07/05/2017

Tratado da vida de Cristo 159

Questão 53: Da ressurreição de Cristo

Art. 3 — Se Cristo foi o primeiro que ressuscitou.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não foi o primeiro que ressuscitou.

1. — Pois, lemos no Antigo Testamento que Elias e Eliseu fizeram ressurgir alguns, como o diz o Apóstolo: As mulheres recobraram os seus filhos mortos por meio de ressurreição. Semelhantemente Cristo, antes da sua Paixão, ressuscitou três mortos. Logo, Cristo não foi o primeiro dos ressuscitados.

2. Demais. — O Evangelho, entre os outros milagres que se deram na Paixão de Cristo, narra que se abriram as sepulturas e muitos corpos de santos, que estavam mortos, ressuscitaram. Logo, Cristo não foi o primeiro dos ressuscitados.

3. Demais. — Assim como Cristo, pela sua ressurreição é a causa da nossa, assim pela sua graça é a causa da nossa graça, segundo o Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude. Ora, outros, como todos os Patriarcas do Antigo Testamento, tiveram a graça antes de Cristo. Logo, tiveram também a ressurreição do corpo, antes de Cristo.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. Ao que diz a Glosa: Porque ressuscitou antes, no tempo, e em dignidade.

A ressurreição consiste em um morto retornar à vida. Ora, de dois modos pode alguém ser retomado à morte: ou de uma morte actual, como quando recomeça simplesmente a viver, depois de ter morrido; ou quando fica livre não só da morte, mas também da necessidade, e o que é mais, da possibilidade de morrer. E esta é a verdadeira e perfeita ressurreição. Porque, enquanto vivemos sujeitos à necessidade de morrer, de certo modo a morte nos domina, segundo o Apóstolo: O corpo verdadeiramente está morto pelo pecado. Ora, o que existe como possível existe de certo modo, isto é, potencialmente. Donde é claro, que a ressurreição pela qual alguém é retomado somente à uma morte actual é uma ressurreição imperfeita. — Assim, pois, falando-se da ressurreição perfeita, Cristo foi o primeiro que ressuscitou, porque ele foi o primeiro que, ressuscitando, chegou à vida perfeitamente imortal, segundo o Apóstolo: Tendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre. Mas, por uma ressurreição imperfeita alguns outros ressuscitaram, antes de Cristo, para serem uma como indicação prévia da ressurreição do mesmo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Pois também os que ressuscitaram como o narra o Antigo Testamento, e os ressuscitados por Cristo, voltaram à vida, mas ficando sujeitos a morrerem de novo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Há dupla opinião referente aos que ressuscitaram com Cristo. Assim, uns afirmam que, voltando à vida, ficaram livres de tornar a morrer; pois, o morrerem de novo ser-lhes-ia maior tormento que não terem ressuscitado. E tal é o sentido que se deve dar, segundo Jerónimo, àquele lugar: Não ressuscitaram antes de o Senhor ter ressuscitado. E por isso diz o evangelista: Saindo das sepulturas depois da ressurreição de Jesus, vieram à cidade santa e apareceram a muitos. Mas Agostinho, referindo essa opinião, diz: Sei que há alguns de opinião, que os justos, ressuscitados na ocasião da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, se encontraram desde logo em todas as condições da ressurreição última. Mas se não depuseram o novo corpo, para reentrarem no sono do túmulo, pergunto como se entende o dito que Cristo é o primogénito dentre os mortos, se tantos outros ressuscitaram antes dele. Responderão que o evangelista antecipou, falando do segundo facto, de modo que devamos entender o lugar citado no sentido que os túmulos se abriram por ocasião do tremor de terra, quando Cristo expirou na cruz, mas que os justos, de que se trata, só depois de ter Cristo ressuscitado é que ressuscitaram. Mas, então, resta outra dificuldade: como S. Pedro, querendo provar aos judeus, que não a David, mas a Cristo, era referente a predição que a sua carne não veria a corrupção, faz-lhes observar que o túmulo desse rei se via ainda entre eles? Pois, não podia convencê-los com essa razão, se o corpo de Davi já não estava no túmulo. Porque, ainda mesmo que David tivesse ressuscitado pouco tempo depois da sua morte, e que o seu corpo não tivesse sofrido a corrupção, poderia, contudo, ainda existir o seu túmulo. Entretanto, supondo que esses justos ressuscitando alcançaram uma vida imortal, é duro pensar que David não foi do número deles, apesar de considerarmos como um título de glória para Cristo o ter nascido da raça de David. E também será difícil entender-se o que o Apóstolo diz aos Hebreus, dos justos do Velho Testamento — Para que eles, sem nós não fossem consumados - se já por efeito dessa ressurreição foram constituídos no estado de incorruptibilidade, que nos é prometido no fim dos tempos, como nossa perfeição. Donde, Agostinho é de opinião que ressuscitaram, mas para morrer de novo. Com o que também concorda o dito de Jerónimo: Assim como Lázaro ressuscitou, assim também muitos corpos de santos, para mostrarem que o Senhor deveras ressuscitou. Embora, num Sermão, deixe o assunto duvidoso. As razões de Agostinho, porém, parecem muito mais concludentes.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como o que precedeu o advento de Cristo foi preparatório da sua vinda, assim a graça é uma disposição para a glória. Donde, o que pertence à glória, tanto quanto à alma - tal o perfeito gozo de Deus - como quanto ao corpo — e tal é a ressurreição gloriosa, tudo isso Cristo devia tê-la com anterioridade no tempo, como sendo o autor da glória. No concernente à graça, convinha existisse ela primeiro nos que para Cristo se ordenavam. 


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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