01/03/2016

Índice de publicações em Mar 01

nunc coepi – Índice de publicações em Mar 01

São Josemaria – Textos

Mens - (São João Paulo II), Quaresma

AMA - Via-Sacra

AMA - Comentários ao Evangelho Mt 18 21-25, Leit Espiritual - Confissões (Santo Agostinho)

JMA – Quaresma

Celibato eclesiástico, Jesus Cristo e a Igreja

Suma Teológica - Tratado da Vida de Cristo - Do género de vida que Cristo levou - Quest 42 Art. 2, São Tomás de Aquino – Suma Teológica

Doutrina – Demónio

Alexandre Zabot, Ciência e Igreja, 

AT - Salmos – 120


Agenda Terça-Feira

Reflexões quaresmais


E o arrependimento, Senhor, o que é o arrependimento?

Inclinas-Te sobre mim, (porque todo Tu és humildade), e dizes-me cheio de amor:
Quando abres o coração ao Meu amor, ele enche-se de amor, por Mim e pelos outros.
Quando Me ofendes ou ofendes alguém, o amor fica ferido, abre uma brecha no teu coração, e chora.
As lágrimas do amor ferido por uma ofensa praticada, são o arrependimento.
Não as consegues reter, porque elas vêm do amor e são a expressão da dor do amor que feriu alguém e por isso se rompeu.
Só podem secar pelo perdão que Eu te ofereço, permanentemente, perante a tua admissão da ofensa e o teu propósito de emenda, para comigo e para com os outros.

Chora, meu coração que tanto ofendes! Alegra-te, meu coração, que és perdoado!

Peço-Te, Deus de perdão:
Abre o meu coração ao Teu amor, para que ele fique cheio apenas e só do Teu amor.
Fá-lo chorar quando Te ofende ou ofende o meu irmão.
E depois, Senhor, leva-me à confissão da ofensa, ao propósito sério de emenda, para que alcance o Teu perdão e o perdão daqueles a quem ofendi, para que refeito o amor no meu coração, eu possa ter testemunha do Teu amor em mim.

Nas Tuas mãos me entrego, Senhor, porque só em Ti encontro o verdadeiro amor!


joaquim mexia alves, Marinha Grande, 29 de Fevereiro de 2016.




VIA - SACRA - 5ª Estação

V estação
  
Simão de cirene ajuda jesus a levar a cruz

  

Nós Vos adoramos e bendizemos oh Jesus!
Que pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.




Onde estava eu, Senhor, onde estava eu quando procuravam alguém para Te ajudar a levar a Cruz?

Deveria estar ali, na primeira fila, à espera de ser chamado.

Mas não, estava muito atrás, disfarçado no meio da turba.

Não quis envolver-me no Teu suplício, tive medo de fazer-me notado.

Porque Tu, Senhor, escolhes quem, quando e como queres.

O Cireneu vinha de um campo, passava, portanto.

Estivera a trabalhar e, agora, de regresso a casa, vê aquele ajuntamento e acerca-se curioso para ver o que se passa.

E é logo "apanhado" por Ti:

- Tu, Simão, vem e ajuda-me a carregar esta Cruz!

Obedecendo, sem o saberem, a este convite Teu, os soldados descobrem o Cireneu e compelem-no a cumprir a tarefa que lhe estava destinada desde sempre.

Simão ainda não o sabe, mas Jesus dá-lhe a maior honra que poderia dar a qualquer homem:

Ajudar o Senhor a carregar a Cruz da salvação da humanidade.

Tinha de ser um desconhecido... porque, os outros, os amigos, os discípulos, até os parentes... não estava ali nenhum.

Eu, que não sou Simão nem estou nunca no momento preciso, na ocasião necessária, disponível para o que Deus quiser de mim; eu que estou apressado, ocupadíssimo com as minhas coisas, às voltas e reviravoltas com a minha cruz, não tenho tempo para ajudar o meu Senhor.

E Ele precisa que O ajudem.

Está cansado, ferido, triste e a Cruz cada vez pesa mais.

Deixa-me pedir-te ajuda para me transformar em Simão de Cirene, disponível e solícito, desprendido de mim mesmo, atento às inspirações que constantemente insinuas na minha alma.

  

PN, AVM, GLP.

Senhor: Tem piedade de nós

Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?





