08/10/2016

Leitura espiritual

Leitura Espiritual


Amigos de Deus



São Josemaria Escrivá

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Um caminho normal

Tratamos de virtudes humanas.
E talvez algum possa perguntar: mas comportar-se assim não significa isolar-se do ambiente normal, não é uma coisa alheia ao mundo de todos os dias?
Não.
Não está escrito em nenhum sítio que o cristão deve ser um personagem estranho ao mundo.
Nosso Senhor Jesus Cristo fez o elogio, com obras e com palavras, de outra virtude humana que me é particularmente querida: a naturalidade, a simplicidade.

Lembremo-nos de como Nosso Senhor vem ao mundo: como todos os homens.
Passa a infância e a juventude numa aldeia da Palestina.
É mais um entre os seus concidadãos.
Nos anos da sua vida pública, repete-se continuamente o eco da sua existência normal de Nazaré.
Fala do trabalho, preocupa-se com o descanso dos seus discípulos, vai ao encontro de todos e não recusa falar com ninguém; diz expressamente aos que o seguiam que não impeçam as crianças de se aproximarem d'Ele.
Evocando talvez os tempos da sua infância, apresenta a comparação dos meninos que brincam na praça pública.

Não é tudo isto normal, natural, simples?
Não pode viver-se na vida de todos os dias?
Acontece, no entanto, que os homens costumam habituar-se ao que é chão e corrente e, inconscientemente, procuram o que é aparatoso e artificial.
Tê-lo-ão comprovado, tal como eu: elogia-se, por exemplo, o primor de umas rosas frescas, recém-cortadas, de pétalas finas e perfumadas.
E o comentário é: parecem artificiais!

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A naturalidade e a simplicidade são duas maravilhosas virtudes humanas, que tornam o homem capaz de receber a mensagem de Cristo.
Em contrapartida, tudo o que é emaranhado e complicado, as voltas e mais-voltas em torno de nós mesmos levantam um muro que impede com frequência de ouvir a voz de Nosso Senhor.
Recordemos as acusações que Cristo lança aos fariseus: meteram-se num mundo retorcido que exige pagar dízimos da hortelã, do endro e do cominho, e abandonam as obrigações essenciais da lei, a justiça e a fé; esmeram-se a coar tudo o que bebem, para que não passe nem um mosquito, mas engolem um camelo.

Não!

Nem a nobre vida humana daquele que - sem culpa - não conhece Jesus Cristo, nem a vida do cristão devem ser esquisitas e estranhas.
Estas virtudes humanas, que estamos hoje a considerar, levam todas à mesma conclusão.
É verdadeiramente homem aquele que se empenha em ser veraz, leal, sincero, forte, temperado, generoso, sereno, justo, laborioso, paciente.
Comportar-se desta maneira pode ser difícil, mas nunca é estranho. Se alguns se admirassem, seria por olharem com olhos turvos, nublados por uma secreta cobardia, por falta de rijeza.

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Virtudes humanas e virtudes sobrenaturais

Quando uma alma se esforça por cultivar as virtudes humanas, o seu coração já está muito perto de Cristo.

E o cristão compreende que as virtudes teologais - a fé, a esperança, a caridade - e todas as outras que a graça de Deus traz consigo o animam a nunca descuidar essas boas qualidades, que compartilha com tantos homens.

As virtudes humanas - insisto - são o fundamento das sobrenaturais; e estas proporcionam sempre um novo vigor para progredir com honradez no sentido do bem.
Mas, em qualquer caso, não é suficiente o desejo de possuir essas virtudes: é preciso aprender a praticá-las.
Discite benefacere, aprendei a fazer o bem.
Temos de nos exercitar habitualmente nos actos correspondentes - actos de sinceridade, de equanimidade, de serenidade, de paciência -, porque amores são obras e não se pode amar a Deus só de palavra, mas com obras e de verdade.

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Se o cristão luta por adquirir estas virtudes, a alma dispõe-se a receber com eficácia a graça do Espírito Santo: e as qualidades humanas boas ficam reforçadas com as moções do Paráclito na alma.
A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade - doce hóspede da alma - oferece os seus dons: dom de sabedoria, de entendimento, de conselho, de fortaleza, de ciência, de piedade, de temor de Deus .

Sente-se então o gozo e a paz, a paz gozosa, o júbilo interior com a virtude humana da alegria.
Quando pensamos que tudo se afunda sob os nossos olhos, nada se afunda, porque Tu és, Senhor, a minha fortaleza.
Se Deus mora na nossa alma, tudo o resto, por mais importante que pareça, é acidental, transitório; em contrapartida, nós, em Deus, somos o permanente.

O Espírito Santo, com o dom da piedade, ajuda-nos a considerarmo-nos, com certeza, filhos de Deus.
E se somos filhos de Deus, por que havemos de estar tristes?
A tristeza é a escória do egoísmo.
Se queremos viver para Nosso Senhor, não nos faltará a alegria, mesmo que descubramos os nossos erros e as nossas misérias.
A alegria entra na vida de oração de tal maneira que, a certa altura, não poderemos deixar de cantar: porque amamos, e cantar é próprio de apaixonados.

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Se vivermos assim, realizaremos no mundo uma obra de paz; saberemos tornar amável aos outros o serviço a Nosso Senhor, porque Deus ama quem dá com alegria O cristão é uma pessoa igual às outras na sociedade; mas do seu coração transbordará a alegria de quem se propõe cumprir, com a ajuda constante da graça, a Vontade do Pai: e não se sente vítima, nem inferiorizado, nem coagido.
Caminha de cabeça erguida, porque é homem e é filho de Deus.

A nossa fé dá todo o seu relevo a estas virtudes, que pessoa alguma deveria deixar de cultivar.
Ninguém pode vencer o cristão em humanidade. Por isso, quem segue Cristo é capaz - não por mérito próprio, mas pela graça de Nosso Senhor - de comunicar aos que o rodeiam o que às vezes eles pressentem, embora não consigam compreender: que a verdadeira felicidade, o verdadeiro serviço ao próximo passa pelo Coração do Nosso Redentor; perfectus Deus, perfectus, homo.

Recorramos a Maria, nossa Mãe, a criatura mais excelsa que saiu das mãos de Deus.
Peçamos-lhe que nos faça homens de bem e que essas virtudes humanas, engastadas na vida da graça, se tornem a melhor ajuda para aqueles que trabalham connosco no mundo pela paz e pela felicidade de todos.

(cont)


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