09/12/2016

Quando pensardes que tendes toda a razão...

Vai à direcção espiritual cada vez com mais humildade; e pontualmente, que também é humildade. Pensa (e não te enganas, porque aí é Deus quem te fala) que és como uma criança pequena – sincera! - a quem vão ensinando a falar, a ler, a conhecer as flores e os pássaros, a viver as alegrias e as dores, a equilibrar-se no chão que pisa. (Sulco, 270)

Volto a afirmar que todos temos misérias. Isso, porém, não é razão para nos afastarmos do Amor de Deus. É, sim, estímulo para nos acolhermos a esse Amor, para nos acolhermos à protecção da bondade divina, como os antigos guerreiros se metiam dentro da sua armadura. Esse ecce ego, quia vocasti me, conta comigo porque me chamaste, é a nossa defesa. Não devemos fugir de Deus quando descobrimos as nossas fraquezas, mas devemos combatê-las, precisamente porque Deus confia em nós.

Perdoai-me a insistência, mas julgo imprescindível que fique gravado a fogo nas vossas inteligências que a humildade e a sua consequência imediata a sinceridade, se ligam com os outros meios de luta e fundamentam a eficácia da vitória. Se a tentação de esconder alguma coisa se infiltra na alma, deita tudo a perder; se, pelo contrário, é vencida imediatamente, tudo corre bem, somos felizes e a vida caminha rectamente. Sejamos sempre selvaticamente sinceros, embora com modos prudentemente educados.


Quero dizer-vos com toda a clareza que me preocupa muito mais a soberba do que o coração e a carne. Sede humildes! Sempre que estiverdes convencidos de que tendes toda a razão, é porque não tendes nenhuma. Ide à direcção espiritual com a alma aberta. Não a fecheis, porque então intromete-se o demónio mudo e é muito difícil expulsá-lo. (Amigos de Deus, nn. 187-188)

A Imaculada Conceição

A Imaculada Conceição [i]


Ontem celebrámos uma das grandes festas da Igreja e que também é, uma das maiores festas na tradição portuguesa.

As homenagens à Mãe de Deus, têm este ponto culminante na festa da Imaculada Conceição.

De todos os títulos carinhosos com que os cristãos distinguem a Virgem Maria, talvez este seja o mais expressivo e aquele que, na verdade, só a Ela se pode aplicar.

Nenhuma criatura foi, ou será, mais perfeita, cheia de virtudes e graça de Deus, é verdade, mas, além disso, Deus quis que a encarnação da Segunda Pessoa Divina, se realizasse num seio imaculado desde a sua concepção, isto é, com ausência total de pecado, mesmo, o pecado original a que toda a raça descendente de Adão e Eva está sujeita.

Quando do castigo terrível, anunciado pelo Criador aos nossos primeiros pais, castigo que mais não foi que a consequência directa do seu pecado, condoído da situação que Adão e Eva tinham irremediavelmente provocado, movido pelo Seu infinito amor pelos homens, Deus anunciou desde logo um meio - o único meio - de salvação desse castigo.

E, como o Senhor sempre cumpre as Suas promessas, criou essa excelsa criatura de forma única e perfeita, para ser a Mãe do Seu Filho estremecido, cuja missão foi exactamente, indicar esse caminho de salvação.

Toda esta extraordinária história da salvação humana é, por isso mesmo, uma história de amor; amor de Deus pelos homens.

Esta forma da Igreja celebrar os "passos" desta história de amor, tem, como nos podemos aperceber, uma consequência lógica.

O Advento, que neste momento vivemos, que é o anúncio dessa mesma salvação.
O aviso urgente que nos é feito, durante estas quatro semanas, para nos prepararmos de forma concreta - preparai o caminho do Senhor, endireitai as Suas veredas [ii] - dá-nos conta, por João Baptista, da Sua eminente chegada.

Estar preparados, com o coração limpo e disponível, para ouvir o anúncio do Seu nascimento.

No meio deste tempo, surge esta festa da Imaculada que é como que uma apresentação daquela que será a portadora humana desse Deus vivo e verdadeiro que virá daqui a alguns dias.

