01/03/2017

NUNC COEPI: Publicações em 08.03.2017

Fátima: Centenário - Oração diária


Senhora de Fátima:

Neste ano do Centenário da tua vinda ao nosso País, cheios de confiança vimos pedir-te que continues a olhar com maternal cuidado por todos os portugueses.
No íntimo dos nossos corações instala-se alguma apreensão e incerteza em relação a este nosso País.

Sabes bem que nos referimos às diferenças de opinião que se transformam em desavenças, desunião e afastamento; aos casais desfeitos com todas as graves consequências; à falta de fé e de prática da fé; ao excessivo apego a coisas passageiras deixando de lado o essencial; aos respeitos humanos que se traduzem em indiferença e falta de coragem para arrepiar caminho; às doenças graves que se arrastam e causam tanto sofrimento.
Faz com que todos, sem excepção, nos comportemos como autênticos filhos teus e com a sinceridade, o espírito de compreensão e a humildade necessárias para, com respeito de uns pelos outros, sermos, de facto, unidos na Fé, santos e exemplo para o mundo.

Que nenhum de nós se perca para a salvação eterna.

Como Paulo VI, aqui mesmo em 1967, te repetimos:

Monstra te esse Matrem”, Mostra que és Mãe.

Isto te pedimos, invocando, uma vez mais, ao teu Dulcíssimo Coração, a tua protecção e amparo.


AMA, Fevereiro, 2017

Doutrina - 226

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 

Compêndio


PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ
PRIMEIRA SECÇÃO: «EU CREIO» – «NÓS CREMOS»

CAPÍTULO SEGUNDO: DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM

A REVELAÇÃO DE DEUS

6. O que é que Deus revela ao homem?


Deus revela-se ao homem, na sua bondade e sabedoria. Mediante acontecimentos e palavras, Deus revela-se a Si mesmo e ao seu desígnio de benevolência, que Ele, desde a eternidade, preestabeleceu em Cristo a favor dos homens. Tal desígnio consiste em fazer participar, pela graça do Espírito Santo, todos os homens na vida divina, como seus filhos adoptivos no seu único Filho.

Princípios e valores: Vida e morte de uma civilização

O vetusto termo helénico «arkhe» significava fundamentalmente isso que, anipotético, primeiríssimo, literalmente «fora de série», servia de razão de ser a tudo o mais. Nas suas diferentes formas, «isso» era o divino. Mais do que as variações, poeticamente interessantes todas elas, desse mesmo princípio, interessava o sentido que «isso» tinha como o fundamento absoluto de tudo o mais». «Isso» era o que, absolutamente, se opunha ao nada. De todas as formas, guardámos estruturalmente em nossa civilização a versão platónica de um bem actual e infinito positivamente que, ao modo análogo do sol, irradiava ser de forma totalmente gratuita. Com as mudanças necessárias à constituição de versões próprias, foi este ícone de «o princípio» que guardámos.

Até que se resolveu – parece que de forma incausada – substituir o princípio por valor, em termos universais; princípios por valores, em termos mundanos.

Ora, há uma diferença abissal entre uma coisa e a outra. O princípio é absolutamente objectivo, dispensando mesmo, em termos teóricos, um sujeito que o pense (embora para que se possa tal dizer tenha de haver um sujeito). Numa analogia pobre e de baixo custo intelectual, podemos dizer que o princípio funciona como a chamada «lei dos graves» (na realidade, é o «princípio natural dos graves»): na relação comigo como sujeito, posso eu julgar que a gravidade não me deve «puxar» para o centro de massa da Terra (e outros), que a gravidade continuará sendo o que é, enquanto a natureza for o que é (parece mesmo que a natureza é o conjunto destes mesmos princípios na coordenação com isso de que são princípios).

O valor, por sua vez, depende sempre de um qualquer avaliador. Sem este avaliador e o seu ato de avaliação, um valor não pode ser um «valor». Será outra coisa qualquer, mas um «valor» não é. Ora, sem que se recorra à absoluta objectividade do princípio, quando se avalia seja o que for, não há como proceder a tal ato de forma que não seja submetido ao arbítrio do avaliador. Este pode ser sempre qualquer, daqui sendo implicado que a avaliação possa ser sempre uma qualquer. Pode até ser “divinamente” justa. Mas como saber? Estamos no campo minado pela invencível dúvida, como muito bem verificou o velho Descartes.

