais se baseia. No caso do celibato eclesiástico, foi oferecida de maneira clara e concisa por um dos maiores decretistas: Uguccio Pisa, que na sua conhecida Summa, composta aproximadamente em 1190, começa o comentário ao tratado do celibato com estas palavras: “No início desta distinção (Graciano) para tratar especialmente da continentia clericorum, ou seja, a que devem observar in non contrahendo matrimonio et in non utendo contracto.
Nestas palavras é mencionada, com a clareza desejável, uma dupla obrigação: a de não se casar e a de não usar de um casamento previamente contraído. Isto mostra que naquela época, ou seja, no final do século XII, ainda havia clérigos maiores que se tinham casado antes de receber a sagrada Ordenação.
A mesma Sagrada Escritura mostra-nos que a Ordenação de homens casados foi, de facto, uma coisa normal, porque São Paulo escreve aos seus discípulos Timóteo e Tito que tais candidatos deveriam ter-se casado apenas uma vez. Sabemos que pelo menos São Pedro esteve casado, e talvez houvesse outros Apóstolos, pois o próprio Pedro disse ao Mestre: “nós deixamos tudo e te seguimos. Qual será nosso futuro?” E Jesus na sua resposta disse: “em verdade vos digo que ninguém que tenha deixado casa, pais, irmãos, esposa, filhos pelo reino de Deus deixará de receber muito mais no mundo presente e a vida eterna no mundo futuro”.
Aparece já aqui a primeira obrigação do celibato eclesiástico, isto é, a continência de todo uso do matrimónio posteriormente à Ordenação sacerdotal, da qual decorre tal obrigação. Nisto consiste realmente o significado do celibato, hoje quase esquecido, mas claro para todos durante o primeiro milénio, inclusive antes: a absoluta continência na geração de filhos, incluindo a permitida (inclusive devida) por ser própria do matrimónio.
De facto, em todas as primeiras leis escritas sobre celibato – conforme mostraremos por documentos na segunda parte – fala-se da proibição de gerar filhos depois da Ordenação. Este facto demonstra que esta obrigação devia ser fortemente exigida para o grande número de clérigos anteriormente casados, e que a proibição do casamento tinha no início uma importância secundária. Esta última só passou para o primeiro plano quando a Igreja começou a preferir e, em seguida, a impor candidatos celibatários, dentre aqueles que eram escolhidos quase exclusivamente dos aspirantes às Sagradas Ordens.
Para concluir este primeiro esboço do significado do celibato eclesiástico, que foi chamado desde o início com propriedade “continência”, é preciso esclarecer, rapidamente, que os candidatos casados podiam ser ordenados e renunciar à utilização do matrimónio apenas com o consentimento da sua esposa, já que ela, por força do sacramento recebido, possuía um direito inalienável à utilização do casamento contraído e consumado, que é indissolúvel. O conjunto de questões derivadas de tal renúncia, será tratado na segunda parte.

(cont)

(revisão da tradução portuguesa por ama)





[i] Card. alfons m. stickler, Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro


Temas para meditar - 357


Teologia

A teologia é a ciência acerca de Deus, enquanto o conhecemos pela fé mediante a luz da revelação. É um conhecimento que se baseia na fé e que, ao mesmo tempo, é uma ciência, um esforço racional para entender mais profundamente os mistérios revelados. É «a fé que procura entender, como dizia Santo Anselmo: é o conhecimento que surge da fé que procura uma maior compreensão dos mistérios revelados.


(vicente ferrer barriendos, Jesucristo nuestro Salvador, cap. 1, 4. A, trad ama)