13/12/2016

Leitura espiritual



JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR

Iniciação à Cristologia


PRIMEIRA PARTE


A PESSOA DE JESUS CRISTO



Capítulo IV

O MISTÉRIO DA UNIDADE PESSOAL DE JESUS CRISTO


4. Modos de expressar a realidade do mistério da união hipostática


Sabemos que o Filho de Deus fez suas as propriedades da natureza humana e fez participe a humanidade assumida da dignidade da sua pessoa; de modo que ao expressar o mistério da Encarnação dá-se uma espécie de comunicação de propriedades entre o humano e o divino, o que se denominou com uma locução de origem grega, communicatio idiomatum. Por exemplo, quando São Pedro diz aos judeus: «Matastes o autor da vida» (Act 3,15); ou quando São Paulo diz: «Se tivessem conhecido (a Sabedoria de Deus), nunca teriam crucificado o senhor da glória» (1 Cor 2,8). Em ambos os casos atribuem-se a Deus propriedades humanas (como morrer ou ser crucificado).

Neste campo, há uns modos de falar sobre Cristo que são adequados, mas outros podem ser ambíguos ou erróneos. Portanto, devemos cuidar a precisão da linguagem para nos expressar convenientemente; para isto vejamos algumas regras elementares que devemos observar nas nossas expressões sobre o mistério de Jesus Cristo.


a) Unicamente à pessoa de Cristo há que atribuir todas as propriedades e acções tanto da sua natureza divina como as da sua natureza humana.

Como a pessoa de Cristo é o sujeito que subsiste nas duas naturezas, podem e devem-se atribuir a essa pessoa todas as propriedades e acções da natureza divina e da natureza humana, que realmente são suas e lhe pertencem.

Tenhamos em conta que normalmente nomeamos a pessoa subsistente por meio de nomes concretos: o Verbo, Deus, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, Cristo, o Filho do homem, este homem, etc.

Assim podemos dizer que Deus nasceu de Maria Virgem, ou que o Filho de Deus morreu por nós. E também podemos dizer que Jesus é Deus, é a Verdade e ávida, que por Ele se criaram todas as coisas, ou que existe antes de Abraão. E assim o confessa o símbolo Niceno-Constatinopolitano: «Creio num só Senhor, Jesus Cristo, Filho único de Deus, nascido do pai antes de todos os séculos (…) por quem tudo foi feito; que por nós, os homens (…) encarnou em Maria, a Virgem, e se fez homem; e por nossa causa foi crucificado em tempos de Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu ao céu».


b) Não se podem atribuir a uma natureza de Cristo as propriedades e acções de outra

Como depois da união hipostática as duas naturezas de Cristo permanecem distintas e sem confusão, não se podem pregar ou atribuir a uma natureza as propriedades ou acções da outra.

Tenhamos em conta que normalmente designamos as naturezas em si mesmas, e não a pessoa dessa natureza, com os nomes abstractos que qualificam o seu modo de ser: p. ex. a divindade, a humanidade.

Assim, não se pode dizer de modo algum que a divindade nasceu no tempo, ou que era passível, ou que morreu por nós. Como tampouco se pode dizer que a humanidade de Cristo é incriada, eterna, omnipotente, ou que era impassível.


Mas também temos de ter em conta outro modo de significar as naturezas: a reduplicação. Os nomes que significam a natureza em concreto (p. ex. Deus, homem), que em princípio significariam a pessoa, se usarmos a reduplicação (p. ex. Jesus Cristo, enquanto Deus; ou o Filho de Deus, enquanto é homem), neste caso designam propriamente a natureza (a divina ou a humana), e não a pessoa.

Desta forma podemos dizer que o Filho de Deus, enquanto homem, é inferior ao Pai, é criatura, o que morreu na cruz. E também podemos dizer que Jesus, enquanto Deus, é eterno, igual ao Pai, não foi feito.

Em alternativa, não se pode dizer que Jesus, enquanto Deus, nasceu em Belém; ou que Cristo, enquanto homem, é o Criador, ou é uma pessoa.

Em resumo, ainda que todas as propriedades e acções das duas naturezas se injustamente à única pessoa de Cristo, para evitar equívocos e locuções confusas, muitas vezes convém distinguir a razão dessa atribuição: umas atribuem-se-lhe segundo a sua natureza divina (p. ex. Jesus Cristo é o Criador de todas as coisas enquanto Deus), e outras segundo a sua natureza humana (p. ex. é filho de Maria enquanto homem).