Não admira que a nossa dita civilização esteja no estado caótico em que efectivamente está insistindo em ser fundada sobre valores. É o preço a pagar por se ter prescindido da objectividade dos princípios e se ter optado pela subjectividade inultrapassável dos valores

O valor vale sempre e só o que «valer» o ato do avaliador e este ato vale o que vale o avaliador precisamente como avaliador. Quem avalia o que o avaliador vale como avaliador?

A tentação de dizer: alguém independente da valoração. Mas, então, não terá de ser alguém que se apoie em algo como um princípio? Sendo assim, para que serve a valoração, se tem de ser ela própria valorada segundo princípios, ou nunca se poderá dizer que valha algo de positivo?

Poderíamos complicar um pouco mais, porque o assunto a tal se presta. Mas o que nos interessa mostrar é que não admira que a nossa dita civilização esteja no estado caótico em que efectivamente está (parece que apenas a guarda pretoriana do caos pensa que isso que guarda não é caótico), insistindo em ser fundada sobre valores. É o preço a pagar por se ter prescindido da objectividade dos princípios e se ter optado pela subjectividade inultrapassável dos valores.

E, não, não são as buscas de consensos que podem substituir a ausência de princípios. O consenso não é objectivo senão como uma espécie de algoritmo político obtido por uma operação qualquer de integração de subjectividades. O que resulta é tão subjectivo quanto cada uma das partes. Uma assembleia não é objectiva senão nos resultados do que através do algoritmo subjectivo das suas decisões – consensuais ou não – decide. Não nos esqueçamos do algoritmo de consensualidade entre suficientes alemães capaz de em janeiro de 1933 levar Hitler ao poder.

Foi um ato de valoração, que valorou positivamente os novos valores propostos em Mein Kampf. Poucos perceberam ou quiseram perceber que tais valores violavam mortalmente princípios como o da universal dignidade humana.

É tempo de regressar à objectividade dos princípios. Poder-se-ia começar pelo «imperativo categórico» kantiano: laico e anticaótico.

Américo Pereira, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas

Publicado em 16.01.2017

Epístolas de São Paulo – 1

Epístola de São Paulo aos Romanos

Apresentação


Foi durante o Inverno de 55-56, em Corinto, que Paulo escreveu esta Carta, provavelmente a última (16,23). Acabara de resolver os conflitos com as comunidades de Filipos (Fl 3,2-4) e Corinto (1 e 2 Cor), e considerava terminada a evangelização da parte oriental do império romano: as comunidades cristãs que fundara nas maiores cidades se encarregariam de irradiar o Evangelho para as províncias (15,23). Assim, podia finalmente visitar os cristãos de Roma (1,13-15; 15,22-24) e seguir de lá até à Espanha, a província ocidental do império.
Antes, porém, quer entregar aos cristãos de Jerusalém a colecta de solidariedade que, desde o “concílio”, organizou nas suas comunidades (15,25-28; Gl 2,10). Receia, no entanto, não ser bem aceite (15,30-32). Afinal, é em Jerusalém que mais o contestam, por não exigir que os gentios abracem certos preceitos da Lei judaica para serem cristãos. Sabe, por isso, que a aceitação da colecta em Jerusalém levaria, na prática, ao reconhecimento das suas comunidades; e, com uma unidade eclesial de judeus e gentios assim obtida, seria mais fácil a missão em Espanha. Daí que a maior parte da Carta seja escrita em forma de diálogo com um judeu (2,1-5). É às dúvidas dos cristãos de Jerusalém que se consideravam o verdadeiro Israel que ele responde.