É assim que a Igreja pretende associar, definitiva e solenemente, a Virgem Maria à salvação do homem, porque, se é verdade que Deus, na Sua omnipotência, poderia ter escolhido qualquer outra forma ou meio para essa salvação, ao fazê-lo por intermédio de uma mulher, que tinha sido também a causa primeira da queda original, demonstrou a Sua vontade de que, esta Mãe de Deus, fosse figura importante na Sua relação com os homens.

É pois, temos a certeza, muito do agrado de Nosso Senhor, todo o carinho, amor e devoção que dedicarmos à Sua e Nossa Mãe.

Além disso, Ela é o caminho natural para chegar a Jesus, a melhor mediadora e a mais competente advogada, aquela que, como excelentíssima Mãe, tentará, junto do Seu Filho, sublimar as nossas pequenas virtudes, relevando, desculpando e intercedendo pelas nossas numerosas faltas.

Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as Suas veredas. [iii]

Jesus quer, efectivamente, caminhar para nós, vir ao nosso encontro para, depois, ir connosco, juntos, até ao fim do nosso caminho.

Se essa vereda, que O conduzirá até nós, estiver atravancada com dificuldades, escolhos, obstáculos, Jesus demorará mais tempo a chegar ou, que terrível seria, nem sequer chegar a tempo.

Porque, Ele, não obstante o Seu poder infinito, não removerá um obstáculo, não afastará uma dificuldade.

Respeita muito a nossa liberdade e, por isso mesmo, espera, ansiosamente, que sejamos nós a fazê-lo.

E o que são estes obstáculos, estas dificuldades? Nada mais que os nossos defeitos, distracções, faltas de amor.

São as nossas preocupações excessivas com a vida corrente, os negócios, o trabalho, o que os outros pensam, o que os outros têm e nós não temos e gostaríamos de ter, as dissensões, as criticas, os julgamentos apressados ou pouco fundamentados, as faltas de caridade, o encolhimento ante as dificuldades, a aversão ao sacrifício à renúncia a pequenas coisas e o apego a tantas outras que, bem avaliadas, podemos perfeitamente dispensar.

Tudo isto e muito mais, como cada um de nós, no seu íntimo, muito bem sabe.

S. Josemaria escreveu:

«Não sei nada, não tenho nada, não posso nada, não valho nada» [iv]

E, ele, era um santo... e nós, acaso podemos dizer algo muito diferente?

Temos portanto que, forçosamente, diria eu, recorrer a Ela, essa querida Senhora que, embora sendo a maior e a mais excelsa de todas as criaturas, Ela própria Mãe de Deus.

Que não se importou de dar à luz num presépio, o Senhor de todas as coisas, porque, essa, foi a Vontade de Deus.

Que cumpriu os ritos da purificação exigidos pela Lei, não obstante saber-se Virgem Imaculada, porque essa, foi a Vontade de Deus.

Que arrostou com os perigos, o desconforto e incerteza de uma duríssima viagem para terra desconhecida, o Egipto, porque, essa, foi a Vontade de Deus.

Que aceitou o anonimato mais completo, durante os trinta e três anos de vida de Jesus, não obstante ser a Sua Mãe, porque, essa, foi a Vontade de Deus

Que, finalmente, viu o Seu Filho torturado e morto numa Cruz, sabendo como sabia, que Ele era a própria Segunda Pessoa divina, porque, essa, foi a Vontade de Deus.

Como não irá Ela socorrer-nos, ajudar-nos, amorosa e dedicadamente se, essa, é a Vontade de Deus?

Com esta certeza, que temos a felicidade de ter, havemos de recorrer a Ela com toda a urgência e fervor, para que nos ajude a preparar o caminho pelo qual Jesus virá, rapidamente, até ao nosso coração.

Lembremo-nos desta oração mariana que, entre muitas outras, igualmente belas, talvez melhor traduza esse anseio de auxilio:

«Lembrai-Vos ó puríssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tendo recorrido à Vossa protecção, implorado a Vossa assistência, proclamado o Vosso auxílio, fosse por Vós desamparado.
Animado eu pois, de igual confiança em Vós, Virgem entre todas singular, como Mãe recorro, gemendo sob o peso dos meus pecados me prostro aos Vossos pés.
Não desprezeis as minhas suplicas, ó Mãe do Filho de Deus Humanado, e dignai-Vos alcançar-me as promessas de Cristo. Amen[v]




[i] Palestra na Meadela, 9 de Dezembro de 1999
[ii] Cfr Mt 3, 3
[iii] Cfr Mt 3, 3
[iv] S. Josemaría, Amigos de Deus nr. 215
[v] Oração Saxum

Reflectindo - 214

O amor é imortal?