Capítulo V

CRISTO ENQUANTO HOMEM CHEIO DE GRAÇA E DE VERDADE


Como é Cristo enquanto homem? Já dissemos que é perfeito homem e tem uma natureza humana íntegra à qual não falta nada do que é propriamente humano, já que na Encarnação «a natureza humana foi assumida, não absorvida»[1].

Agora estudaremos as diferentes faculdades e qualidades humanas de Jesus Cristo. Não examinaremos as propriedades da sua natureza divina que se estudam noutro tratado. Concretamente, consideraremos neste capítulo a graça e santidade de Cristo assim também o seu conhecimento humano, e no capítulo seguinte veremos outros traços que completam a sua humanidade perfeita: a sua vontade livre, a sua afectividade, etc.

1. Qualidades da humanidade de Cristo para ser o instrumento do Verbo na obra da nossa salvação

Já sabemos que o Filho de Deus se encarnou para ser, como homem, a causa da nossa salvação; por isso a sua humanidade deve ser o instrumento, indissoluvelmente unido ao Verbo, adequado para a obra salvífica.
    E trata-se de um instrumento vivo e racional, não inerte ou passivo, que simplesmente fosse movido pelo agente principal, mas que tem a sua acção própria. Por isso Cristo na sua humanidade tem aquelas qualidades que são convenientes para a finalidade da Encarnação: p. Ex. para comunicar-nos a verdade e a graça divinas pelas quais nos salvamos, está dotado de todas essas qualidades, está «cheio de graça e de verdade» (Jo 1,14), já que «da sua plenitude todos recebemos» (Jo 1,16).

Além do mais, temos de considerar que essas propriedades da sua natureza humana procedem da sua união coma divindade, pois Deus é a fonte de todo o bem e a perfeição duma criatura depende da sua união com Deus. E quanto mais unido se está com deus, mais se participa da sua bondade e mais abundantes bens se recebem, assim como quanto mais alguém se aproxima do fogo mais se aquece. Pois bem, não há uma união mais íntima da criatura com Deus que a união na própria pessoa divina, daí que Cristo na sua humanidade esteja cheio dos dons divinos: é um homem natural e sobrenaturalmente perfeito.

Assim como o Filho de Deus feito homem tem aquelas qualidades naturais e sobrenaturais que são convenientes para a nossa salvação, por essa mesma razão não assumiu com a natureza humana aqueles mesmos defeitos ou limitações que dificultariam a obra salvífica, tais como o pecado ou a ignorância. Ainda que tenha assumido aquelas limitações da nossa natureza que servem a finalidade da Encarnação e que não são defeito moral e não desdizem da sua condição, tais como a passibilidade e a dor.

2. A graça e a santidade de Cristo

a) Aspectos que compreende a santidade de Cristo

A santidade.

A santidade é um atributo próprio de Deus, o só Santo, «três vezes santo» (Is 6,3). O conceito de santidade refere-se ao ser divino em si mesmo que é transcendente sobre tudo o criado; e, como consequência, encerra a ideia de pureza, de ausência de pecado e de tudo o que é contrário à vida divina.

A noção de santidade também se aplica às criaturas que se dizem «santas» enquanto estão unidas a Deus e participam da vida divina. Nesta união com Deus podem distinguir-se dois aspectos. O ontológico e o operativo.

Na Bíblia diz-se que algo ou alguém é santo em sentido ontológico na medida em que está unido a Deus., na medida em que foi assumido por Ele e lhe pertence, e, por conseguinte, está destinado ou consagrado ao seu serviço exclusivo: p. ex. no Antigo Testamento chamam-se santos o Templo, o Sábado, o povo de Deus, etc. A noção de santidade no Novo Testamento, além de conservar a ideia de consagração ou dedicação a Deus, enriquece-se com uma participação na vida divina por acção do Espírito Santo que transforma o homem interiormente, que o diviniza, o faz justo e o purifica do pecado: p. ex. os baptizados em Cristo (cf. Act 9,13; Rom 15,25).

No sentido operativo e moral diz-se que é santo quem vive estavelmente a união sobrenatural com Deus pela fé e o amor e, portanto, move-se em tudo guiado pela vontade santa de Deus e serve-o de coração («o justo vive da fé» Rom 1,17). E a consequência dessa união e desse amor a Deus é a limpeza de todo o pecado, que o homem se conduza longe de todo o pecado e de tudo o que o afaste de Deus.

A santidade de Cristo.

