17/12/2016

Leitura espiritual



JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR

Iniciação à Cristologia


SEGUNDA PARTE

A OBRA REDENTORA DE JESUS CRISTO


A cristologia estuda o mistério de Cristo: o mistério da sua pessoa e da sua obra redentora numa unidade indissolúvel. Jesus é o Filho de Deus feito homem e, ao mesmo tempo, Salvador esperado.


Já dissemos que não se podem separar esses dois aspectos, em primeiro lugar, porque a finalidade da sua vinda ao mundo, a razão de ser de toda a sua vida, é precisamente a salvação dos homens. Assim o ensina a Escritura: «o Pai enviou o seu Filho para ser Salvador do mundo» (Jo 4,10); assim o confessamos no símbolo da fé: o Filho de Deus «por nós, os homens, e por nossa salvação baixou do céu».


E, em segundo lugar, porque a função e a obra de Cristo como Salvador dos homens não se pode separar do seu ser de Verbo encarnado mas sim, pelo contrário, está em dependência da sua pessoa. Unicamente o Filho de Deus pode realizar uma autêntica redenção do pecado no mundo: «Quem pode perdoar os pecados, senão só Deus?» (Mc 2,7). Somente o Filho de Deus pode livrar o género humano da morte eterna e pode dar-nos a vida eterna porque Ele é a Vida (cf. Jo 14,6).


Assim pois, depois de, na primeira parte, ter estudado o mistério de Jesus Cristo em si mesmo, vamos abordar nesta segunda parte a sua acção redentora, tendo presente o que vimos anteriormente acerca da sua pessoa.


Como a obra da Salvação realizada por Cristo se designa comummente por redenção, nós empregaremos indistintamente esses termos, assim como os de Salvador e Redentor, ainda que teoricamente se possam distinguir.


Capítulo VII

O MISTÉRIO DA REDENÇÃO

1, A condição humana e a libertação do mal


Todos os seres humanos experimentam a rotura entre os desejos de vida e de felicidade, e a experiência e insatisfação do sofrimento. Por isso a humanidade procura superar esses elementos negativos e alberga uma esperança profunda em libertar-se do mal, assim como também um anelo de conseguir a plenitude da felicidade.


Daí que em todas as épocas os homens tenham tentado diversas soluções para se libertar do mal que os aflige Entre esses intentos humanos de salvação encontram-se as diversas religiões mundiais (p. Ex. O hinduísmo, o budismo, etc.) que pretenderam dar uma explicação do mal que existe no homem e propuseram vários caminhos para se livrar dele. Pensaram que a origem do mal estava na ignorância espiritual, ou nos desejos humanos que não se podem satisfazer, etc. E propuseram fórmulas para o superar através de boas obras, da contemplação espiritual, do domínio de si, do intento de apagar todo o desejo e libertar-se deste mundo, etc.

De modo semelhante o pensamento racionalista dominante nestes últimos séculos, e que afirma a independência do homem em relação a Deus, imagina que o ser humano pode conseguir por si mesmo a sua plenitude, e põe a esperança de libertação de todo o mal na cultura, na ciência, na técnica ou no progresso social.

2. O ensinamento da Bíblia sobre a redenção do homem

a) O destino do homem e a felicidade e a origem dos males que padece

A Palavra de Deus ensina-nos que estamos destinados a bens muito mais altos do que os que essas tentativas humanas nos propõem. Jesus Cristo revelou-nos que Deus nos amou e destinou antes da criação do mundo a uma aliança connosco para nos fazer partícipes da sua vida imensamente feliz. Por isso criou o homem à sua própria imagem, capaz de uma comunhão de vida com Ele. E achou que a sua criação era «muito boa» (Gen 1,31).


Todavia, deparamos que a realidade da actividade dos homens não é «tão boa», e «gememos interiormente esperando a adopção de filhos, a redenção do nosso corpo» (Rom 8,23). E a Bíblia ensina-nos que a origem de todos estes males e sofrimentos se encontra no «mistério de iniquidade» que é o pecado (cf. 2 Tes 2,7): principalmente no pecado original, mas também no pecado actual dos seres humanos que agora vivemos (no nosso egoísmo, na dureza de coração, na avidez de prazer e poder, na debilidade ante o mal, et.).