Não receio afirmar que sim.

Se o conceito de imortalidade se pode definir como total ausência de temporalidade – algo que não teve um início nem terá um fim – então, de facto, o amor é imortal.

Sob o prisma da espiritualidade pura enraizada no Cristianismo, consideramos que a pessoa humana tem como que à sua disposição três virtudes que lhe são – sempre – conferidas pelo Criador:

A Fé, a Esperança e a Caridade. [1]

O Apóstolo da Gentes afirmou sem nenhuma hesitação que das três só a Caridade permanece para sempre.

As Fé e a Esperança tiveram um princípio no tempo e terminam com a morte física o que é perfeitamente lógico uma vez que só terão “utilidade” enquanto a pessoa viver.

Quanto à Caridade como afirmar que não teve início?

Porque O Criador é por essência o próprio Amor e a Sua criatura é, assim, como que uma emanação desse mesmo Amor.

Mas, o Amor, sendo divino é também eminentemente humano. Só o ser humano tem essa capacidade, essa virtude o que, a meu ver, também é perfeitamente lógico exactamente pelo que disse imediatamente antes.
Donde que concluir que o Amor humano é imortal não parece ser uma afirmação descabida.

Na eternidade a alma continua a amar quem amou em vida, como quem vive continuará a amar quem amou e a morte levou do seu convívio.

Pessoalmente considero esta conclusão a que chego, extremamente consoladora e digo sem qualquer hesitação (em lugar de ‘amei-te’): amo-te, amor da minha vida!

E sinto-me muito feliz por me saber amado e por poder continuar a amar.

(ama, reflexões, Cascais, 21.09.2016)





[1] Caridade = a Amor

Evangelho e comentário

Tempo do Advento

Evangelho: Mt 11, 16-19

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «A quem poderei comparar esta geração? É como os meninos sentados nas praças, que se interpelam uns aos outros, dizendo: ‘Tocámos flauta e não dançastes; entoámos lamentações e não chorastes’. Veio João Baptista, que não comia nem bebia, e dizem que tinha o demónio com ele. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizem: ‘É um glutão e um ébrio, amigo de publicanos e pecadores’. Mas a sabedoria foi justificada pelas suas obras».

Comentário:

Falando prosaicamente poderíamos, a propósito deste trecho do Evangelho, aplicar o ditado: de que vale chorar sobre o leite derramado!

O que verdadeiramente interessa na "apresentação de contas" no Juízo Particular é coerência da vida que levámos, do que praticámos e não das intenções ou propósitos e, muito menos, o permitir-nos de algum modo apresentar culpas de outros em lugar das nossas.

Fizemos, de facto, o que devíamos ter feito ou ficamos pelas belas palavras e criteriosos conselhos?

(ama, comentário sobre Mt 11, 16-19 2015.12.11)






Leitura espiritual



JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR

Iniciação à Cristologia


PRIMEIRA PARTE


A PESSOA DE JESUS CRISTO


Capítulo II


A VINDA DO FILHO DE DEUS NA ECONOMIA DIVINA DA SALVAÇÃO


6. O nome de «Cristo»

O nome de «Messias» provem do hebreu mashia, que significa «ungido». Este título foi traduzido do grego por christós, e latinizado em Christus.


Originalmente aplicava-se ao rei de Israel, em alusão à cerimónia de investidura em que era ungido com azeite [i]. O título de «ungido» aplicou-se especialmente a David e à sua dinastia, e passou a converter-se no nome do Messias, do Cristo, que será o rei descendente de David, o ungido por excelência e instrumento de Deus para estender o seu reino a todas as nações.


Depois este nome aplicou-se também a outros «ungidos» de Deus: aos sacerdotes, filhos de Aarão [ii], e mais raramente aos profetas [iii].