DESTINATÁRIOS

Possivelmente, essas dúvidas eram conhecidas dos cristãos de Roma. Também aí o cristianismo, levado talvez por comerciantes vindos do Oriente, se iniciara nas sinagogas judaicas. Pelo menos foi nelas que se gerou o conflito entre judeus e cristãos, que fez com que o imperador Cláudio, no ano 49, os expulsasse da capital (Act 18,2). Os poucos que ficaram tiveram que separar-se da sinagoga e assim sobreviver, o que era difícil, uma vez que ainda não podiam contar com o apoio de uma estrutura eclesial organizada.
Por este facto, não admira que muitos deles se tenham apoiado em tradições e práticas judaicas para a santificação do dia-a-dia, como as referentes a alimentos e à guarda do sábado. Paulo fala disso nos cap. 14-15.
É que, entretanto, tinha crescido o número dos que consideravam secundárias tais normas; e a minoria dos que as seguiam era mesmo olhada com desprezo.
Além disso, segundo dá a entender no cap. 16, os cristãos estavam divididos por várias comunidades, reunidas em diferentes casas, como aliás já acontecia com as sinagogas. Paulo dirige-se a todos na mesma Carta e, com isso, já está a tentar levá-los à reconciliação e à unidade.

MOTIVO DA CARTA

Só com os cristãos de Roma unidos poderá Paulo contar com o apoio, em meios e pessoas, para a evangelização da Espanha. É sobretudo por esta razão que quer visitá-los e é a preparar a visita que lhes escreve (1,8-17; 15,22-24).
Fá-lo, baseando-se na sua condição de Apóstolo dos gentios (1,1.5; 15,15-16) e com os direitos e deveres que isso lhe dá sobre os cristãos de Roma, cuja maioria é proveniente do paganismo (1,6.13.15); mas reconhece, ao mesmo tempo, que não tem sobre eles a mesma autoridade que teria, se fossem uma comunidade por ele fundada (15,14-21).
Assim, antes de lhes comunicar abertamente o objectivo da visita em 15,24, expõe-lhes longamente o Evangelho de que se tornou Apóstolo e que anuncia (1,18-11,36), procurando esclarecer os pontos mais polémicos.

DIVISÃO E CONTEÚDO

A Carta aos Romanos poderá dividir-se em quatro partes:
Introdução: 1,1-17;
I. O Evangelho da Salvação: 1,18-11,36;
II. Vida de acordo com o Evangelho: 12,1-15,13;
Conclusão: 15,14-16,27.

TEOLOGIA

Na primeira parte, Paulo expõe o seu Evangelho (cap. 1-11): a salvação realizada por Deus em Cristo é universal e exclusiva; estende-se a judeus e gentios e só pode adquirir-se pela fé, já que, sem Cristo, nem sequer os judeus estão em condições de cumprir a Lei e salvar-se, assim, pelos próprios meios (1,18-5,21). E é por causa disso que Paulo é acusado de destruir as duas realidades constitutivas de Israel: a sua eleição, como povo de Deus, e a Lei, como norma de vida (3,1-8). Nos cap. 6-8 responde à questão sobre a Lei: a fé em Cristo não é contra a Lei, mas é mesmo o único meio que nos torna capazes de a cumprirmos. Nos cap. 9-11 mostra como a Igreja de Cristo, ao acolher os pagãos, não perdeu as suas raízes no povo cuja eleição começa em Abraão; pelo contrário, só quando todos, pagãos e judeus, aderirem a Cristo, se cumprirão plenamente as promessas de Deus.
Na segunda parte (cap. 12-16), Paulo exorta à unidade, que provém da participação comum no amor de Cristo e se manifesta no bom relacionamento entre os de dentro e os de fora da Igreja (cap. 12-13) e, sobretudo, na aceitação da sensibilidade e diversidade próprias de cada um (14,1-15,13). Temos aqui o Evangelho na sua expressão prática. 15,14-16,27 é a conclusão.

Leitura espiritual

Civita Dei
A CIDADE DE DEUS 

Vol. 1

LIVRO VIII

CAPÍTULO XX

Será de crer que os deuses bons preferem comunicar com os demónios a fazê-lo com os homens?

