30/07/2017

Tratado da vida de Cristo 171

Questão 56: Da causalidade da ressurreição de Cristo

Em seguida devemos tratar da causalidade da ressurreição de Cristo. E nesta questão discutem-se dois artigos:

Art. 1 — Se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição dos corpos.
Art. 2 — Se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição das almas.
Art. 6 — Se as provas aduzidas por Cristo manifestaram suficientemente a verdade da sua ressurreição.

Art. 1 — Se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição dos corpos.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição dos corpos. 

1. — Pois, posta a causa suficiente, necessariamente se lhe segue o efeito. Se, pois, a ressurreição de Cristo é a causa suficiente da ressurreição dos corpos, imediatamente depois da ressurreição dele todos os mortos deviam ressuscitar.

2. Demais. — A causa da ressurreição dos mortos é a justiça divina; e esta exige que os corpos sejam premiados ou punidos simultaneamente com as almas, com a qual participaram do mérito ou do pecado, como diz Dionísio e também Damasceno. Ora, a justiça de Deus haveria de cumprir-se necessariamente, mesmo se Cristo não tivesse ressuscitado. Logo, ainda sem ter Cristo ressuscitado, os mortos ressuscitariam. Portanto, a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição dos corpos.

3. Demais. — Se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição dos corpos, ou é a causa exemplar, ou a eficiente ou a meritória. — Ora, não é a causa exemplar, porque Deus é quem operara a ressurreição dos corpos, segundo o Evangelho: o Pai ressuscita os mortos. E demais, Deus não precisa voltar-se para nenhum exemplar exterior a si. — Semelhantemente, também não é a causa eficiente. Pois a causa eficiente não age senão por contacto, espiritual ou corpóreo. Ora, é manifesto que a ressurreição de Cristo não tem nenhum contato corpóreo com os mortos que ressuscitam, por causa da distância de tempo e de lugar. Nem tão pouco contacto espiritual, mediante a fé e a caridade, pois, também os infiéis e os pecadores ressuscitarão. — Nem é a causa meritória, enfim; porque Cristo ressuscitado já não era viandante e, portanto, não podia mais merecer. — E, portanto, de nenhum modo a ressurreição de Cristo parece ser a causa da nossa ressurreição.

4. Demais. — Sendo a morte a privação da vida, destruir a morte nenhuma outra causa há-de ser senão tornar a infundir a vida, o que constitui a ressurreição. Ora, Cristo, morrendo, destruiu a nossa morte. Logo, a morte de Cristo, e não, portanto, a sua ressurreição, é a causa da nossa ressurreição.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, etc. E a Glosa: Que é a causa eficiente da nossa ressurreição.

Tudo o primário em qualquer género é a causa do mais que se lhe segue, como diz Aristóteles. Ora, o que é primário no género da verdadeira ressurreição é a ressurreição de Cristo, como do sobredito resulta. Donde, há-de necessariamente a ressurreição de Cristo ser a causa da nossa ressurreição. E tal o diz o Apóstolo: Ressuscitou Cristo dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem; porque como a morte veio na verdade por um homem, também por um homem deve vir a ressurreição dos mortos. — E com razão. Pois, o princípio da vida humana é o Verbo de Deus, do qual diz a Escritura: Em ti está a fonte da vida. Donde o dizer o próprio Senhor: Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim também dá o Filho vida àqueles a quem quer. Ora, a ordem natural das causas instituídas por Deus exige que qualquer causa primeiro obre sobre o que lhe está mais próximo e depois, por esse meio, ao que lhe está mais remoto. Assim, o fogo primeiro aquece o ar que lhe está próximo e, mediante o ar, aquece os corpos distantes. E Deus primeiro ilumina as substâncias que lhe estão mais próximas e, por meio delas, as mais remotas, como diz Dionísio. Donde, o Verbo de Deus primeiro dá a vida imortal ao corpo, que lhe está naturalmente unido e, por ele, causa a ressurreição em todos os outros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como dissemos, a ressurreição de Cristo é a causa da nossa, por virtude do Verbo que lhe está unido. O qual a opera pela sua vontade. Donde, não é necessário que o seu efeito se lhe siga imediatamente, mas segundo a disposição do Verbo de Deus; de modo que primeiro nos afeiçoemos com Cristo, que sofreu e morreu, em nossa vida passível e mortal; em seguida, cheguemos a participar da semelhança da ressurreição.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A justiça de Deus é a causa primeira da nossa ressurreição; a ressurreição de Cristo, porém, a causa secundária e como instrumental. Pois, embora a virtude do agente principal não fique determinada por nenhum instrumento em particular, contudo desde que obra mediante esse instrumento, este é a causa eficiente. Assim, pois, a justiça divina, quanto é de si, não é obrigada a causar a nossa ressurreição, pela ressurreição de Cristo. Pois, Deus podia salvar-nos por outro modo que não a Paixão e a ressurreição de Cristo, como dissemos. Mas desde que decretou esse modo de nos salvar, é manifesto que a ressurreição de Cristo é a causa da nossa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A ressurreição de Cristo não é, propriamente falando, a causa meritória da nossa, mas a causa eficiente e exemplar. — Eficiente, porque a humanidade de Cristo, segundo a qual ressuscitou, é de certo modo o instrumento da sua divindade, e obra em virtude dela, como se disse. Donde, assim como o mais que Cristo na sua humanidade fez ou sofreu contribui, em virtude da sua divindade, para nossa salvação, como dissemos, assim também a sua ressurreição é a causa eficiente da nossa, pela virtude divina, que tem o poder de vivificar os mortos. E essa virtude atinge com a sua presença dos os lugares e tempos; sendo que esse contacto virtual basta para a referida eficiência causal. Ora, segundo dissemos, a causa primordial da ressurreição humana é a justiça divina, pela qual Cristo tem o poder de emitir o seu juízo, enquanto Filho do homem. Donde, a causalidade eficiente da sua ressurreição estende-se não só nos bons, mas também aos maus, que lhe estão sujeitos ao juízo. — Mas, assim como a ressurreição do corpo de Cristo, por estar ele pessoalmente unido ao Verbo, foi a primeira no tempo, assim também foi a primeira em dignidade, como diz a Glosa a um lugar do Apóstolo. Ora, o perfeitíssimo é sempre o exemplar imitado pelo menos perfeito, ao seu modo. Donde, a ressurreição de Cristo é a causa exemplar da nossa. O que é necessário, não da parte do autor da ressurreição que não precisa de exemplar; mas da dos ressuscitados, que hão de afeiçoar-se à ressurreição de Cristo, segundo o Apóstolo: Reformará o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso. Embora, pois, a eficiência da ressurreição de Cristo se estenda à ressurreição tanto dos bons como dos maus, contudo a sua exemplaridade estende-se propriamente só aos bons, que fez conformes à sua filiação, na frase do Apóstolo.

RESPOSTA À QUARTA. — Pela causalidade eficiente, dependente do poder divino, em geral tanto a morte de Cristo como também a sua ressurreição é a causa tanto da destruição da morte como da reparação da vida. Mas, quanto à causa exemplar, a morte de Cristo, pela qual deixou a vida mortal, é a causa da destruição da nossa morte. Ao passo que a sua ressurreição, pela qual entrou na vida imortal, é a causa da reparação da nossa vida. Mas além disso a Paixão de Cristo é a causa meritória, como dissemos. 

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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