O nome de Cristo, Messias, passa a ser nome próprio de Jesus porque Ele cumpre de modo eminente e perfeito a missão divina que essa palavra significa. Com efeito, o Messias que Deus enviaria para instaurar definitivamente o seu Reino «devia ser ungido pelo Espírito do Senhor [iv] ao mesmo tempo como rei e sacerdote [v] mas também como profeta [vi]. Jesus cumpriu a esperança messiânica de Israel na sua triple função de sacerdote, profeta, e rei» [vii] Jesus reúne em si os diferentes aspectos do Messias anunciado, que os judeus muitas vezes não sabiam compaginar; e n’Ele se mostra o sentido autêntico de todos eles.

Jesus é o Messias anunciado, o ungido rei salvador, de uma ordem diferente e superior à que os judeus esperavam. Ungido não com unguento terreno mas com óleo espiritual [viii], com a plenitude da graça e dons do espírito divino: Ele é desde o início da sua existência humana o «Cristo», quer dizer, o ungido pelo Espírito Santo [ix].


7. Cristo é o centro da história humana


a) As genealogias de Cristo e a história humana


O Evangelho segundo São Mateus começa, conforme o costume hebreu, com a genealogia de José e faz uma lista partindo de Abraão [x]. A Mateus, interessa-lhe pôr em relevo, mediante a paternidade legal de José, que Jesus descende de Abraão e de David; mais em concreto, que era o Messias anunciado pelos profetas, a esperança de Israel e o que dá sentido a toda a história do povo de Deus.


São Lucas, ao contrário, escreveu para os cristãos procedentes dos gentios, e quer destacar a universalidade da redenção de Cristo. Segundo o Evangelho de Lucas, a genealogia de Jesus è ascendente [xi]: desde Jesus através dos seus antepassados, passando por Abraão, remonta até Adão, pai de todos os homens, tanto judeus como gentios. O Evangelho quis mostrar o vínculo de Jesus com todo o género humano: Cristo é o Novo Adão, o novo princípio da linhagem humana e o salvador de todos os homens.


b) A Encarnação dá sentido a toda a história

«Quando chegou a plenitude dos tempos enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher» [xii]. A Encarnação teve lugar na plenitude dos tempos, isto é no tempo oportuno segundo os planos de Deus.


O monge Dionísio o Exíguo (século VI) propôs-se colocar o nascimento de Cristo como centro da história d humanidade e, com os dados históricos de que dispunha, situou-o no ano 753 da fundação de Roma: esta data é o começo da era cristã. Hoje admite-se que se equivocou no seu cômputo, e pensa-se que Jesus deve ter nascido aproximadamente no ano 748 da fundação de Roma, equivalente ao 6 antes da era cristã. Este foi o momento mais importante da história: Deus e a eternidade entram na história humana para nos salvar.


A postura de Dionísio o Exíguo, que de algum modo reflecte o que nos sugerem as genealogias de Cristo, tem um grande sentido teológico. Com efeito, Cristo é o fundamento de toda a história anterior, que tem valor salvífico só por meio d’Ele e a Ele se ordena. Assim como também Cristo é o fundamento de toda a história posterior, que vive da graça proveniente da sua obra redentora.


«A Igreja crê que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra no seu Senhor e Mestre» [xiii] Cristo é certamente o centro da história humana, não no sentido cronológico, mas qualitativo: Ele é «o alfa e o ómega, o primeiro e o último, o princípio e o fim» [xiv]. N’Ele os homens encontram a fonte da vida sobrenatural, e também o seu sentido e meta última, que é a salvação.


Capítulo III


A REALIDADE DA ENCARNAÇÂO DO FILHO DE DEUS


1. A vinda do Filho de Deus ao mundo, concebido de santa Maria Virgem


a) A anunciação a Maria e a concepção de Jesus


No admirável plano da doação que Deus faz de si mesmo à criatura, a Encarnação é o acontecimento central e culminante, e Maria foi a colaboradora com a sua fé e com o seu amor para união de Jesus com a humanidade.


São Lucas descreve esse momento transcendental: O anjo Gabriel enviado por parte de Deus comunica o plano divino a Maria: «Conceberás no teu seio e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo (…) O Espírito Santo virá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, e por isso o filho engendrado será santo, será chamado Filho de Deus» [xv]. A Virgem, cheia de fé e de confiança em Deus, dá o seu rendido consentimento à disposição divina: «Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» [xvi].