Mas, ainda que a imagem de Deus na pessoa humana tenha ficado obscurecida e desfigurada pelo pecado, nunca foi completamente destruída. O homem continua aspirando à felicidade plena, como reconhece Santo Agostinho: «Criaste-nos, Senhor, para ti; e o nosso coração está inquieto até que descanse em ti»[1]

Todavia, o homem só com as suas forças não pode libertar-se do pecado e das suas consequências, como são a privação de Deus, a proclividade ao mal, a desordem da concupiscência e a morte. Por isso, ainda que as tentativas humanas de libertação tenham uma raiz positiva, são insuficientes para curar a verdadeira raiz dos males que afligem a humanidade, que aninha no coração do homem.

b) A salvação do homem é iniciativa e obra de Deus, rico em misericórdia

A salvação é obra da iniciativa divina, pois Deus nunca abandonou o homem pecador, antes, pelo contrário, movido pelo seu amor misericordioso, dispôs-se fazer uma Nova Aliança com o género humano par nos associar à sua vida e comunicar-nos o seu bem e libertar-nos de todo o mal. Esta Nova Aliança será estabelecida por meio de Cristo.
A palavra de Deus ensina-nos que a libertação verdadeira e completa do homem procede unicamente de Deus, e é, antes de mais nada, dom misericordiosos de Deus à humanidade. Ao entregar o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta o seu desígnio de amor benevolente que precede todo o mérito da nossa parte: «A prova de que Deus nos ama é que Cristo, sendo nós todavia pecadores, morreu por nós» (Rom 5,8).

c) Principais expressões bíblicas sobre a salvação que Jesus Cristo realiza

A revelação ensina-nos que o Filho de Deus feito homem, segundo desígnio divino, empregou a sua vida para nos libertar do pecado e ressuscitou par nos comunicar a nova vida (cf. 1 Cor 15,3; Rom 4,25). Vejamos algumas explicações da Sagrada Escritura acerca de como esses mistérios de Cristo, têm eficácia salvífica para nós.

Redenção ou resgate.

O valor salvador da vida e Morte de Cristo apresenta-se com frequência na Sagrada Escritura sob a imagem de um resgate ou redenção que nos liberta da escravidão do pecado: «Entregou-se a si mesmo por nós para nos redimir de toda a iniquidade» (Tit 2,14), Ele deu a sua vida «em resgate por muitos» (Mt 20,28).

«Redimir» ou «resgatar» é – em linguagem jurídica antiga – salvar alguém da prisão ou da escravidão dando algo em troca, a modo de preço. Seguindo esta imagem, diz-se que Jesus nos salva da escravidão do pecado, do diabo e da morte, dando a sua vida por nós: «Fostes resgatados (...) não com bens corruptíveis, prata ou ouro, mas com o sangue precioso de Cristo» (1 Pd 1,18-19).

Libertação.

Unida à imagem do resgate está a ideia de uma «libertação» da escravidão do pecado e da carne: «Cristo libertou-nos para esta liberdade» (Gal 5,1) até chegar à «liberdade gloriosa dos filhos de Deus» (Rom 8,21).




Sacrifício.

O Novo Testamento apresenta também a vida e a morte de Cristo na cruz sob a imagem de um sacrifício. «Cristo amou-nos e entregou-se por nós em oblação e sacrifício de suave olor» (Ef 5,2).

Sacrifício é oferta que se faz a Deus para entrar em comunicação com Ele. E Jesus oferece a seu Pai, como Cabeça da humanidade, a entrega rendida da sua vida com o fim de reparar a desobediência do pecado e estabelecer a aliança que devolve ao homem a comunhão com Deus: «É o meu sangue da Nova Aliança, que é derramado por muitos para a remissão dos pecados» (Mt 26,28).

A Escritura apresenta também muitas outras imagens para se referir ao modo como Cristo nos liberta do pecado. Por exemplo, a de uma vitória sobre o demónio, o pecado e a morte, a de uma reconciliação dos homens com Deus pois o pecado é como uma inimizade ou ruptura da união com Deus; etc.

d) Uma clarificação conveniente: o sentido teológico das expressões analógicas que se aplicam a Deus

Por causa da transcendência do divino, a Sagrada Escritura e a teologia usam imagens e conceitos humanos e aplicam-nos a Deus em razão de alguma semelhança. Nestes casos há que entender bem o sentido com que os atribuímos a Deus, pois só se usam segundo uma analogia e não em sentido unívoco. Por isso, ao interpretar essas expressões, que são legítimas, não nos podemos deixar levar por impressões imediatas demasiado humanas que nos levam a tirar consequências equivocadas: não podemos imaginar Deus ao modo humano, pois Ele não é como nós. Por exemplo, aqueles conceitos que encerram em si mesmos alguma imperfeição não se atribuem a Deus propriamente mas só em sentido figurado[2].