Realmente há um motivo urgente e dos mais prementes que exige a mediação dos demónios entre os deuses e os homens: o de haver quem apresente os desejos dos homens aos deuses e o de haver quem traga destes o favor aos homens. Que motivo é esse? Qual a importância desta necessidade? É que, dizem, nenhum deus se pode misturar com o homem.

Preclara santidade, não há dúvida, a de um deus que não tem contactos com o homem suplicante, mas os tem com um demónio arrogante;
não se põe em contacto com o homem penitente, mas fá-lo com o demónio enganador;
não contacta com o homem que se refugia na divindade, mas comunica com o demónio que se finge divindade;
não se mistura com o homem que pede perdão, mas mistura-se com o demónio que aconselha a corrupção;
não comunica com o homem que nos seus livros filosóficos expulsa os poetas da cidade bem organizada, mas comunica com o demónio que solicita aos príncipes e aos pontífices da cidade que, em cena, se representem as galhofas dos poetas;
não se mistura com o homem que proíbe que se inventem crimes à conta dos deuses, mas põe-se em contacto com o demónio que se compraz nesses falsos crimes;
não se põe em comunicação com o homem que castiga os crimes da magia com leis justas, mas comunica com o demónio que ensina e pratica as artes mágicas;
não se mistura com o homem que procura não imitar os demónios, mas mistura-se com o demónio que espreita a ocasião de enganar o homem.

CAPÍTULO XXI

Será que os deuses se utilizam dos demónios como mensageiros e intérpretes? Será que não sabem que são enganados? Ou querem sê-lo?

Tamanho absurdo, tamanha indignidade, não há dú­vida de que se impõe fortemente, se, realmente, os deuses etéreos que se ocupam das questões humanas, nunca vierem a saber o que fazem os homens, se os demónios aéreos não lho comunicarem, — pois que o éter está longe da terra e suspenso lá no alto, mas o ar, esse está contíguo ao éter e à terra.

Ó sabedoria admirável! Que pensarão estes filósofos de tais deuses, que têm por óptimos, senão que eles se ocupam das questões humanas apenas para que pareça que não são indignos de culto — mas que, devido à distância dos elementos, eles as ignoram? Julgam que os demónios são indispensáveis e que, portanto, se lhes deve prestar culto já que é por eles que os deuses podem saber o que se passa entre os homens e prover às suas necessidades quando for preciso. Porque assim é, o demónio é mais conhecido dos deuses bons devido à proximidade do seu corpo do que o homem devido à bondade da sua alma. Que deplorável estupidez! Ou antes — que ridícula e detestável vacuidade, para não dizer vã divindade! Realmente, se pelo seu espírito, livre de todo o obstáculo corporal, os deuses podem ver o nosso espírito, não terão necessidade para isso dos demónios como intermediários. Mas se é por intermédio dos corpos, das manifestações corporais da alma, (tais como a linguagem, a fisionomia, o gesto), que os deuses etéreos percebem — e daí inferem o que os demónios lhes anunciam — então podem ser ludibriados pelas mentiras dos demónios. Mas se a divindade não pode ser enganada pelos demónios, também a mesma divindade não pode ignorar o que fazemos.

Eu quereria, portanto, que me dissessem então:
— se os demónios comunicaram aos deuses que as fantasias dos poetas acerca dos crimes dos deuses desagradaram a Platão e se os mesmos demónios esconderam aos deuses que se compraziam com tais crimes;
— ou se se calaram acerca destes dois pontos, preferindo deixar os deuses na ignorância do caso;
— ou se lhes revelaram estes dois pontos — a piedosa sabedoria de Platão a respeito dos deuses e a sua própria libertinagem ultrajante para com os deuses;
— ou então se lhes encobriram as decisões de Platão de proibir que a licenciosa impiedade dos poetas desonrasse os deuses com pretensos crimes sem que eles por sua vez, nem temessem nem se envergonhassem de revelar o seu iníquo amor pelos jogos cénicos que celebram as ignomí­nias dos deuses.

Escolham a resposta que quiserem a estas quatro questões que lhes pus; mas reparem no mal que pensam dos deuses bons, seja qual for a resposta.