«E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós» [xvii]. O mistério da união – dos esponsais – entre o Filho de Deus e a humanidade, realiza-se no instante em que Maria pronunciou o seu sim «em nome de toda a natureza humana» [xviii]. E ela concebeu como homem o Filho eterno do Pai, que se fez realmente seu filho.


b) A Encarnação é obra do Espírito Santo


A Sagrada Escritura deixa muito claro que Jesus Cristo não foi concebido por obra de varão, como os ouros homens, mas sim unicamente pelo poder e obra do Espírito Santo, permanecendo a sua Mãe sempre virgem (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,34-38). E assim o confessou a Igreja desde os primeiros testemunhos e a Tradição e as primeiras formulações da fé.

A «virtude do Altíssimo» (Lc 1,35), pela qual se levou a cabo a Encarnação, é o poder infinito do único Deus. Assim, pois, a Encarnação do Filho de Deus é obra da Trindade. Todavia, a concepção milagrosa de Cristo só costuma atribuir-se ao Espírito Santo, que ali interveio juntamente com o Pai e o Filho: «O concebido nela vem do Espírito Santo» (Mt 1,20). É que a revelação atribui ao Espírito Santo as obras que manifestam especialmente o amor e o poder divinos, e em particular atribui-se-Lhe o mistério da Encarnação do Filho de Deus em Maria Santíssima.


Todavia, como a filiação é a relação de uma pessoa com respeito ao que a engendrou, Cristo – que é Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade – não é, nem se pode chamar, filho do Espírito Santo, nem da Trindade, mas somente de Deus Pai.


c) Maria é a Mãe de Deus


Maria, escolhida por Deus Pai desde toda a eternidade para será Mãe do seu Filho, pelo seu consentimento e aceitação da vontade divina, foi realmente feita a Mãe de Deus. «Com efeito, aquele que ela concebeu como homem, por obra o Espírito Santo, e que se fez verdadeiramente seu filho segundo a carne, não é outro que o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus (‘Theotokos’) (cf. DS, 215)»[1].


Por isso, sob o impulso do Espírito Santo, é chamada «a mãe do meu Senhor» desde a concepção de Jesus, ainda antes do nascimento do seu Filho (cf. Lc 1,43).


d) «O Verbo se fez carne»: a Encarnação

 «O Verbo se fez carne» (J 1,14), diz São João no prólogo do seu Evangelho, significando por «carne» o homem inteiro, conotando o mais visível e o mais humilde do ser humano, em contraste coma excelência do Verbo[2]

Tomando essa frase do evangelista, a Igreja chama «Encarnação» ao facto de que o Filho de Deus tenha assumido uma natureza humana para levar a cabo, mediante ela, a nossa salvação. O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação consiste em que o Filho de Deus se fez verdadeiramente homem sem deixar de ser Deus.

Este mistério é tão essencial que «a fé na verdadeira encarnação do Filho de Deus é o sinal distintivo da fé cristã»[3]; mistério que a Igreja defendeu e aclarou especialmente durante os primeiros séculos face às heresias que a falseavam.


2. Jesus Cristo é perfeito homem


a) A realidade do corpo de Cristo.


    A heresia do docetismo gnóstico.


O gnosticismo é uma amálgama de doutrinas místicas orientais, de tipo filosófico (sobretudo platónicas) e cosmogónico, que teve uma rápida propagação nos primeiros séculos da nossa era. Uma das suas variantes cristãs, o docetismo, é uma doutrina aparecida já no século I que considera que a matéria é má e, por consequência, nega que Cristo tivesse um verdadeiro corpo material, de carne humana: o corpo de Cristo seria só aparente. Portanto, o seu nascimento ou a sua paixão e morte não foram reais mas só fictícias e irreais.

Todavia, a Sagrada Escritura testemunha claramente que Cristo foi homem verdadeiro, com um corpo real: é descendente de David, foi concebido pela Virgem Maria, nasceu, cresceu, cansou-se, teve fome e sede, dormiu, sofreu, derramou o seu sangue, morreu, foi sepultado, etc. O seu corpo não era fantasmagórico, mas material de carne e osso, era real e tangível, inclusive depois da Ressurreição (cf. Lc 24,39; 1Jo 1,1-3).