No nosso caso é especialmente necessário entender o sentido das expressões que empregamos, pois a soteriologia serve-se de muitas metáforas e exemplo tomados das relações humanas para ilustrar a obra de Cristo (v. g.: ofensa, perdão;, castigo, satisfação; escravidão, resgate; inimizade, reconciliação, etc.). De facto, têm-se dado explicações inadequadas da redenção que têm como base uma concepção muito humana de Deus e das elações entre Ele e os homens; por exemplo, quando a obra de Cristo se apresenta em termos de uma compensação a Deus por algum mal que se lhe tenha causado pelo pecado, ou como castigo pelos nossos pecados[3]. Por isso, procuremos agora clarificar alguns conceitos.

O pecado.

O pecado é um acto desordenado da nossa vontade que nos aparta de Deus: é um mal que está em nós, não é um mal inferido a Deus em si mesmo.

Portanto, quando dizemos analogicamente que é uma «ofensa ou um agravo a Deus» significamos que o pecado é uma acção injusta que tem da nossa parte uma semelhança com aquelas que ofendem ou agravam a outro homem; mas não significamos que Deus tenha sofrido algum menosprezo, ou que se lhe tenha causado alguma pena ou tenha diminuído a sua felicidade. A Igreja sempre sustentou a imutabilidade de Deus, que não pode mudar: não pode diminuir, nem sofrer. O mal produzido pelo pecado só se dá na criatura que erra, se envilece e, sobretudo, perde a união com Deus nosso bem. Assim, ante a infidelidade do seu povo, pergunta o Senhor: «Mas acaso me ofendem a mim, não ofendem antes a eles mesmos, para sua vergonha?» (Jer 7,19). O mal não sofre quem dá coices contra o aguilhão pontegudo (cf. Act 9,5 Vg).

A reparação do pecado.

A reparação do pecado consiste na libertação da desordem, do mal introduzido no homem; é restaurar o homem caído segundo a imagem de Deus na qual foi criado. Concretamente, consiste na conversão do homem a Deus mediante a graça que o une a Deus e corrige a sua separação d Deus (a culpa), e também na eliminação das penalidades que o pecado leva consigo (a pena).


Portanto quando falamos analogicamente de satisfação do pecado» ou de «desagravo» significamos que se requerem algumas acções do homem para a completa reparação do pecado, o que tem uma semelhança com o que se costuma fazer entre os homens para o perdão de uma ofensa; mas não significamos que essas acções consistam em oferecer a Deus uma compensação adequada para restaurar o bem divino que estivesse diminuído pelo pecado, ou por um mal que a Ele se tivesse inferido. Além do mais, que poderia dar o homem a Deus como compensação, que não tenha recebido d’Ele? (cf. 1 Cor 4,7; Rom 11, 35).


3. As principais explicações da Tradição patrística sobre a redenção


Ao tratar da obra da salvação, os Padres da Igreja  empregaram as imagens e a terminologia do Novo Testamento, mas, além disso, foram desenvolvendo outras explicações diferentes da obra de Cristo. Vejamos somente as linhas mais gerais.

A divinização do homem, nos Padres orientais.


Os Padres gregos sublinham que Cristo veio comunicar-nos a semelhança com Deus perdida com o pecado O Verbo, com a sua própria Encarnação santifica tudo o que toca. Santo Atanásio e outros Padres orientais empregam com gosto a imagem do «intercambio»: o Verbo fez-se particípe do nosso, da humanidade, para fazer-nos particípes do seu, a divindade.

Os Padres gregos fixam-se sobretudo no aspecto descendente e gratuito da salvação, ainda que também assinalem que a fonte da salvação, tornada possível pela Encarnação, é a Morte e Ressurreição de Cristo.

O sacrifício redentor, nos Padres ocidentais.


Os padres latinos fixam-se sobretudo no aspecto ascendente da salvação, quer dizer, na obra realizada pela nossa Cabeça em nome de toda a humanidade para nos ganhar a salvação; ainda que assinalem também claramente que a redenção é pura graça. Santo Ambrósio, Santo Agostinho e outros Padres ocidentais sublinham especialmente que Cristo, como nossa Cabeça, oferece a seu Pai o sacrifício perfeito da sua vida para reparar o nosso pecado e reconciliar-nos com Deus.


(cont)

Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)





[1] S. AGOSTINHO, Confissões, 1,1,1.
[2] É o caso de atribuir paixões a Deus (a tristeza, a ira, a vingança); ou o que supõe falta de bondade n’Ele (odiar ou causar o mal a alguém); ou falta de providência (não proteger ou abandonar alguém); ou o que supõe mudança n’Ele (arrepender-se, ser agravado ou ofendido pelo pecado, perdoar), etc.
[3] Cf. COMISIÓN TEOLÓGICA INTERNACIONAL, Cuestiones selectas sobre Dios redentor (1994), em Documentos 1969-1996, BAC, pp. 511-512; 527.

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