Antigo testamento / Salmos

Salmo 120







1 Eu clamo pelo Senhor na minha angústia, e ele me responde.
2 Senhor livra-me dos lábios mentirosos e da língua traiçoeira!
3 O que ele dará a si? Como lhe retribuirá, ó língua enganadora?
4 Ele a castigará com flechas afiadas de guerreiro, com brasas incandescentes de sândalo.
5 Ai de mim, que vivo como estrangeiro em Meseque, que habito entre as tendas de Quedar!
6 Tenho vivido tempo demais entre os que odeiam a paz.

7 Sou um homem de paz; mas, ainda que eu fale de paz, eles só falam de guerra.

Dispostos a uma nova rectificação

Os teus parentes, os teus colegas, os teus amigos, vão notando a diferença, e reparam que a tua mudança não é uma mudança passageira; que já não és o mesmo. Não te preocupes. Para a frente! Cumpre o "vivit vero in me Christus" – agora é Cristo quem vive em ti! (Sulco, 424)

Qui habitat in adiutorio Altissimi in protectione Dei coeli commorabitur – Habitar sob a protecção de Deus, viver com Deus: eis a arriscada segurança do cristão. É necessário convencermo-nos de que Deus nos ouve, de que está sempre solícito por nós, e assim se encherá de paz o nosso coração. Mas viver com Deus é indubitavelmente correr um risco, porque o Senhor não Se contenta compartilhando; quer tudo. E aproximar-se d'Ele um pouco mais significa estar disposto a uma nova rectificação, a escutar mais atentamente as suas inspirações, os santos desejos que faz brotar na nossa alma, e a pô-los em prática.
Desde a nossa primeira decisão consciente de viver integralmente a doutrina de Cristo, é certo que avançámos muito pelo caminho da fidelidade à sua Palavra. Mas não é verdade que restam ainda tantas coisas por fazer? Não é verdade que resta, sobretudo, tanta soberba? É precisa, sem dúvida, uma outra mudança, uma lealdade maior, uma humildade mais profunda, de modo, que, diminuindo o nosso egoísmo, cresça em nós Cristo, pois illum oportet crescere, me autem minui, é preciso que Ele cresça e que eu diminua.

Não é possível deixar-se ficar imóvel. É necessário avançar para a meta que S. Paulo apontava: não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim. A ambição é alta e nobilíssima: a identificação com Cristo, a santidade. Mas não há outro caminho, se se deseja ser coerente com a vida divina que, pelo Baptismo, Deus fez nascer nas nossas almas. O avanço é o progresso na santidade; o retrocesso é negar-se ao desenvolvimento normal da vida cristã. Porque o fogo do amor de Deus precisa de ser alimentado, de aumentar todos os dias arreigando-se na alma; e o fogo mantém-se vivo queimando novas coisas. Por isso, se não aumenta, está a caminho de se extinguir. (Cristo que Passa, 58)

Harmonia entre a Ciência e a Igreja

Igreja e Ciência – 7

Harmonia entre a Ciência e a Igreja

…/7

O terceiro risco que corremos com o desenvolvimento errado da Ciência é um risco moral.
Face ao sucesso das técnicas científicas muitos tendem a tornar absoluto o poder da Ciência crendo inclusive que ela é capaz de dar respostas às indagações humanas sobre o sentido da nossa existência. Estas visões são bem representadas hoje pelo cientificismo e pelo declínio moral de nossa época.
O papa sempre alerta para falsidade do cientificismo, o seu fracasso como princípio norteador da moral e o perigo de levar à intolerância religiosa.

Para encerrar quero dizer que vejo horizontes muito promissores para as relações entre a Ciência e a Igreja.
Certamente há muitos pontos que podem ser delicados, como os três que citei acima, mas penso que a medida que a humanidade for conhecendo mais a Ciência, vai entender melhor seus limites e ver como, através da história, a Igreja sempre colaborou para o desenvolvimento científico.
Sem que no entanto isto seja uma meta sua pois, como dizia o padre Lemaître, “à Igreja bastam a cruz e o evangelho”.

alexandre zabot 

(revisão da versão portuguesa por ama)

Tratado da vida de Cristo 81

Questão 42: Da doutrina de Cristo

Art. 2 — Se Cristo devia pregar aos judeus sem os chocar.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo devia pregar aos judeus sem os chocar.

1. — Pois, como diz Agostinho, Jesus Cristo, homem e Filho de Deus, deu-se-nos como exemplo de vida. Ora, devemos evitar não só o escândalo dos fiéis, mas também o dos infiéis, conforme o Apóstolo: Portai-vos sem dar escândalo, nem aos Judeus nem aos gentios. Logo, parece que também Cristo devia ensinar os judeus sem os chocar.