Já desde a própria época apostólica a fé cristã insistiu na verdadeira Encarnação do Filho de Deus face a estas heresias (cf. 1 Jo 4,2-3; 2Jo 7), que foram refutadas pelos Padres e escritores clássicos dos primeiros séculos, como Santo Inácio de Antioquia, Santo Ireneu e outros. Estes escritores não só mostraram a verdade do corpo de Cristo com a Sagrada escritura na mão, como argumentaram também que negar a realidade do corpo de Cristo é negar a realidade da redenção obrada pelo Senhor.


b) A realidade da alma de Cristo. A heresia do apolinarismo


Apolinar de Laodiceia (século IV) sustentou que o Verbo não teria assumido uma humanidade completa, pois dois seres íntegros não poderiam fazer-se realmente um. A humanidade de Cristo estaria somente composta de carne e alma sensitiva. Nesta natureza o Verbo assumiria a função de alma intelectiva e racional.

Todavia, a Sagrada Escritura testemunha claramente que Cristo foi perfeito homem com uma alma humana racional verdadeira: alegrou-se, entristeceu-se, comoveu-se, teve afectos, era totalmente livre, obedeceu, era humilde, veraz, generoso e misericordioso, etc. Enfim, Jesus tinha todas as virtudes e qualidades da alma humana.


O erro de Apolinar foi refutado por São Gregório de Nisa e outros Padres da Igreja que insistiram na perfeita humanidade de Cristo: Jesus não seria perfeito homem se carecesse de alma humana, se não tivesse uma inteligência e vontade humanas. Doutra forma não teria redimido a linhagem humana, pois «não foi curado o que não foi assumido), e Cristo curou todo o homem: corpo e alma.

O apolinarismo foi condenado pelo Papa São Dâmaso e posteriormente pelo concílio I de Constantinopla (ano de 3181)[4]. Desde então o Magistério da Igreja tem ensinado sempre que Nosso Senhor é «perfeito Deus e perfeito homem: que subsiste com alma racional e carne humana»[5].

c) Cristo teve uma verdadeira natureza humana, composta de alma e corpo

    Muitas vezes Jesus designa-se a si mesmo como «homem» (cf. Jo 8,40), e igualmente no Novo Testamento se o nomeia desta forma (cf. 1 Cor 15,21; i Tim 2,5), quer dizer, como alguém que tem propriamente a natureza humana. E a Tradição e o magistério da Igreja insistiram em que Ele era verdadeiro homem, consubstancial connosco; «semelhante a nós em tudo, excepto no pecado». (Heb 4,15).

Temos de ter presente que a natureza humana está composta pela união substancial de corpo e alma; de modo que, se não se desse esta composição, Cristo não seria verdadeiramente homem; nem o corpo de Cristo seria vivo, nem seria humano, pois a alma é o princípio que dá a vida e a espécie à matéria. Assim pois, Jesus teve uma verdadeira natureza humana, composta pela união da alma e do corpo[6]

Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)



[1] CCE, 495.
[2] Este modo de expressar o todo pela parte (o homem pela carne) é habitual na Escritura: cf. Is 40,5; Jb 19,26; 1 Cor 1,29; 2 Cor 7,5; 1 Pd 1,24; etc.
[3] CCE, 463.
[4] CF. CONC. DE CONSTANTINOPLA, DS, 149.
[5] Símbolo Quicumque, DS, 76.
[6] Cf. CONC. VIENNENSE, DS, 900; 902; S. Th. III, 2,5.



[i] Cf. 1 Sam 9,16; 10,1; 16,1.12-13; 1 Re 1,39.
[ii] (cf. Ex 29,7; Lv 8,12)
[iii] (cf. 1 Re 19,16)
[iv] (cf. Is 11,2)
[v] (cf. Za 4,14; 6,13)
[vi] (cf. Is 61,1)
[vii] CCE, 436.
[viii] (cf. Sal 45/44,8)
[ix] (cf. Lc 1,35)
[x] (cf. Mt 1,2-17)
[xi] (cf. Lc 3,23-28)
[xii] (Gal 4,4)
[xiii] GS, 10.
[xiv] (Ap 22,13)
[xv] (Lc 1,30-35)
[xvi] (Lc 1,38)
[xvii] (Jo 1,14)
[xviii] S. Th. II,30,1.

Los Puritanos

Puritanos

Toda la ignominia que ha rodeado la muerte de Rita Barberá [1], empezando por ese grotesco minuto de silencio que le dedicaron (o se negaron a dedicarle) quienes antes la habían empujado a la muerte se explica porque España es una cáscara vacía que se ha quedado sin Dios.
                