Se escolherem a primeira, terão que conhecer que não foi permitido aos deuses bons comunicarem com o bom Platão quando este procurava proibir que tais deuses fossem injuriados, mas era-lhes permitido comunicar com os demónios quando estes se compraziam com essas injú­rias. Realmente, os deuses bons não conheciam este homem bom, deles tão distante, senão por intermédio dos demónios maus a quem não podiam conhecer apesar de serem vizinhos.

Se escolherem o segundo e disserem que ambos os casos tinham sido ocultados pelos demónios de maneira a que os deuses ignorassem totalmente não só a religiosíssima lei de Platão, mas também a sacrílega complacência dos demónios — que é que de útil podem os deuses conhecer acerca dos homens por intermédio dos demónios mensageiros, se nem sequer conhecem as decisões que em sua honra tomou a piedade dos homens bons contra o desregramento dos demónios maus?

Se escolherem o terceiro e responderem que os deuses conheceram por mediação dos demónios, não só a decisão de Platão de proibir os ultrajes aos deuses, mas também a malícia dos demónios que exultam de alegria perante esses ultrajes — constituirá isso uma mediação ou um insulto? Os deuses ouvem uma coisa e outra, de uma e de outra tomam conhecimento — e não expulsam da sua presença os malignos demónios cujos desejos e actos se opõem à dignidade dos deuses e ao espírito religioso de Platão, e, pelo contrário, transmitem ao bom e distante Platão os seus benefícios por intermédio destes perversos vizinhos? De tal modo estão sujeitos a esta como que prisão dos elementos que podem aliar-se aos seus caluniadores, mas não o podem fazer com os que os defendem. Conhecem uma e outra — a calúnia e a defesa — mas não podem mudar o peso do ar e da terra.

Se escolherem o último, o quarto, escolhem o que de todos é o pior. Se os demónios deram conhecimento aos deuses das criminosas ficções dos poetas acerca deles imortais e das ultrajantes chacotas teatrais — e do ardente apetite e da deleitosa complacência que experimentam em tudo isto; se, por outro lado, lhes esconderam que Platão, com filosófica gravidade, achou por bem que todas estas coisas deviam ser expulsas de uma república excelente — quem pode suportar que os deuses bons se vejam forçados a conhecer por tais intermediários os males dos perversos, mesmo os dos próprios intermediários, e não podem conhecer os bens dos filósofos, àqueles contrários, sendo certo que aqueles são uma injúria para com os deuses e que estes são para os mesmos deuses uma honra?

C A P ÍT U L O XXII

Contra a opinião de Apuleio, impõe-se a rejeição do culto dos demónios.

Pois que é impossível escolher qualquer das quatro hipóteses sem fazer dos deuses tão mau conceito, só nos resta deixar de crer naquilo que Apuleio se esforça, com os filósofos do seu parecer, por nos convencer: — que, entre os deuses e os homens, os demónios exercem o papel de mensageiros e intérpretes para levarem aos deuses os nossos pedidos e deles nos trazerem o seu auxílio. Pelo contrário, são espíritos ávidos de malfazer, totalmente alheados da justiça, inchados de soberba, pálidos de inveja, destros em enganos. Habitam certamente no ar porque precipitados das alturas do Céu Superior devido a falta inexplicável, foram condenados a habitarem esta espécie de prisão apropriada ao seu estado. Todavia, lá porque o ar está acima da terra e das águas, nem por isso são superiores em mérito aos homens. Estes ultrapassam-nos à vontade, não pelo seu corpo terrestre, mas pela piedade da sua mente que escolheu para seu amparo o verdadeiro Deus.

Sem dúvida que dominam muitos homens indignos de participarem da verdadeira religião, tornando-os seus prisioneiros e escravos. A maioria destes homens deixou-se persuadir de que os demónios eram deuses devido ao aspecto falsamente miraculoso dos seus actos e das suas predições. Mas outros, reparando nos seus vícios com um pouco mais de atenção e de cuidado, não puderam admitir a sua divindade. É por isso que os demónios se fingiram intermediários entre os deuses e os homens e intercessores dos seus benefícios. Pelo menos esta honra, julgaram que lha não deviam recusar aqueles que não acreditavam na sua divindade, já que eram maus e os deuses são todos bons; todavia não ousavam declará-los totalmente indignos das honras divinas com receio sobretudo de ofenderem povos que viam inveterados na superstição e entregues ao seu culto com tantos ritos e templos.

