15/01/2017

Tratado da vida de Cristo 143

Questão 50: A morte de Cristo

Art. 5 — Se o corpo de Cristo foi identicamente o mesmo quando vivo e quando morto.


O quinto discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não foi identicamente o mesmo quando vivo e quando morto.

1. — Pois, Cristo morreu verdadeiramente, como morrem os outros homens. Ora, o corpo de qualquer forma não é identicamente o mesmo quando vivo e quando morto, absolutamente falando, porque há entre um e outro uma diferença essencial. Logo, nem o corpo de Cristo foi identicamente o mesmo quando vivo e quando morto.

2. Demais. — Segundo o Filósofo, coisas especificamente diversas são também diversas numericamente. Ora, o corpo de Cristo foi especificamente diverso quando vivo e quando morto; pois, não dizemos que um morto tem olhos ou carne senão em sentido equívoco, como ensina o Filósofo. Logo e em sentido absoluto, o corpo de Cristo não foi identicamente o mesmo, quando vivo e quando morto.

3. Demais. — A morte é uma forma da corrupção. Ora o que sofre uma corrupção substancial já não existe, depois de corrupto; pois, a corrupção é a passagem do ser para o não-ser. Logo, o corpo de Cristo, depois de morto, não permaneceu identicamente o mesmo que antes era, pois, a morte é uma corrupção substancial.

Mas, em contrário, diz Atanásio: O corpo de Cristo quando circunciso, quando andava, quando trabalhava e quando foi pregado na cruz era o Verbo de Deus impassível e incorpóreo; o mesmo se conservou quando deposto no sepulcro. Ora, o corpo de Cristo estava vivo quando foi circuncidado e pregado no madeiro; e estava morto, quando depositado no sepulcro. Logo, foi o mesmo o corpo vivo e o morto.

A expressão simplesmente falando é susceptível de dois sentidos. — Num, simplesmente significa o mesmo que absolutamente; assim é dito absolutamente o que o é sem nenhum acréscimo, como explica o Filósofo. E, neste sentido, o corpo de Cristo tanto vivo como morto foi simplesmente o mesmo. Pois, dizemos que é simples e identicamente o mesmo o que o é pelo seu suposto. Ora, o corpo de Cristo, tanto vivo como morto, teve o mesmo suposto, pois, vivo e morto não teve outra hipóstase além da do Verbo de Deus, como dissemos. E é este o sentido das palavras citadas de Atanásio. — Noutro sentido, simplesmente quer dizer completamente ou totalmente. E então, o corpo de Cristo vivo não foi simplesmente o mesmo que quando morto. Porque não foi totalmente o mesmo; pois, fazendo a vida parte da essência do corpo vivo, é dele um predicado essencial e não acidental. Donde resulta por consequência que o corpo, deixando de ser vivo, não permanece totalmente o mesmo. Se, porém, disséssemos que o corpo de Cristo morto permaneceu totalmente o mesmo, seguir-se-ia que não ficou corrupto, pela corrupção, digo, da morte. E essa é a heresia dos Gaianitas, como refere Isidoro e está nas Decretais. E Damasceno diz, que a palavra corrupção tem dois sentidos: num significa a separação das almas, do corpo e fenómenos semelhantes; noutro, a resolução perfeita aos elementos. Donde, dizer com Juliano e Gaiano, que o corpo do Senhor ficou incorruptível, conforme ao primeiro sentido da corrupção, antes de ter ressurgido, é ímpio. Porque então o corpo de Cristo não teria sido consubstancial com o nosso, nem teria verdadeiramente morrido, nem nós teríamos verdadeiramente sido salvos. Mas, no segundo sentido, o corpo de Cristo foi incorrupto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O corpo morto de qualquer homem não continua unido a nenhuma hipóstase permanente, como o corpo de Cristo morto. Por isso, o corpo morto de qualquer homem não é absolutamente idêntico ao que era quando vivo, mas só de certo modo; porque conserva a identidade material sem conservar a mesma forma. Ao contrário, o corpo de Cristo permaneceu identicamente o mesmo, em sentido absoluto, por causa da identidade do suposto, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Dizemos que um ser é identicamente o mesmo, pelo seu suposto; e especificamente idêntico quando pela forma o é. Sempre que o suposto subsiste numa só natureza, por força desapareceu a unidade numérica com o desaparecimento da unidade específica. Ora, a hipóstase do Verbo de Deus subsiste nas duas naturezas. Donde, embora Cristo não continuasse a ter um corpo idêntico, quanto à espécie da natureza humana, esse corpo continuou contudo a ser identicamente o mesmo pelo suposto do Verbo de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo não teve que sofrer a corrupção e a morte em razão do suposto, tomando-se por suposto a unidade; mas em razão da natureza humana, segundo a qual havia no corpo de Cristo uma diferença entre a morte e a vida.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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