Afirmaba Foxá que los minutos de silencio son “la cáscara vacía de la oración”; o sea, una oración que se ha quedado sin su meollo, sin su dulce amado centro, que es Dios. Toda la ignominia que ha rodeado la muerte de Rita Barberá, empezando por ese grotesco minuto de silencio que le dedicaron (o se negaron a dedicarle) quienes antes la habían empujado a la muerte se explica porque España es una cáscara vacía que se ha quedado sin Dios. Decía ingenuamente el Kirilov de Dostoievski que “si Dios no existe, todo está permitido”; pero lo que en realidad ocurre es que, si Dios no existe, nada puede ser perdonado. En las sociedades que se han quedado sin Dios hay muchas cosas que no están admitidas (en general, todas las cosas nobles y buenas), pero nadie puede perdonarnos, porque el Dios misericordioso ha sido suplantado por unos diosecillos puritanos que, como el doctor Pedro Recio de Tirteafuera hacía con Sancho, nos apuntan con su varilla cada vez que cometemos un pecado, negándonos el perdón. Sólo en un mundo lleno de Dios fluye la vida de tal modo que haya pecado y perdón; pero allí donde falta Dios los pecados nunca se perdonan y la vida se coagula en la acusación y el reproche, porque los diosecillos puritanos nunca dejan de señalar nuestras culpas. Y como en un mundo sin Dios tampoco hay vida de ultratumba, los diosecillos puritanos que señalan los pecados del prójimo extienden su jurisdicción incluso más allá de la muerte. Por eso Pablo Iglesias, cual Pedro Recio de Tirteafuera que administra una severa dieta moral al prójimo, considera que nada puede ser perdonado, ni siquiera en esa otra vida donde antaño Dios era único juez, y se niega a guardar un minuto de silencio en homenaje a la difunta Rita Barberá.

La impiedad de Pablo Iglesias resulta, sin embargo, irreprochablemente lógica en un mundo sin Dios, en el que no puede haber perdón. En una sociedad religiosa, ante un cadáver se detiene el ansia justiciera, se aplaca la cólera, enmudecen los reproches; porque “la muerte todo lo calla”. Pero esta lección elemental de antropología no vale para las sociedades sin Dios, donde el puritanismo no deja de acusar ni siquiera en presencia de la muerte, donde el furor censorio de los que se creen irreprochables no se detiene ante el sufrimiento del prójimo. Pero más patético aún que este puritanismo rigorista de Iglesias es el puritanismo con freno y marcha atrás de los correligionarios de Rita Barberá, que ahora se muestran muy lloricas ante su cadáver, después de haberla abandonado a su suerte cuando aún estaba viva, mientras los medios de comunicación carroñeros le lanzaban dentelladas sin descanso, hasta conseguir que la depresión y la ansiedad la convirtieron en una sombra de lo que fue, hasta conseguir que su corazón reventara. Y estos correligionarios puritanos, después de abandonarla en vida, pretenden que su muerte tenga un efecto lustral o amnésico sobre su vileza, como si fuese la sangre del Cordero, lavando sus faltas de ayer mismo, cuando la expulsaron de su partido, cuando la dejaron sola ante las dentelladas de los carroñeros, cuando la evitaban en los pasillos, cuando no le cogían el teléfono, cuando la trataban con displicencia y hasta con desdeñosa crueldad, como siempre hacen los puritanos con el pecador (aunque sepan que no ha pecado, aunque sepan que ha pecado menos que ellos). Pero la muerte de Barberá, lejos de lavar la culpa de sus correligionarios, la hace resplandecer como una llama.

¿Y cómo piensan estos puritanos alcanzar el perdón de sus culpas? No será, desde luego, celebrando minutos de silencio, cáscaras vacías de donde ha desertado Dios, el único que –muerta Rita Barberá– podría perdonarlos.

juan manuel de prada
Artículo publicado en ABC el 26 de noviembre de 2016.




[1] María Rita Barberá Nolla foi uma política espanhola do Partido Popular. Foi a prefeita da cidade de Valência entre 1991 e 2015. Nascimento: 16 de julho de 1948, Valência, Espanha
Falecimento: 23 de novembro de 2016, Madri, Espanha