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)


Evangelho e comentário

Tempo de Cinzas

Quarta Feira de Cinzas

Evangelho: Mt 6, 1-6. 16-18

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está nos Céus. Assim, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa».

Comentário:

Jesus Cristo dá um conselho que nos pode deixar algo perplexos:

«quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo»

Quererá isto dizer que a oração comunitária, por exemplo, não é aconselhável ou não é querida por Deus?

Temos de ter cuidado com as interpretações que fazemos do Evangelho.
Muitas das chamadas “seitas” fazem exactamente isso para justificarem as suas práticas. Retirar as palavras fora do contexto e da época em que foram proferidas é erro crasso e caminho que só pode conduzir a más interpretações.

Na sociedade de então – do tempo de Cristo – era costume a oração pública nas ruas e nas praças (como de resto se pratica noutras religiões), mas o intuito era o aparato, o dar nas vistas, o alcandorar-se a uma posição especial e, não, servir de exemplo, mas de inveja e admiração.

Jesus virá a pôr as coisas “no seu lugar” quando disser que onde estiverem dois ou mais reunidos em Seu Nome, Ele estará no meio deles.

(ama, comentário sobre Mt 6, 1-6. 16-18, 21.11.2016)






Dispostos a uma nova rectificação

Os teus parentes, os teus colegas, os teus amigos, vão notando a diferença, e reparam que a tua mudança não é uma mudança passageira; que já não és o mesmo. Não te preocupes. Para a frente! Cumpre o "vivit vero in me Christus" – agora é Cristo quem vive em ti! (Sulco, 424)


Qui habitat in adiutorio Altissimi in protectione Dei coeli commorabitur – Habitar sob a protecção de Deus, viver com Deus: eis a arriscada segurança do cristão. É necessário convencermo-nos de que Deus nos ouve, de que está sempre solícito por nós, e assim se encherá de paz o nosso coração. Mas viver com Deus é indubitavelmente correr um risco, porque o Senhor não Se contenta compartilhando; quer tudo. E aproximar-se d'Ele um pouco mais significa estar disposto a uma nova rectificação, a escutar mais atentamente as suas inspirações, os santos desejos que faz brotar na nossa alma, e a pô-los em prática.

Desde a nossa primeira decisão consciente de viver integralmente a doutrina de Cristo, é certo que avançámos muito pelo caminho da fidelidade à sua Palavra. Mas não é verdade que restam ainda tantas coisas por fazer? Não é verdade que resta, sobretudo, tanta soberba? É precisa, sem dúvida, uma outra mudança, uma lealdade maior, uma humildade mais profunda, de modo, que, diminuindo o nosso egoísmo, cresça em nós Cristo, pois illum oportet crescere, me autem minui, é preciso que Ele cresça e que eu diminua.


Não é possível deixar-se ficar imóvel. É necessário avançar para a meta que S. Paulo apontava: não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim. A ambição é alta e nobilíssima: a identificação com Cristo, a santidade. Mas não há outro caminho, se se deseja ser coerente com a vida divina que, pelo Baptismo, Deus fez nascer nas nossas almas. O avanço é o progresso na santidade; o retrocesso é negar-se ao desenvolvimento normal da vida cristã. Porque o fogo do amor de Deus precisa de ser alimentado, de aumentar todos os dias arreigando-se na alma; e o fogo mantém-se vivo queimando novas coisas. Por isso, se não aumenta, está a caminho de se extinguir. (Cristo que Passa, 58)

Pequena agenda do cristão

Quarta-Feira



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)






Propósito:

Simplicidade e modéstia.


Senhor, ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de grandeza e proeminência.


Lembrar-me:
Do meu Anjo da Guarda.


Senhor, ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas alegrias e entristece-se com as minhas faltas.

Anjo da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu interesse e protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser tão mesquinho na retribuição de tantos favores recebidos.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?