2. Demais. — Ninguém que proceda com sabedoria deve agir de modo a contrariar o efeito da sua obra. Ora, Cristo contrariando os judeus com a sua doutrina encontrava-lhe os efeitos. Assim, quando repreendeu os escribas e os fariseus, começaram a apertá-lo com fortes instâncias e a quererem-no fazer calar com a multidão das questões a que o obrigavam a responder, armando-lhe desta maneira laços e buscando ocasião de lhe apanharem da boca alguma palavra para o acusarem. Logo, parece que não devia chocá-los com a sua doutrina.

3. Demais. — O Apóstolo diz: Não repreendas com aspereza ao velho, mas adverte-o como o pai. Ora, os sacerdotes e os príncipes dos judeus eram os anciãos do povo. Logo, parece que não devia argui-los com duras increpações.

Mas, em contrário, a Escritura profetizou que Cristo seria pedra de tropeço e pedra de escândalo às duas casas de Israel.

O bem comum é preferível ao de qualquer particular. Donde, o pregador ou o doutor, para prover ao bem comum, não deve temer atacar aqueles que perversamente se opõem a esse bem. Ora, os escribas, os fariseus e os príncipes dos judeus eram, com a sua malicia, um grande obstáculo ao bem do povo, quer por se oporem à doutrina de Cristo, única donde podia provir a salvação; quer também porque corrompiam com os seus maus costumes a vida do povo. Por isso o Senhor ensinava publicamente a verdade, que eles odiavam, e lhes increpava os vícios, embora assim os chocasse. Donde, como se lê no Evangelho, aos discípulos que diziam ao Senhor — Sabes que os fariseus, depois que ouviram o que disseste, ficaram escandalizados? Respondeu: Deixai-os, cegos são e condutores de cegos; e se um cego guia a outro cego, ambos vêm a cair no barranco.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Devemos proceder sem chocar ninguém, não dando a quem quer que seja ocasião de queda por algum dito ou acto nosso menos certo. Mas se a verdade for ocasião de escândalo, devemos antes arrastar o escândalo que abandonar a verdade, como diz Gregório.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, arguindo publicamente os escribas e fariseus, longe de impedir, promovia o efeito da sua doutrina. Pois, como o povo lhes conhecia os vícios, as palavras dos escribas e dos fariseus, que sempre se opunham à doutrina de Cristo, tinham menos poder para o desviarem dele.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Essas palavras do Apóstolo devem ser entendidas dos anciãos que o eram, não só pela idade ou pela autoridade, mas também pela honorabilidade, conforme a Escritura — Junta-me setenta homens dos anciãos de Israel que tu souberes serem os mais experimentados do povo, Mas, se a autoridade da velhice a transformarem em instrumento da malícia, pecando publicamente, devem ser manifesta e acremente increpados, como o fez Daniel quando objurgou: Homem inveterado no mal, etc.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



Jesus Cristo e a Igreja – 104

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

III. Desenvolvimento do tema da continência na Igreja latina

O testemunho dos Padres e dos escritores eclesiásticos

Na sua dissertação “Adversus Vigilantium” do ano 406, São Jerónimo repetia o dever dos ministros do altar de ser sempre continentes.
E neste sentido afirma que esta é a prática da Igreja do Oriente, do Egipto e da Sé Apostólica, onde só se aceitam clérigos celibatários e continentes, ou, se são casados, que tenham renunciado previamente à vida matrimonial.
Já no seu “Apologeticum ad Pammachium” tinha dito que também os Apóstolos eram “vel virgines vel post nuptias continentes”; e que “presbiteri, episcopi, diaconi aut virgines eiguntur aut vidui aut certe post sacerdotium in aeternum pudici”.
Santo Agostinho, bispo de Hipona desde o ano 395/96, conhecia bem a obrigação geral do clero maior à continência, ele que havia participado no Concílio de Cartago onde tal obrigação tinha sido repetidamente afirmada, apontando a sua origem nos próprios Apóstolos e numa constante tradição do passado.
Não se conhece nenhuma dissidência sua em tais ocasiões.
Na sua dissertação “De coniugiis adulterinis” também afirma que homens casados que, de repente e por isso mesmo quase contra a sua vontade, fossem chamados a fazer parte do clero maior e ordenados, estariam obrigados à continência, tornando-se, assim, um exemplo para aqueles leigos que, por viver longe das suas mulheres, são vulneráveis especialmente ao adultério.