Na Sagrada Escritura, Cristo é chamado Santo (cf. Lc 1,35; Act 3,14) o santo de Deus (cf. Jo 6,69). Evidentemente é santo enquanto Deus. Mas também é santo enquanto homem, e isto em três sentidos: em primeiro lugar, porque a sua humanidade está unida ao único Santo em unidade de pessoa, é de Deus e pertence inteiramente ao Verbo; em segundo lugar, porque mediante a graça a sua humanidade está divinizada na sua essência e nas suas potências; e em terceiro lugar, é santo no aspecto moral porque vive sempre unido à vontade de seu Pai e n’Ele não há pecado algum.

Vejamos estes aspectos da santidade de Cristo enquanto homem.

b) Cristo enquanto homem é santo porque a sua humanidade está unida ao Verbo e lhe pertence. A graça de união

Pela união hipostática, a humanidade de Cristo é santa enquanto foi assumida pelo Filho de Deus, é inteiramente de Deus, pertence ao Verbo, está destinada e consagrada ao seu serviço, e é em si mesma instrumento da divindade. Pela união hipostática a humanidade de Cristo tem a santidade infinita do Verbo.

Esta mesma união hipostática, considerada como um dom outorgado à natureza humana assumida, chama-se «graça de união». Com efeito, para a humanidade de Cristo é uma graça o facto de ter sido elevada à maior união com a divindade a que um ser pode ser elevado. E este dom gratuito é a própria pessoa do Verbo que foi dada á natureza humana como termo da assunção: é um dom infinito[2].

c) Cristo enquanto homem também é santo por graça habitual

A graça habitual é o dom sobrenatural que Deus outorga ao homem pelo qual o une a si e o torna semelhante a si próprio, fazendo-o participe da natureza divina (cf. Pd 1,4) que é santa. Por isso a graça chama-se também «santificante» porque é uma qualidade que transforma a natureza do homem divinizando-o, tornando-o justo e santo.

Os Evangelhos falam-nos explicitamente da existência desta graça em Jesus Cristo: estava «cheio de graça» (Jo 1,14), ou «crescia em graça» (Lc 2,52).
É fácil de entender a conveniência de que Cristo tivesse a graça habitual, já que a sua humanidade não é santa por si mesma, nem se transformou em divina pela união hipostática, uma vez que permanece sempre a distinção das duas naturezas. Por isso, é necessário que a humanidade de Cristo chegue a ser divina e santa por participação, que é o efeito próprio da graça habitual ou santificante[3].

d) A plenitude de graça habitual em Cristo

A revelação não só nos diz que Jesus tem a graça habitual ou santificante, como também que estava «cheio de graça e de verdade» (Jo 1,14), e nos fala da sua «plenitude de graça» (Jo 1,16; cf. Ef 4,13).

Com efeito, a graça é causada no homem pela presença de Deus nele, tal como a luz do ar é consequência da presença do Sol. A razão da plenitude de graça em Cristo é que a sua humanidade está unida a Deus na humanidade mais estreita imaginável, em unidade de pessoa, pelo que recebe a máxima e mais plena comunicação possível da vida divina.

Em que consiste esta plenitude de graça? Considerando-a como uma realidade criada que tem o seu sujeito na alma, é evidente que a graça habitual não pode ser infinita em si mesma, mas limitada. Mas Cristo recebeu na sua humanidade a graça no mais alto grau que pode dar-se. Por isso se pode dizer que a graça em Cristo é de certo modo ilimitada ou infinita «sem medida» (Jo 3,34); enquanto a nós se nos dá segundo medida (cf. Ef 4,7). Quer dizer, Jesus possuía a graça com toda a perfeição possível: com todos os efeitos, virtudes, dons e operações que esta pode ter e alcançar.

Esta plenitude de graça é própria e exclusiva de Cristo, pois foi-lhe conferida para que Ele fosse o princípio universal da justificação de todo o género humano. Todas as graças que os homens tiveram d’Ele provêm, como da sua fonte; e por isso Ele as possui todas, no mais alto grau: «Da sua plenitude todos temos recebido graça por graça» (Jo 1,16). Esta mesma plenitude de graça habitual em Cristo, enquanto é a Cabeça e o princípio da santificação de todos, conhece-se com o nome de «graça capital».


(cont)

Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)




[1] GS, 22,2; Cf. CCE, 470.
[2] Cf. S. Th. III,2,10; III,6,6; III,7,13; etc.
[3] Cf. S.Th. III,7,1,ad 1; III,7,9 ad 2.

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