19/07/2017

Fátima: Centenário - Vida de Maria - 30



Centenário das aparições da Santíssima 

Virgem em Fátima


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A voz do Magistério

O Magnificat é um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos anawim bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem "pobres" não só no desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também na humildade profunda do coração, despojado da tentação do orgulho, aberto à irrupção da graça divina que salva…

O primeiro movimento do cântico mariano [i] é uma espécie de voz solista que se eleva em direcção ao céu para alcançar o Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira pessoa: "A minha alma... o meu espírito... meu salvador... chamar-me-ão bem-aventurada... fez grandes coisas em mim...". A alma da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor.

A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria agradecida. Mas este testemunho pessoal não é solitário, intimista ou puramente individualista, porque a Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e de que a sua vida se insere na história da salvação. E assim pode dizer: "A sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que o temem"[ii]. Com este louvor ao Senhor, Nossa Senhora dá voz a todas as criaturas redimidas, que no seu Fiat, assim como na figura de Jesus nascido da Virgem, encontram a misericórdia de Deus.

Neste ponto desenvolve-se o segundo movimento poético e espiritual do Magnificat[iii]. Ele possui uma tonalidade mais coral, como que se à voz de Maria se associasse a da inteira comunidade dos fiéis que celebram as escolhas surpreendentes de Deus. No original grego do Evangelho de Lucas temos sete verbos no aoristo [iv], que indicam igual número de acções que o Senhor realiza de modo permanente na história: "Manifestou o poder do seu braço... dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu-os de bens... despediu os ricos... acolheu Israel".

Nestas sete acções divinas é evidente o "estilo" no qual o Senhor da história inspira o seu comportamento: ele declara-se do lado dos últimos. O seu projecto com frequência está escondido sob o terreno obscuro das vicissitudes humanas, que vêem triunfar "os soberbos, os poderosos e os ricos". Contudo a sua força secreta está destinada a revelar-se no final, para mostrar quem são os verdadeiros predilectos de Deus: "Os que o temem", fiéis à sua palavra; "os humildes, os famintos, Israel seu servo", isto é, a comunidade do povo de Deus que, como Maria, está constituída por aqueles que são "pobres", puros e simples de coração. É aquele "pequeno rebanho" que está convidado a não temer, porque ao Pai aprouve conceder-lhe o seu reino[v]. E assim este cântico convida a associarmo-nos a este pequeno rebanho, a ser realmente membros do Povo de Deus na pureza e na simplicidade do coração no amor de Deus.

Aceitemos então o convite, que no seu comentário ao texto do Magnificat, nos dirige santo Ambrósio. O grande Doutor da Igreja diz: "Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus; se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo; de facto, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma de Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque, consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora com afecto devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor, em virtude do qual todas as coisas existem"[vi].

Neste maravilhoso comentário do Magnificat de santo Ambrósio sensibiliza-me de modo particular a palavra surpreendente: "Se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo: de facto cada uma acolhe em si o Verbo de Deus". Assim o santo Doutor, interpretando as palavras de Nossa Senhora, convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas devemos levá-lo ao mundo, de forma que também nós possamos gerar Cristo para o nosso tempo. Peçamos ao Senhor que nos ajude a magnificá-lo com o Espírito e com a alma de Maria e a levar de novo Cristo ao nosso mundo.

Bento XVI (séc. XXI), Discurso na audiência geral, 15-II-2006.




[i] cf. Lc 1, 46-50
[ii] v. 50
[iii] cf. vv. 51-55
[iv] NT: um dos tempos pretéritos da conjugação grega
[v] cf. Lc 12, 32
[vi] Exposição do Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27: SAEMO, XI, Milão-Roma 1978, p. 169

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