O quarto grande Padre da Igreja Ocidental, Gregório Magno, já foi exposto como testemunha da continência dos ministros sagrados ao examinar os Romanos Pontífices.

(cont)

alfons m. stickler, Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro


(Revisão da versão portuguesa por ama)

Evangelho, comentário, L. espiritual


Quaresma
Semana III

Evangelho: Mt 18, 21-35

21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22 Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25 Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26 Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e, lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão, até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34 E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35 «Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do seu coração ao seu irmão»

Comentário:

Os versículos finais [i] deste trecho do Evangelho de São Mateus devem merecer uma reflexão profunda e aturada.

Chegaremos inevitavelmente a uma conclusão:

A incomensurável Misericórdia divina é “ultrapassada” pela perfeição da Sua Justiça.

O “limite” da Misericórdia divina está pois, nas nossas mãos, este é o critério que devemos ter bem presente no nosso espírito: somos os únicos responsáveis pela nossa vida eterna!

Sabemos isso muito bem pois quando rezamos o Pai-Nosso é isso mesmo que afirmamos:

«Perdoai-nos as nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos ofendeu»

E será assim, exactamente, que o Senhor procederá.

(ama, comentário sobre Mt 18 21-25 2016.01.11)

Leitura espiritual

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SANTO AGOSTINHO - CONFISSÕES

LIVRO PRIMEIRO

CAPÍTULO I

Louvor e Invocação

És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado; grande é o teu poder, e incomensurável a tua sabedoria. E o homem, pequena parte da tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido da sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula da tua criação, deseja louvar-te.
Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar descanso em ti.
Concede, Senhor, que eu bem saiba se é mais importante invocar-te e louvar-te, ou se devo antes conhecer-te, para depois te invocar. Mas alguém te invocará antes de te conhecer?
Porque, ignorando-te, facilmente estará em perigo de invocar outrem. Porque, porventura, deves antes ser invocado para depois ser conhecido? Mas como invocarão aquele em que não creem?
Ou como haverão de crer que alguém lhos pregue?
Com certeza, louvarão ao Senhor os que o procuram, porque os que o procuram o encontram e os que o encontram hão-de louvá-lo.
Que eu, Senhor, te procure invocando-te, e te invoque crendo em ti, pois me pregaram teu o nome. Invoca-te, Senhor, a fé que tu me deste, a fé que me inspiraste pela humanidade do teu Filho e o ministério de teu pregador.

CAPÍTULO II

Deus está no homem, e este em Deus

E como invocarei meu Deus, meu Deus e meu Senhor, se ao invocá-lo o faria certamente dentro de mim? E que lugar há em mim para receber o meu Deus, por onde Deus desça a mim, o Deus que fez o céu e a terra? Senhor, haverá em mim algum espaço que te possa conter? Acaso te contêm o céu e a terra, que tu criaste, e dentro dos quais também criaste a mim? Será, talvez, pelo facto de nada do que existe sem Ti, que todas as coisas te contêm? E, assim, se existo, que motivo pode haver para Te pedir que venhas a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis?
Ainda não estive no inferno, mas também ali estás presente, pois, se descer ao inferno, ali estarás.
Eu não seria nada, meu Deus, nada seria em absoluto se não estivesses em mim; talvez seria melhor dizer que eu não existiria de modo algum se não estivesse em ti, de quem, por quem e em quem existem todas as coisas? Assim é, Senhor, assim é. Como, pois, posso chamar-te se já estou em ti, ou de onde hás de vir a mim, ou a que parte do céu ou da terra me hei de recolher, para que ali venha a mim o meu Deus, ele que disse: Eu encho o céu e a terra?

CAPÍTULO III

Onde está Deus?

Porventura o céu e a terra te contêm, porque os enches? Ou será melhor dizer que os enches, mas que ainda resta alguma parte de ti, já que eles não te podem conter? E onde estenderás isso que sobra de ti, depois de cheios o céu e a terra? Mas será necessário que sejas contido em algum lugar, tu que contens todas as coisas, visto que as que enches e as ocupas contendo-as? Porque não são os vasos cheios de ti que te tornam estável, já que, quando se quebrarem, tu não te derramarás; e quando te derramas sobre nós, isso não o fazes porque cais, mas porque nos levantas, nem porque te dispersas, mas porque nos recolhes.
No entanto, todas as coisas que enches, enche-as todas com todo o teu ser; ou talvez, por não te poderem conter totalmente todas as coisas, contêm apenas parte de ti? E essa parte de ti as contêm todas ao mesmo tempo, ou cada uma a sua, as maiores a maior parte, e as menores a menor parte? Mas haverá em ti partes maiores e partes menores? Acaso não estás todo em todas as partes, sem que haja coisa alguma que te contenha totalmente?

CAPÍTULO IV

As perfeições de Deus

Que és, portanto, ó meu Deus? Que és, repito, senão o Senhor Deus? Ó Deus sumo, excelente, poderosíssimo, omnipotentíssimo, misericordiosíssimo e justíssimo.
Tão oculto e tão presente, formosíssimo e fortíssimo, estável e incompreensível; imutável, mudando todas as coisas; nunca novo e nunca velho; renovador de todas as coisas, conduzindo à ruína os soberbos sem que eles o saibam; sempre agindo e sempre repousando; sempre sustentando, enchendo e protegendo; sempre criando, nutrindo e aperfeiçoando, sempre procurando, ainda que nada te falte.
Amas sem paixão; tens zelos, e estás tranquilo; arrependes-te, e não tens dor; iras-te, e continuas calmo; mudas de obra, mas não de resolução; recebes o que encontras, e nunca perdeste nada; não és avaro, e exiges lucro. A ti oferecemos tudo, para que sejas nosso devedor; porém, quem terá algo que não seja teu, pois, pagas dívidas que a ninguém deves, e perdoas dívidas sem que nada percas com isso?
E que é o que até aqui dissemos, meu Deus, minha vida, minha doçura santa, ou que poderá alguém dizer quando fala de ti? Mas ai dos que nada dizem de ti, pois, embora seu muito falar, não passam de mudos charlatães.

CAPÍTULO V

Súplica

Quem me dera descansar em ti! Quem me dera que viesses a meu coração e que o embriagasses, para que eu me esqueça de minhas maldades e me abrace contigo, meu único bem! Que és para mim? Tem piedade de mim, para que eu possa falar. E que sou eu para ti, para que me ordenes amar-te e, se não o fizer, irar-te contra mim, ameaçando-me com terríveis castigos? Acaso é pequeno o castigo de não te amar? Ai de mim! Diz-me por tuas misericórdias, meu Senhor e meu Deus, que és para mim? Diz à minha alma: Eu sou a tua salvação. Que eu ouça e siga essa voz e te alcance. Não queiras esconder-me teu rosto. Morra eu para que possa vê-lo para não morrer eternamente.
Estreita é a casa da minha alma para que venhas até ela: que seja por ti dilatada. Está em ruínas; restaura-a. Há nela nódoas que ofendem o teu olhar: confesso-o, pois eu o sei; porém, quem haverá de purificá-la? A quem clamarei senão a ti? Livra-me, Senhor, dos pecados ocultos, e perdoa a teu servo os alheios! Creio, e por isso falo. Tu o sabes, Senhor. Acaso não confessei diante de ti meus delitos contra mim, ó meu Deus? E não me perdoaste a impiedade de meu coração? Não quero contender em juízos contigo, que és a verdade, e não quero enganar-me a mim mesmo, para que não se engane a si mesma minha iniquidade. Não quero contender em juízos contigo, porque, se dás atenção às iniquidades, Senhor, quem, Senhor, subsistirá?

CAPÍTULO VI

Os primeiros anos

Permite, porém, que eu fale em presença da tua misericórdia, a mim, terra e cinza; deixa que eu fale, porque é à tua misericórdia que falo, e não ao homem, que de mim escarnece. Talvez também tu te rias de mim, mas, voltado para mim, terás compaixão.
E que pretendo dizer-te, Senhor, senão que ignoro de onde vim para aqui, para esta não sei se posso chamar vida mortal ou morte vital? Não o sei. Mas receberam-me os consolos das tuas misericórdias, conforme o que ouvi de meus pais carnais, de quem e em quem me formaste no tempo, pois eu, de mim, nada recordo. Receberam-me os consolos do leite humano, do qual nem minha mãe, nem minhas amas enchiam os seios; mas eras tu que, por meio delas, me davas aquele alimento da infância, de acordo com o seu desígnio, e segundo os tesouros dispostos por ti até no mais íntimo das coisas.
Também por tua causa é que eu não queria mais do que me davas; por tua causa é que minhas amas queriam dar-me o que tu lhes davas, pois elas, movidas de sadio afecto, queriam dar-me aquilo que abundavam graças a ti, já que era um bem para elas ou delas receber aquele bem, embora realmente não fosse delas, meros instrumentos, porque de ti procedem, com certeza, todos os bens, ó Deus, e de ti, Deus meu, depende toda minha salvação.
Tudo isto vim a saber mais tarde, quando me falaste por meio dos mesmos bens que me concedias interior e exteriormente. Porque então as únicas coisas que fazia era sugar o leite, aquietar-me com os afagos e chorar as dores de minha carne.
Depois também comecei a rir, primeiro dormindo, depois acordado. Isto disseram de mim, e o creio, porque o mesmo acontece com outros meninos, pois eu não tenho a menor lembrança dessas coisas.
Pouco a pouco comecei a dar-me conta de onde estava, e a querer dar a conhecer meus desejos a quem os podia satisfazer, embora realmente não o pudessem, porque os meus desejos estavam dentro, e eles fora; e por nenhum sentido podiam entrar em minha alma. Assim, agitava os braços e dava gritos e sinais semelhantes aos meus desejos, os poucos que podia e como podia, embora não fossem de fato sua expressão. Mas, se não era atendido, ou porque não me entendessem, ou porque o que desejava me fosse prejudicial, eu indignava-me com os adultos, porque não me obedeciam, e sendo livres, por não quererem servir-me; e deles me vingava chorando. Assim são as crianças que pude observar; e que eu também fosse assim, mais me ensinaram elas, sem o saber, do que os que me criaram, sabendo-o.
A minha infância morreu há muito tempo, mas eu continuo vivo. Mas, diz-me, Senhor, tu que sempre vives, e em quem nada falece – porque existias antes do começo dos séculos, e antes de tudo o que há de anterior, e és Deus e Senhor de todas as coisas; e esse encontram em ti as causas de tudo o que é instável, e em ti permanecem os princípios imutáveis de tudo o que se transforma, e vivem as razões eternas de tudo o que é transitório – diz-me a mim, eu to suplico, ó meu Deus, diz-me, misericordioso, a mim que sou miserável, diz-me: porventura a minha infância sucedeu a outra idade minha, já morta? Será esta aquela que vivi no ventre de minha mãe? Porque também desta me revelaram algumas coisas, e eu mesmo já vi mulheres grávidas.
E antes desse tempo, minha doçura e meu Deus, que era eu? Fui alguém, ou era parte de alguma coisa? Diz-mo, porque não tenho quem me responda, nem meu pai, nem minha mãe, nem a experiência dos outros, nem minha memória. Acaso te ris de mim, porque desejo saber estas coisas, e me mandas que te louve e te confesse pelo que conheci de ti?
Eu te confesso, Senhor dos céus e da terra, louvando-te pelos meus princípios e pelar minha infância, de que não tenho memória, mas que, pela tua graça, o homem pode conjectura de si pelos outros, crendo em muitas coisas, ainda que confiado na autoridade de humildes mulheres.
Então eu já existia, já vivia de verdade; e, já no fim da infância procurava sinais com que pudesse exprimir aos outros as coisas que sentia. Com efeito, de onde poderia vir semelhante criatura, senão de ti, Senhor? Acaso alguém pode ser artífice de si mesmo? Porventura existirá algum outro manancial por onde corra até nos o ser e a vida, diferente da que nos dais, Senhor, tu em quem ser e vida não são coisas distintas, porque és o Sumo Ser e a Suprema Vida? Com efeito, és sumo, e não te mudas, nem caminha para ti o dia de hoje, apesar de caminhar por ti, apesar de estarem em ti com certeza todas estas coisas, que não teriam caminho por onde passar se não as contivesses. E porque teus anos não fenecem, teus anos são um perpétuo hoje. Oh! Quantos dias nossos e de nossos pais já passaram por este teu hoje, e dele receberam sua duração, e de alguma maneira existiram, e quantos passarão ainda, e receberão seu modo, e seu ser? Mas tu és sempre o mesmo, e todas as coisas de amanhã e do futuro, e todas as coisas de ontem e do passado, nesse hoje as fazes, nesse hoje as fizeste.
Que importa que alguém não entenda essas coisas? Que este alguém se ria, e diga: que é isto? Que se ria assim, e que prefira encontrar-te sem indagação do que, indagando, não te encontrar.

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)





[i] 34-35